Pesquisar este blog

quinta-feira, março 05, 2009

A enciclopédia que você pediu a Jah – Parte 1


Que o Brasil adora reggae, todo mundo sabe. Infelizmente, a paixão nacional pelo melhor produto da Jamaica raramente vai além dos medalhões, dos nomes mais conhecidos. Em geral ficamos apenas em Bob Marley (e prole), Peter Tosh, Jimmy Cliff, Inner Circle e... Pato Banton (que não é jamaicano, nasceu em Birmingham, cidade inglesa pródiga em astros do chacundum), Big Mountain (que é americano, apesar de reforçado com bons músicos veteranos da boa ilha) e por aí afora...

Foi pensando nessa galera cheia de amor e suingue para dar ao reggae, mas carente de informações, que desencavei de meus arquivos esta pequena enciclopédia sobre o assunto, enfocando os nomes jamaicanos menos divulgados por aqui e – obviamente – de importância crucial para o gênero. A maioria das músicas citadas pode ser baixada no site Baía dos Piratas (http://thepiratebay.org/).

Evidentemente, as informações só estão atualizadas até o final do último milênio, mas devem dar pro gasto. Para saber mais detalhes, compre o meu livro “Reggae: a música que pulsa” (2002), lá no Sebão de Manaus. Ou use o santo google...

Por meio dos verbetes de A a Z, você vai conhecer quase uma centena de heróicos artistas pouco divulgados que ajudaram a transformar o chacundum que balançava a pequena ilha do Caribe num dos ritmos mais apreciados do mundo – incluindo grandes artistas como Bob e Horace Andy, duas gargantas reveladas no Studio One (o selo pioneiro do reggae) que poderiam ter se destacado mundialmente cantando qualquer outro gênero musical.

A gente também mostra como são e como surgiram os ritmos ancestrais do reggae: mento, ska, rock steady... E aponta também como o ritmo deu origem ao hip hop americano e ao drum’n’bass britânico. Temperando os verbetes, uma relação das palavras mais usadas no linguajar patois – aquela moqueca de gírias usada pelos artistas jamaicanos. Boa leitura. Irie!

ABYSSINIANS, The
O trio formado por Bernard Collins, Donald e Lynford Manning no final dos anos 60 foi responsável por um dos primeiros hinos da era rastafari, “Satta Massagana”. Este clássico do reggae fala de uma terra distante (no caso, a Etiópia, cujo nome antigo era Abíssinia) onde nunca havia noite, apenas dia, foi lançado em 1971 e cantado até em igrejas na Jamaica. A expressão “satta massagana”, tirada do aramaico, língua arcaica que o imperador etíope Hailé Selassié fazia questão de falar, é um agradecimento, e também aparece na letra de “Jimmy Jazz”, gravada pelos rude boys brancos do Clash. Mais tarde, “Satta Massagana” ajudou a impulsionar a carreira do grupo Third World – que a regravou em seu belo álbum de estréia.

Donald, Lynford e Bernard eram três gogós privilegiados que trocavam prosa, idéias e ideais rastafari com Bob Marley e Toots Hibbert, em Trenchtown. Outros sucessos importantes deles foram “Yis Mas Gan” e “Declaration Of Rights”. Mesmo sem nunca terem alcançado o status de superstars, The Abyssinians estão na ativa até hoje e são uma das bandas mais respeitadas pelos reggaemen ortodoxos. Seus filhos também seguiram carreira artística. Formaram o Satta, grupo que acompanhou Chaka Demus & Pliers no Brasil em 1994.

ACKEE
Fruta-símbolo da Jamaica, ela foi trazida da África pelos escravos que aportaram à ilha em 1778. É uma das bases da culinária local.

ALPHA OMEGA
Dupla formada por Christine Woodbridge (baixo) e John Sprosen (bateria e programação). Na ativa desde 1985, eles são o que os britânicos chamam de “U.K. Roots”: fazem dub com mensagens ecológicas. Álbuns da dupla como Dub Selection Volume 1, foram bastante elogiados pela crítica.

ANDY, Bob
Keith Anderson é seu nome de batismo. Mas foi como Bob Andy que ele tornou-se conhecido e admirado por reggaemaníacos da velha e da nova geração. Bob Andy começou cantando num dos melhores grupos vocais de rock steady, The Paragons, no início dos anos 60. Seu primeiro sucesso solo, o clássico “I’ve Got To Go Back Home”, de 1967, tinha as vozes de Peter Tosh e Bunny Wailer harmonizando.

Bob Andy participou dos anos de ouro do Studio One (lendário selo de gravações da Jamaica, que revelou, entre outros, Bob Marley), por onde lançou discos memoráveis. O álbum de antologia dessas gravações, Songbook, é considerado uma das obras fundamentais da música jamaicana de todos os tempos.

Ex-marido de Marcia Griffiths (uma das I-Threes que cantavam com Marley), estourou nas paradas internacionais em duo com ela, em 1971, cantando “Young, Gifted And Black”, de Nina Simone. Em 1998, ele continuava com a voz em cima e gravando: seu mais recente trabalho chamava-se Hanging Tough.

ANDY, Horace
A revista inglesa Mojo o destacou como um dos 100 maiores vocalistas da história da música, à frente da diva Anita Baker, da garganta etílica de Joe Cocker e da explosão de Kurt Cobain. Andy, nascido Horace Hinds na cidade de Kingston, em 1951, emociona qualquer um com os agudos e os “wooah” que solta. Nasceu pobre, gravou singles pelo Studio One e se converteu à filosofia rastafari. Tentou carreira nos EUA a partir da década de 70, formando até um selo próprio, Rhythm, em Connecticut. Dizem que só não virou um grande astro por causa da preguiça – que lhe valeu o apelido de “soneca”. Lembrado nos anos 90 pelos mestres da dance inglesa Massive Attack, participou dos álbuns Blue Lines (1991) e Protection (1994), e teve a honra de inaugurar a gravadora Melankolic (do Massive Attack), pela qual lançou o álbum Skylarking, que mescla preciosidades do Studio One com faixas novas.

APACHE INDIAN
Nascido em Birmingham, Inglaterra, a 11 de maio de 1968, Apache é um dos responsáveis pelo mango chutney musical que veio incrementar o reggae no início dos anos 90: o bhangramuffin. Apache tempera a prosa de DJ com o bhangra, música típica da Índia. Seu primeiro álbum, No Reservations, tinha produção de Sly Dunbar e participação de Maxi Priest, e o colocou nos primeiros lugares da parada asiática. Indian criticava o sistema de castas e casamentos arranjados que há milhares de anos oprime a sociedade indiana. O clipe da música “Boom-Shack-A-Lak” – que no Brasil virou até trilha de novela – elevou sua popularidade no mundo todo.

ASWAD
Graças a este trio os ingleses podem bater a mão no peito e soltar a frase: “Nossos jamaicanos são mais espertos que os dos outros.” Surgido no bairro londrino de Ladbroke Grove em 1974, o Aswad se caracterizou por fazer um reggae antenado em outras tendências.

O grupo foi fundado por Drummie Zeb (bateria, vocais), Brinsley Forde (guitarra, vocais) e George Oban (baixo). Essa formação gravou o álbum Aswad (1976) e emplacou nas paradas o single “Back To África”. O trio estourou de vez com a entrada do baixista Tony Gad no lugar de George Oban. Fez experimentos com o dub (A New Chapter Of Dub, de 1982), gravou um dos maiores álbuns ao vivo de todos os tempos (Live & Direct, de 1983) e entrou de cabeça no reggae pop (Distant Thunder, de 1988). Apesar da experimentação, não perdeu as características principais: vocais melodiosos, próximos da soul music, letras com militância política (como “Set Them Free”, um puxão de orelhas na África do Sul) e as cacetadas certeiras e maluquetes de Drummie, uma espécie de Keith Moon rastafari.

AITKEN, Laurel
Cantor cubano, um ícone cultural do movimento skinhead (por causa da gravação “Skinhead Train”). Estourou em 1960 com “Boogie On My Bones”.

AGGROVATORS, The
Assim como os Skatalites estavam identificados com Coxsone Dodd, os Aggrovators reinaram nos domínios de Bunny Lee. A formação incluía Robbie Shakespeare (baixo), Earl “Chinna” Smith (guitarra) e Carl “Santa” Davis (bateria).

ALCAPONE, Dennis
Influenciado pelo X-tudo verbal de U-Roy, Dennis iniciou a carreira de DJ em 1972. No ano seguinte, já era sucesso no Reino Unido. “Wake Up Jamaica” e “My Voice Is The Mosquito” são alguns de seus maiores sucessos.

ALIMANTADO, Dr.
DJ, começou num sound system comandado por Lee Perry. Sua época áurea foi nos anos 70, quando caiu nas graças do movimento punk.

BABILÔNIA
O mundo civilizado, segundo o linguajar rasta.

BALD-HEAD
A pessoa que trabalha para a Babilônia. Ou simplesmente o sujeito que não usa dreadlocks.

BANTON, Buju
Considerado o DJ n°1 da Jamaica nos anos 90, Buju chegou provocando polêmica. O single “Boom Bye Bye”, de 1992, sugeria que os homossexuais fossem abatidos a tiros. A comunidade gay não achou graça, a patrulha politicamente correta agiu e Buju teve de pedir desculpas publicamente por seu bizarro senso de humor. A gravadora Mercury, porém, decidiu apostar nesse DJ de voz roufenha e atitudes originais e o contratou. Acertadamente: “Bogle Dance”, sem controvérsias, só com diversão pura, foi um dos hits de 1992 na Jamaica, Buju lançou depois o disco Voice Of Jamaica em 1993 e se converteu à filosofia rastafari. Com longos dreadlocks adornando o cocuruto, ele agora faz músicas com mensagens para conscientizar os bad boys. Buju mete o pau na Aids (“Willy Don’t Be Silly”), critica os matadores de aluguel (“Murderer”) e é capaz de emocionar o rasta mais desconfiado (“Never Been Told”).

BANTON, Pato
Um dos freqüentadores mais assíduos das terras brasileiras, Pato (que na gíria patois significa coruja) foi descoberto num concurso de calouros. A performance deste DJ e cantor de Birmingham encheu os olhos de Ranking Roger (do grupo twotone The Beat) que o indicou à gravadora I.R.S. Desde então Pato Banton tem lançado discos em que prega a legalização da maconha e a paz no mundo, descendo lenha na cocaína e na Babilônia. Seu público é enorme entre os surfistas, seja no Brasil ou na Califórnia (onde gravou o ao vivo Live And Kickin’All Over America). Quem quiser conhecer um lado mais criativo de Pato deve recorrer às gravações dele com Mad Professor – iguarias para quem está cansado do reggae arroz com feijão.

BATTY BOY
Ou batty-bwoy. Homossexual, na gíria dos bad boys jamaicanos de hoje.

BEENIE MAN
Um dos bad boys mais requisitados da nova canção jamaicana, Beenie Man (apelido que significa pequenino) tem reggae no sangue. Seu tio era percussionista da banda de Jimmy Cliff e o encorajou desde cedo a seguir a carreira artística. Que começou aos oito anos de idade, com o single “Too Fancy”. DJ de versos rápidos e atitude corajosa, ele tem feito progresso como astro do guntalk – o estilo dancehall de armas e tiros que hoje domina a ilha, versão jamaicana do gangsta rap. Beenie Man já coverizou Bob Marley (“No Mama No Cry”, uma homenagem ao DJ Panhead, morto a tiros) e fez apologia à erva na regravação de “Under Mi Sensi”, de Barrington Levy. É um dos DJs atuais com mais bala para uma carreira internacional. Recentemente, proseou na versão remix de “Guantanamera”, de Wyclef Jean (Fugees).

BIG MOUNTAIN
Expoente do reggae produzido na Califórnia, o Big Mountain surgiu em 1989. Liderado pelo vocalista Quino (branco), o grupo segue uma receita infalível em seus discos: mistura canções de protesto com covers de apelo pop. Foi assim que estourou nas paradas americanas no ano de 1994, ao regravar “Baby I Love Your Way” (de Peter Frampton). A música entrou na trilha do filme Caindo Na Real e divulgou o grupo internacionalmente. O Big Mountain conta também com veteranos jamaicanos em sua formação: o guitarrista Tony Chin e o baterista Carl Santa Davis, que tocavam com Peter Tosh.

BIG YOUTH
As letras de cunho social deste toaster nascido Manley Augustus Buchanan já lhe valeram o apelido de “O Gleaner (alusão ao jornal jamaicano Daily Gleaner) humano”. Ele era motorista de táxi quando decidiu arriscar carreira nos sound systems jamaicanos no começo dos anos 70. Foi lançado num álbum de Prince Buster antes de gravar seus próprios discos. Em 1975, fez um dos seus trabalhos de maior repercussão, o LP Dread Locks Dread, com Prince Tony Robinson. Seguiu depois fazendo versos sobre motos (“Ace Go Skank”), cover de Ray Charles (“Hit The Road Jack”) e parcerias com Dennis Brown. Big Youth era um dos DJs prediletos de Bob Marley e foi o primeiro a pregar abertamente a mensagem rastafari em suas letras.

Nenhum comentário: