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sábado, dezembro 13, 2008

A morte e a morte de Valêncio Xavier


Wilson Bueno

Conto com que os grandes jornais e as revistas especializadas estejam preparando, no mínimo, um alentado dossiê sobre a vida e obra de Valêncio Xavier - um dos mais inventivos prosadores surgidos no Brasil nos últimos tempos, recém-falecido em Curitiba, aos 75 anos. À exceção da imprensa local, pouca ou quase nenhuma foi a repercussão nacional da morte do escritor, em condições cruéis, devastado pelo Alzheimer.

O paulistano, e polaco, Valêncio Niculitcheff, morava há mais de 50 anos entre nós, onde produziu vídeos, peças, filmes, textos, programas de televisão. Foi colaborador assíduo de Nicolau, o tablóide lendário. Ali, garanto, fez história.

Trabalhador incansável, o interesse por diversas áreas o tornava inquieto, excitado sempre e rabugento em tempo integral.

Nunca deixei de o perdoar, mesmo as vezes em que me atacou duramente, num delírio que já era a sua marca, muito antes de a doença começar a devorá-lo, devagar e de modo insidioso, em 2002. Jamais criticou o que escrevo, coisa que ele, mesmo engolindo em seco, parecia admirar. Afinal vibrávamos na mesma pauta - a da busca de uma maior expressividade da prosa brasileira. Ao largo, ao menos, dos romancetes que se fazem por aí com vistas a provocar comoção e lágrimas.

De todos os livros de Valêncio onde, de modo singular, único e insubstituível, a intervenção gráfica era o seu estilo & estalo e a sua mais insolente maneira de criar, prefiro o Mez da Grippe. A meu ver, um autêntico clássico contemporâneo, ao lado apenasmente do Catatau, de Paulo Leminski, e de Galáxias, de Haroldo de Campos.

Várias vezes instado por amigos a visitá-lo em sua casa do Campina do Siqueira, não tive coragem de vê-lo derruído pelo Alzheimer. A última vez que nos falamos foi através de um longuíssimo telefonema que ele, já desconhecendo que estávamos estremecidos, me privilegiou. Fomos além de todos os anéis de Saturno...

Ultimamente sabia de Valêncio por ouvir falar. Diziam que levava seus textos à Gazeta do Povo, onde colaborou por décadas e que, puro caos infantil, não eram, óbvio, publicados. Ele pensava que sim e renovava a colaboração com obsessiva freqüência. Abraçava inimigos fidagais na rua...

E acho que não sabia mais se escrevia ou bordava. Adeus, velho! Fica a sua lição, a grande lição do inconformista e do iconoclasta que achava a literatura brasileira uma coisa "pouca digna de Alain Robbe-Grillet", um dos santos de sua devoção.

Pelo que disturbava, claro, a exemplo dele mesmo, Valêncio Xavier Niculitcheff, o coro dos contentes.

(publicado em 12 de dezembro de 2008, no site Paraná Online)

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