Pesquisar este blog

segunda-feira, novembro 10, 2008

Mindlin lança parte de sua correspondência em livro


Livia Deodato (AE)

Há 86 anos, o garoto José Mindlin foi passear com a tia nas praias límpidas e quase selvagens do Guarujá. De lá, resolveu escrever uma carta para a família, "porque naquele tempo a ligação telefônica era muito demorada". Ele sabia que seu pai havia acabado de enfrentar uma cirurgia e quis demonstrar toda a sua compaixão logo na primeira linha: "Espero que todos estejam bem, menos papai." A lógica infantil sempre surpreende, mas, afinal, é uma lógica. "Minha família ficou escandalizada. Me questionavam como é que eu podia não querer que meu papai estivesse bem", relembra, às gargalhadas, o mesmo garoto, hoje com 94 anos.

O bem-humorado bibliófilo insiste em dizer que sua memória anda falha, que é tímido, preguiçoso e que transmite a falsa impressão de ser ordeiro. Pois se analisássemos com atenção somente a obra que ele está lançando - "Cartas da Biblioteca Guita e José Mindlin" - poderíamos facilmente juntar esses adjetivos e trocá-los por uma só característica: a extrema modéstia que sempre lhe foi peculiar.

Há cerca de três anos, os editores da Terceiro Nome se interessaram pelos "papéis velhos" que Mindlin sempre sentiu prazer em colecionar. São cartas trocadas por personalidades da literatura, artes plásticas, música e até pela nobreza, onde estão impressas datas entre os séculos XVII e XX. Como essa coleção foi iniciada, Mindlin não se recorda com precisão. "É um desses mistérios que acho que nunca serão resolvidos", resume, outra vez aos risos.

O lançamento se dá, de acordo com ele, "graças ao interesse dos editores e por mérito de minhas secretárias e bibliotecárias Cristina Antunes, Rosana Gonçalves e Elisa Nazarian", contempla 55 das mais de 300 cartas que guardou ao longo da vida, entre elas a de Machado de Assis a Euclides da Cunha em 1903, parabenizando-o pelo ingresso na Academia Brasileira de Letras; ou ainda, a de José Saramago ao próprio Mindlin em 1991, externando a sua insatisfação sobre uma conselheira cultural brasileira enviada a Portugal. Cujo motivo entendemos poucas linhas adiante, por meio de uma lúcida intervenção do bibliófilo:

"A conselheira cultural do Brasil, a quem Saramago se refere na carta aqui publicada, decidira fazer um cadastramento dos intelectuais portugueses, e enviara um formulário que deveria ser preenchido por Saramago. José Mindlin, em resposta ao escritor, pediu desculpas em nome do Brasil."

Na obra, as cartas aparecem reproduzidas e reescritas, além de oferecer uma breve biografia dos remetentes e destinatários. Os personagens envolvidos nas mensagens e o contexto ao qual eles estavam submetidos ganham ainda mais cores através de textos elucidativos concedidos por Mindlin. Outros, ele mesmo admite, dispensam quaisquer apresentações, como é o caso do poeta Manoel de Barros na segunda frase da carta que destina ao próprio bibliófilo: "(Não sei por que esta letra vai ficando cada vez menor, vai virando uma formiguinha)".

José Mindlin está radiante por poder contribuir com mais uma obra para o acervo Brasiliana, de 17 mil títulos, doado à USP, previsto para ser abrigado até o fim de 2009 na Biblioteca Guita e José Mindlin, que está sendo erguida no câmpus. E não pretende deixar de escrever e receber cartas, ainda que tenha tomado certo gosto pela troca de mensagens instantâneas via internet.

Nenhum comentário: