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terça-feira, outubro 21, 2008

O Céu está mais iluminado


Deborah Dumar

O mundo do samba perde um de seus maiores representantes. Morreu, ontem, aos 59 anos, de câncer no intestino, Luiz Carlos da Vila. Um compositor de mão cheia, um intérprete animado e convincente, uma pessoa que amava a vida como poucos. Um agregador, um amigo para todas as horas, um homem afetuoso e humilde diante do talento que expressava em suas músicas. Um ser iluminado.

Em seu site oficial, o pesquisador de sua biografia afirma que "há quem diga que Luiz Carlos da Vila é pura intuição". Um vizinho seu, do bairro de Vila da Penha, declarou sobre o artista: "Às vezes, ele anda à esquina, conversa com as flores e volta com uma música". E era na casa dele que reunia amigos para tardes de pura alegria ao som do melhor samba de roda, do partido alto. Sua voz alegrava o Samba do Trabalhador, as festas do Caldos & Canjas, em que eram servidos quitutes deliciosos preparados pela companheira de quase 20 anos, Jane.

Ele animava as noites da Lapa, do Candongueiro, em Niterói, a quadra do Cacique de Ramos, as reuniões no Boêmios do Irajá, os desfiles dos Suburbanistas - criado por ele, Dorina e Mauro Diniz - e sempre encerrava suas aparições com um de seus maiores sucessos, "O show tem que continuar" ("Nós iremos achar o tom / um acorde de lindo som / e fazer com que fique bom / outra vez o nosso cantar"), parceria com Arlindo Cruz e Sombrinha.

Primeito título

Luiz Carlos teve o mérito de dar à sua querida escola Unidos de Vila Isabel o primeiro campeonato, em 1988, com "Kizomba - festa da raça", samba-enredo feito em parceria com Rodolpho de Souza e Jonas Rodrigues ("Valeu Zumbi/ o grito forte dos Palmares/ que venceu terra, céu e mares/ influenciando a abolição..."), gravado por Martinho da Vila. No mais recente disco de Zeca Pagodinho, um dos artistas apreciadores de suas obras, está a última gravação de um samba seu, "Então leva".

Nascido em 1949, em Ramos, ele começou a freqüentar o bloco carnavalesco Cacique de Ramos nos anos 70. Na mesma época, passou a integrar a ala de ccompositores da Vila Isabel, que foi decisiva para a incorporação do "da Vila" em seu nome artístico.

Alcione, Mauro Diniz, Beth Carvalho, Simone, Luizinho SP, Fundo de Quintal, Jair Rodrigues, Simone e Jorge Aragão foram outros que registraram em seus discos composições de Luiz Carlos da Vila, que recebeu, ao lado de Sombra e Sombrinha, o prêmio Sharp de melhor samba em 1988 com a música "Além da razão", interpretada por Beth Carvalho. Simone, por sua vez, fez muito sucesso com a música "Por um dia de graça", de Luiz Carlos.
Luta pela vida

O artista havia se tratado de um câncer em 2002, mas, recuperado, retomou a vida normalmente, aparentemente com mais vontade até de aproveitar cada momento. Sua agenda andava lotada, os shows se multiplicavam País afora, novas composições brotavam com os parceiros. Foi indicado ao TIM 2006, com o CD "Um cantar à vontade", em que dá a sua versão, no palco do Rival em 2001, às músicas de que mais gostava, dentre elas "Kizomba", "O show tem que continuar" e "Os papéis", feita a quatro mãos com o mestre Wilson das Neves.

Além deste e também em 2006, lançou "Matrizes", em parceria com o compositor e violonista Cláudio Jorge, conforme contou a Pedro Henrique Neves em entrevista à Tribuna BIS. Bem diferente de "Um cantar à vontade", como conta Pedro Henrique, "Matrizes" nasceu de uma proposta do selo Rádio MEC para um trabalho sobre o universo da cultura africana. Ao lado de Cláudio Jorge, ele gravou 17 faixas inéditas, abrangendo gêneros que vão do jongo ao frevo, passando por samba, baião, xote e embolada. Ambos foram muito bem recebidos pela crítica.

Luiz Carlos teve, recentemente, a oportunidade de promover uma grande festa pelos 80 anos da mãe e, dias depois, ao fazer os exames de rotina, descobriu que a doença voltara. Há cerca de 40 dias, foi internado no Hospital do Andaraí, fez duas cirurgias, mas não apresentava melhora significativa. Quando se sentia melhor, queria porque queria que os médicos lhe devolvessem o telefone celular para dar andamento ao seu trabalho. Na última semana, seu estado foi se deteriorando. E, na manhã de ontem, morreu.

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