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sexta-feira, maio 29, 2009

Maratona de música eletrônica na corredeira do Urubuí


A 19ª edição da Festa do Cupuaçu, que acontece no município de Presidente Figueiredo neste final de semana, está apostando cada vez mais no público jovem, moderno, antenado, que curte baladas eletrônicas e tem afinidades com as últimas novidades tecnológicas e musicais.

Esta é a razão de a principal atração do evento se chamar “Corredeira Eletrônica”, uma espécie de “rave nativa”, que vai contar com a presença de 5 DJs e um Laser Jockey (LJ) durante 12 horas seguidas de música eletrônica.

“Nossa intenção é dar um caráter mais moderno ao evento, mas sem perder o foco principal que é atrair turistas, proporcionar novos negócios e gerar renda para o município”, explica Carlos Araújo, diretor executivo do ITEC, que está realizando o evento.

Segundo ele, o Instituto de Tecnologia, Pesquisa e Cultura da Amazônia (ITEC) está investindo R$ 300 mil na realização do evento. Parte dessa verba foi conseguida por meio de convênio com o Ministério do Turismo.

Por conta dessa nova roupagem da Festa do Cupuaçu, além da “rave” para o público jovem, também haverá exposição de automóveis customizados com disputas nas categorias “tunning”, “rebaixados” e “sound”, além de provas oficiais de motocross válidas pelo campeonato amazonense da categoria.

É evidente que as rodadas de negócios da 13ª Feira de Agroindústria e de Negócios terão seu lugar garantido, com mais de 100 expositores confirmados entre produtores rurais, doceiras, artesãos, piscicultores, bem como representantes de instituições públicas ligadas ao setor de produção agrícola, agências de fomento e entidades financeiras.

Os fãs de pagode, de forró e de música romântica também não foram esquecidos (vide programação). O concurso de Rainha do Cupuaçu e o Festival de Gastronomia, dois dos eventos mais concorridos, também ganharam destaque na divulgação da festa. Mas a grande expectativa, entre os jovens do município, tem sido mesmo com a realização da “rave”.

Corredeira Eletrônica

Com três atrações locais (os DJs Pedro Gaioto, Stefano e Kleber Romão) e três atrações nacionais (os DJs paulistas Rodrigo Moretti e Ingrid, e o LJ gaúcho Vinicius Wenzel), a “corredeira eletrônica” vai começar às 9h da noite de sábado para só terminar às 9h da manhã de domingo.

Considerados três dos Top DJs de Manaus, Pedro Gaioto, Stefano e Kleber Romão são mestres do “freestyle”, ou seja, vão despejando os sons na pista de acordo com a empolgação da galera, indo do house ao electro, do psy-trance ao drum’n’bass. Eles possuem estilos variados, mas o fio condutor é um só: a diversão. Seus sets, invariavelmente, deixam as pistas “bombadas”.

Louco por música desde garoto, o paulista Rodrigo Moretti vem se firmando como um dos maiores destaques da nova geração de DJs brasileiros e já conquistou um público fiel dentro da cena eletrônica underground.


A originalidade dos seus sets também advém da mistura de estilos, como electro, techno, minimal, breaks e house, sempre amarrados por grooves ganchudos. Atualmente, Moretti organiza a noite Blow Up, no badalado clube paulistano D-Edge, que já passou pelo Lov.e e SPKZ, e foi exibida com sucesso em diversas capitais.

A paulista Ingrid Diniz é uma das mais respeitadas DJs do Brasil. Baseada em Santos, ela mantém sua rotina de produção musical e engenharia de som perto da praia. A contraposição entre o trabalho eletrônico e a natureza pulsante que está ao seu redor são estruturas fundamentais para sua veia criativa.


No seu repertório, que passeia por house, techouse e techno, pode-se ouvir também clássicos disco, breaks e electro. Dona de um rico leque musical, muita técnica e carisma, a DJ Ingrid agrada a diversos públicos.

Proprietário da empresa Laser 3D Show, o gaúcho Vinicius “Vini” Wenzel já é figurinha carimbada na região – ele foi responsável pelo show de laser no último reveillon da Ponta Negra e um dos destaques da primeira edição do Amazonia Trends, um evento de música pela preservação da floresta, que rolou no píer do Tropical Hotel.

Com muita técnica, feeling e carisma, Vini tornou-se o que se pode chamar de “maestro das pistas em luzes”, realizando um show com canhões de laser e projeções multicoloridas cada vez mais cativante, energético e explosivo, feito exclusivamente para dançar e vibrar.

O renomado Laser Jockey (LJ) já teve participações especiais em turnês do DJ Tiesto, Fatboy Slim, Deep Dish e Prodigy e se apresentou no Skol Beats, Planeta Atlântida, XXXperience, Fulltronic, Ministry of Sound, Mob Festival e Tribe On Board, entre outros.

A “corredeira eletrônica” também contará com vários atrativos extras, tais como tendas de exposições, malabarismo, pirofagia, danças e performances variadas, stands de piercing e tatuagem. Tudo para agradar um público eclético e variado e que, segundo projeções da produção do evento, deverá superar a marca das 10 mil pessoas.


Programação

Hoje, dia 29 – Sexta

Local: Praça da Vitória
Horário: 19h30
Benção / Igreja Católica / Igreja Evangélica

Horário: 19h45
Virtude do Samba

Horário: 21h30
Caprichoso / Garantido / Show Pirotécnico

Horário: 01h
Carlinhos do Boi


Local: Praça da Cultura
Horário: 19h30
XIII Feira da Agroindústria e de Negócios
Shows musicais


Amanhã, dia 30 – Sábado

Local: Parque do Urubuí (Pista de Motocross)
Horário: 15h
Torneio de Motocross (Campeonato Amazonense)


Local: Parque do Urubuí
Horário: 11h
Forró Filho da Fruta

Horário 13h
Grupo Embalasamba

Horário: 15h
Forró Festança

Horário: 17h
Grupo Vai Garotão


Local: Praça da Vitória
Horário: 19h30
Grupo Kuka Fresca

Horário: 21h
Gangue do Forró

Horário: 22h30
Concurso Rainha do Cupuaçu - 2009

Horário: 23h
Junior e banda

Horário: 01h
Bagaceiros do Forró


Local: Parque do Urubuí
Corredeira Eletrônica
Horário: 21h às 09h
DJ Pedro Gaioto (21h)
DJ Stefano (22h30)
DJ Kleber Romão (0h)
DJ Rodrigo Moretti (SP): 02h30
DJ Ingrid (SP): 04h30
LJ Vinicius Wenzel (RS): 06h30


Local: Praça da Cultura
Horário: 19h00
XIII Feira da Agroindústria e de Negócios
Shows musicais
Concurso de Gastronomia


Local: Praça da Rodoviária
Horário: 19h30
Exposição e competição de carros
Tunning – Rebaixado – Sound



Dia 31 – Domingo

Local: Parque do Urubuí

Horário: 11h
Swing Sensual

Horário: 13h
Banda Badawera

Horário: 15h
Banda Rabo de Vaca

terça-feira, maio 26, 2009

Um descolado beatnik tirando onda no terceiro milênio (parte 1)


Paulo Henrique, eu e Zé Guedes, em mais uma celebração dionisíaca no baixo Adrianópolis

No último domingo, a pretexto de inaugurarmos o toca discos de vinil com uma sessão nostalgia via “bolachões” dos anos 70, nos reunimos no Solarium para uma nova rodada de cachaçada homérica.

Como prato de sustentação, guisado de paca com arroz carreteiro, uma das especialidades do Nelson, e camarão à baiana, cortesia da Mocinha, mulher do Mário Dantas. De sobremesa, pavê de cupuaçu.

De convidados especiais, Zé Guedes e Paulo Henrique, amigos do Simas, que eu havia conhecido no dia anterior, durante uma happy hour no bar Snoopy, e meu primo, Geovanni “Gigio” Bandeira, que estava comemorando sua recém-adquirida cidadania italiana. Arrumar grana pra conhecer a terra natal de seus avós paternos, entretanto, vai ser um outro papo...

Como eu e Mário Dantas não estávamos bebendo, coube a eles quatro (os três convidados mais o Simas) detonarem uma garrafa de uísque, uma grade de Brahma e quatro caixas de Skol em lata, numa esbórnia que só terminou por volta das 8h da noite.

No meio da conversa, descobrimos que Zé Guedes é primo do meu brother Xisto Filho, atualmente morando em Manacapuru, e irmão do jornalista Inácio Guedes, editor do jornal A Tropa, que durante muitos anos fustigou as elites locais da Velha Serpa.

Aos 68 anos, mas com um corpinho de 50, Zé Guedes é praticante de ioga, corre semanalmente 30 quilômetros, pedala outros 100 km, não fuma, bebe com moderação e parece ser viciado em carne de paca. Basta dizer que detonou cinco pratarraz num piscar de olhos.

Nascido em Itacoatiara, ele morou em Manaus (se formou em Contabilidade em 1961, na mesma turma do Paulo Henrique), mas passou o maior tempo de sua vida no Rio de Janeiro. Sua história daria um livro fascinante.

Entre outras façanhas, Zé Guedes morou durante seis anos dentro de um trailer, no camping do Recreio dos Bandeirantes da rede Camping Clube do Brasil, quando, pelo regulamento de uso do clube, só poderia ficar, no máximo, 30 dias. Uma de suas filhas nasceu lá e detém o título de “mais jovem campista a se hospedar no CCB” (tinha três dias de nascida).

Ele também veio do Rio de Janeiro a Manaus, pelo litoral, no início dos anos 90, sem um tostão no bolso, pilotando uma Caloi 10 – Aro 700, a bicicleta estradeira por excelência, em uma viagem que levou três meses.

Em troca de alimentação, pernoite e utilização do banheiro, Zé Guedes realizava pequenos serviços domésticos (lavar pratos, varrer salões, capinar, recolher o lixo, etc) nos restaurantes de beira de estrada e em casa de pescadores ou lavradores.

Aqui na taba, ele montou uma empresa de confecção de brindes e bonés, que chegou a ter 32 funcionários, e tinha entre seus clientes as grandes empresas do Distrito Industrial (Moto Honda, CCE, Yamaha, Recofarma).

Em 1995, com a quebradeira do México e seus respingos no Brasil (a tal “crise sistêmica” de que nos falava o presidente FHC), o próspero negócio do Zé Guedes foi pro vinagre. Com a crise, as empresas cancelaram os pedidos e ele foi obrigado a se desfazer do negócio.

Se o senhor não está lembrado, entre 1995 e 2000, o governo brasileiro gastou mais de R$ 30 bilhões, algo equivalente na época a 2,5% do Produto Interno Bruto (a soma de todas as riquezas produzidas pelo país), com o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER).

Atualizada, essa dinheirama atingiria hoje a casa dos R$ 50 bilhões. Serviu para tapar o rombo de sete bancos (Nacional, Econômico, Bamerindus, Mercantil, Banorte, Pontual e Crefisul) que acabaram incorporados por outros.

O PT esperneou como diabo. Acusou o governo de usar o dinheiro do contribuinte para livrar a cara de banqueiros acostumados a ganhar com a inflação e que não haviam se preparado para conviver com a estabilidade da moeda assegurada pelo Plano Real. Houve até CPI a respeito. Não deu em nada. Zé Guedes, que não era banqueiro, perdeu tudo.

Voltou para o Rio de Janeiro assim que se livrou das dívidas trabalhistas. Novamente sem um tostão no bolso, novamente de bicicleta, novamente pelo litoral, em uma viagem que, dessa vez, durou mais de três anos. É que ele se apaixonou por João Pessoa (PB) e ficou morando em uma praia deserta durante quase três anos. Se alimentava exclusivamente de coco, banana e dos peixes que fisgava.

E foi uma de suas histórias de pescador que mais chamou a atenção da moçada. A presepada aconteceu no Rio de Janeiro, nos anos 80, quando ele morava no citado trailer do Recreio dos Bandeirantes e era considerado o “rei do molinete” das praias cariocas.

Zé Guedes estava na sua luta diária pelo “peixe nosso de cada dia”, quando fisgou uma arraia de mais de dois metros de comprimento. Depois de meia hora de luta, conseguiu puxar a monstruosa criatura até a praia, onde, depois de tirá-la do anzol, deixou-a emborcada, de ventre pra cima.

As arraias – ou raias – são peixes fora do desenho clássico, mas da mesma subclasse dos tubarões, dos quais diferem pelo formato achatado de corpo e pela localização das fendas branquiais.

Possuem cauda longa, que, na parte superior, junto ao corpo, apresenta um, dois ou mais ferrões. Visíveis ou não, essas armas estão perigosamente preparadas contra a vítima, homem ou animal, que nelas esbarra.

Ao longo do ferrão, dezenas de pontas recurvadas. Assim, esses ferrões serrilhados penetram nos músculos e aí se fixam como anzóis. Nas bases desses pequenos anzóis, estão glândulas que injetam na vítima um veneno violento, semelhante ao das serpentes.

Ao contrário das espécies marinhas, que nem sempre têm ferrões, as arraias de água doce possuem ferrões desde seu nascimento e, se de algum modo é danificado, ele se desprende e cresce um novo.

Pois bem. Zé Guedes estava tentando fisgar um verdadeiro peixe nobre (badejo, robalo, guiavira, enchova) para o almoço, quando um crioulo parrudo, de quase dois metros de altura, pesando uns 150 kg, de bermudão, sandálias Havaiana e camiseta do Flamengo, se aproximou, examinou a arraia detidamente e arriscou:

– E aí, “da vara”, quer vender o peixe?...

– Não, não quero vender não – explicou Zé Guedes. “É pra consumo próprio”.

O negão não arredou o pé, fascinado com a movimentação da arraia nos seus estertores finais. E insistiu:

– Pago R$ 50 pela bichinha...

Zé Guedes fez que não ouviu.

O negão se acocorou ao lado da arraia, acariciou seu (dela) ventre com carinho e insistiu, mais uma vez:

– Pago R$ 100 pela bichinha...

Zé Guedes fez, de novo, que não ouviu.

O negão, esfregando as duas mãos, sem tirar os olhos da arraia, começou a ficar impaciente.

– Pô, gente boa, não me sacaneia! Daqui a pouco você pega outra... Eu pago 300 paus pela bichinha, que é tudo que tenho na carteira...

Zé Guedes ficou cismado:

– Porra, meu irmão, você deve gostar muito de guisado de arraia... Essa merda tem pouca carne... Com essa grana, você compra 30 quilos de filé de anchova, que é muito melhor do que arraia...

O negão, de olhos lúbricos, boca seca, quase arfando, abriu o jogo:

– Eu não quero ela pra comer não, campeão! Eu quero ela é pra foder!

Aí, apontando para uma fenda branquial que a arraia possui na parte de baixo do ventre, atrás da parte anterior das nadadeiras peitorais, explicou:

– Essa bucetinha de arraia é a melhor coisa do mundo. Isso é mais gostoso do que mulher com bezerro. O cara que come uma vez, nunca mais quer saber de outra coisa na vida...

Zé Guedes garante que não vendeu a arraia pro negão (que, pelo tamanho, devia ter meio metro de pomba), mas ficou uma dúvida no ar: curioso por natureza, será que o próprio Zé Guedes não quis tirar a prova dos nove e conhecer biblicamente a tal arraia? Se sim, como fez para não levar uma ferroada dilacerante no lombo?

Aqui no Amazonas, são comuns as histórias de ribeirinhos que mantém relações sexuais com as fêmeas do boto vermelho, aquele simpático golfinho que o Jacques Cousteau batizou de “boto cor de rosa”.

No Nordeste, o “barranqueamento” de éguas, vacas e cabritas faz parte da iniciação sexual dos moleques da zona rural.

Mas foder uma arraia, fala sério, foi a primeira vez que ouvi falar.

Gostaria de saber se os meus brothers Tagore e Romero, que moram em Goiânia, conhecem alguma história a respeito dessa nova modalidade (para mim) de bestialismo.

Porque, pelo número de arraias que existe no rio Araguaia, aquilo deve ser um verdadeiro harém do rei Salomão para quem gosta do esporte.

Um descolado beatnik tirando onda no terceiro milênio (final)


Zé Guedes voltou pra Manaus três anos atrás, dessa vez como um disciplinado militante do movimento pela “simplicidade voluntária”. Você não sabe do que se trata? Bom, a revista Vida Simples, de maio de 2008, já deu alguns toques sobre o assunto. Vamos a eles.

Você deve ter passado a vida inteira ouvindo a expressão “tempo é dinheiro”. Como se cada segundo desperdiçado equivalesse a moedas indo pelo espaço. E também deve ter escutado aos montes sobre a sociedade materialista e seus supostos males à humanidade.

Agora, suponhamos que tudo isso virasse de cabeça para baixo. Dinheiro é tempo, o tempo que você gasta para ganhá-lo. E materialismo pode ser bom desde que você entenda como materialista aquela pessoa que valoriza tanto os bens materiais, mas tanto mesmo, que aproveita tudo o que pode deles, e, por isso mesmo, não precisa de muito para se satisfazer.

Essas remexidas em velhos conceitos são algumas das propostas da simplicidade voluntária, um estilo de vida que passou a se propagar nos Estados Unidos nos anos 70, em resposta à sociedade de consumo, ganhou ecos em países como Canadá e França e, devagarzinho, chegou ao Brasil.

Pesquisas estimam que, nos Estados Unidos, cerca de 20 milhões de pessoas, 10% da população, estejam optando por uma vida materialmente mais comedida, pautada na convivência com a família, os amigos e a comunidade e no respeito à natureza, no sentido de fazer o máximo para preservar seus recursos.

Uma maneira de viver que é exteriormente mais simples e interiormente mais rica, diz o escritor norte-americano Duane Elgin em seu livro “Simplicidade Voluntária”. O título do livro, lançado em 1981, deu nome a essa forma de viver.

A expressão simplicidade voluntária deixa claro que ter uma vida mais simples é questão de escolha, de estarmos mais conscientes do que queremos, de quais são os propósitos da nossa vida. E esclarece: não se deve confundir simplicidade com pobreza. Simplicidade é escolha, pobreza não.

Simplicidade tampouco tem a ver com negar a tecnologia. Afinal de contas, ela é útil pra caralho. E muito menos significa mudar-se para uma cabana na floresta. A idéia é simplificar a vida onde se está, com o que se tem - e a maior parte das pessoas que já fazem isso vive nas cidades.

Um homem é rico na proporção do número de coisas de que pode prescindir, afirma o filósofo americano Henry David Thoreau em seu livro “Walden Ou a Vida nos Bosques”. A verdadeira riqueza não estaria nos bens materiais, mas sim na qualidade das relações consigo mesmo e com os outros.

O consumo em excesso poderia, então, ser um sintoma do vazio em outras áreas da vida, uma forma de compensação. Se essas áreas forem preenchidas, naturalmente, o consumismo decresce. E esse seria o primeiro passo para, quem diria!, ser um bom materialista.

As pessoas que consomem excessivamente têm baixo materialismo: compram um computador, mal o aproveitam e já querem outro, maior e mais potente. O bom materialista é aquele que tira o proveito máximo dos bens materiais. Se você tem uma coisa, use-a muito, até acabar.

O Zé Guedes faz isso há quase dez anos. Aqui em Manaus, ele mora sozinho em uma casa que pertencia aos seus pais e que estava completamente deteriorada. Ele reformou a casa toda, usando praticamente apenas material de demolição. A mulherada tem orgasmos múltiplos só de ver a beleza arquitetônica do covil.

Como não tem nenhuma fonte de renda fixa, Zé Guedes faz pequenos trabalhos artesanais (esculturas, entalhes, colagens) e vende nas feiras da cidade. Com o dinheiro arrecadado paga as pequenas contas (água, luz, telefone, internet) e faz um rancho. Quando a comida acaba, produz um novo trabalho e vende. Simples, assim.

Para andar pela cidade, se locomove apenas a pé ou de bicicleta. Logo que chegou em Manaus, passou um ano se alimentando basicamente de um pé de carambola, que havia em seu quintal. Das frutas, fazia doces, compotas, geléias, licores e sucos. Ganhou uma pedra no rim, quase entrou na faca e teve de mudar de dieta.

Sua criatividade não tem limites (desconfio que ele seria um bom parceiro do Hélio Leites). Entre outras coisas, já desenvolveu 20 receitas originais para transformar o vagabundo miojo em um prato digno de uma autêntica cantina italiana. O miojo à valenciana, por exemplo, é enfeitado com ovos cozidos cortados em cubos – nunca em fatias! –, raminhos de hortelã, tomilho e orégano.

Ele também é capaz de transformar uma prosaica caipirinha em um estupendo “bloody mary”, apenas acrescentando um certo tipo de suco de tomate que só ele conhece a receita (“depois de retirada a pele e as sementes, o tomate deve ficar na geladeira durante dois dias, para perder a umidade”, explica, sem entrar em maiores detalhes).

Não é só isso. Desde que assistiu ao filme “Coração Satânico” e aprendeu com o Roberto Di Niro como se descasca um ovo cozido (quebrando levemente as duas pontas e depois rolando-o sob a mão em uma mesa), exige que seus convidados façam o mesmo.

Ao jornalista Mário Dantas, Zé Guedes explicou que o verdadeiro significado da palavra simplicidade é aproveitar tudo que se pode de cada coisa e de cada momento da vida. Até as ações mais simples, como chupar um picolé, desfrutando a cor, a textura, o aroma e a doçura. E, com coisas demais, fica difícil dar essa atenção toda a cada uma.

Um simples cafezinho servido por ele, ganha ares de ritual de iniciação maçônica. O bule com café, o açucareiro, o leite, as xícaras (de porcelana, of course!) e colheres são arrumadas solenemente em uma mesa giratória redonda.

Depois que ele tocar a pequena sineta de mordomo, abrindo oficialmente o “trabalho”, a mesa deve ser girada sempre no sentido horário, para que cada objeto pare na frente do convidado e este se sirva. Se um “apressadinho” se debruçar sobre a mesa para apanhar um objeto que esteja do outro lado, será bem capaz de ser excomungado.

Aliás, segundo ele, um dos pequenos luxos que ainda cultiva é visitar ou ser visitado pelos amigos. Mas sempre exige as regras da boa etiqueta na mesa, o que inclui a absoluta “falta de pressa” do visitante. Leitor compulsivo, Zé Guedes gosta de conversar sobre os mais variados assuntos, de literatura a política, de psicanálise a ocultismo. E é detalhista, como qualquer pessoa que aprendeu a não ser mais escrava do tempo.

Sempre bem humorado, Zé Guedes diz que a convivência humana é essencial para quem quer ter uma vida simples e sustentável, mas longe da privação ou do sofrimento, pois isso não tem nada a ver com simplicidade. Também garantiu ser um cozinheiro de mão cheia, mas deu “marcha ré” quando lhe propusemos levar carne de tatu canastra para fazer um risoto de respeito. “Não conheço a culinária amazônica”, desconversou.

De qualquer forma, no próximo sábado estaremos conferindo seus dotes culinários no preparo de “moqueca de peixe à moda capixaba”, com guarnição de “arroz de puchá”, que ele aprendeu a fazer em São Luís.

Para saber mais sobre essa instigante filosofia beatnik do terceiro milênio, Zé Guedes dá as seguintes dicas:

Livros

Simplicidade Voluntária, Duane Elgin, Cultrix
Dinheiro e Vida, Joe Dominguez e Vicki Robin, Cultrix
Walden Ou A Vida nos Bosques, Henry D. Thoreau, Ground


Sites sobre simplicidade voluntária

No Brasil:

www.simplicidade.net
Site do Jorge Mello, adepto e um dos principais divulgadores da simplicidade voluntária no Brasil. Jorge dá workshops sobre Conversation Café e Círculos de Simplicidade. A idéia é formar multiplicadores que possam organizar esses encontros em diversas partes do país.

Fora do Brasil:

www.awakeningearth.org
Site do Duane Elgin, autor do livro Simplicidade Voluntária (Cultrix). Vale a pena conferir o link writing, onde se encontram textos escritos pelo autor e entrevistas concedidas por ele. Uma bela atualização do pensamento de Duane Elgin sobre simplicidade voluntária e sustentabilidade, já que o livro que deu nome ao movimento é de 1981.

www.conversationcafe.org
Site que explica tim tim por tim tim sobre Conversation Café: a história, exemplos e como fazer um.

No link http://www.youtube.com/swf/cps.swf?datatype=playlist&data=7C0AB81A49095619&eurl=http%3A//www.conversationcafe.org/Video%2520Training.htm Vicki Robin dá uma espécie de treinamento para quem quer se engajar na iniciativa.

www.seedsofsimplicity.org
Além de dar informações sobre simplicidade voluntária, o site fala sobre os Círculos de Simplicidade.

www.simplicityforum.org
Grande fórum que integra os adeptos da simplicidade voluntária, especialmente dos Estados Unidos.

www.newroadmap.org
Site da organização New Road Map Foundation de Vicki Robin. Lá você pode saber mais sobre as idéias de Vicki Robin em relação ao dinheiro.

O filho do boto cor de rosa


Flavio Calazans

A floresta amazônica tem seu encanto, seu ar exótico e misterioso que seduz e fascina os povos estrangeiros. Europeus, japoneses e norte-americanos veêm nela a força primitiva e inconsciente, o poder de vida e fertilidade, o instinto, o paraíso perdido e os prazeres proibidos a eles, civilizados.

Pois é no famoso rio Amazonas, gigantesca e lendária artéria, estrada de água-navegação fluvial, que a lenda surgiu; primeiro de tudo, esta lenda não é cabocla, de colonos europeus, mas ela foi criada, surgiu de uma cultura anterior, pré-colombiana.

Na primeira vez que vi o boto cor de rosa estava em uma canoa, em uma expedição com amigos pesquisadores, e o balé deles teve um efeito hipnótico e fascinante sobre mim.

Foram as tribos de índios que primeiro sonharam a lenda do Boto, e algumas falam que seria o boto vermelho, muito mais raro, o verdadeiro “Rei do Rio”, e não o cor-de-rosa, mais comum, e que a expedição de Jacques Cousteau não conseguiu filmar um Boto Vermelho, daí Cousteau não o citar e nem acreditar nele.

O boto cor-de-rosa é um mamífero, tem sangue quente, seu nome científico é Inia Geoffrensis e é um cetáceo, assim como os golfinhos e baleias. Só que a principal diferença entre eles é que o nosso boto brasileiro vive nadando nos rios da bacia do Amazonas, pois só nada em água doce, enquanto seus primos cetáceos nadam nos mares e oceanos de água salgada.

O nosso boto brasileiro, que os norte-americanos chamam de “pink dolphin” (golfinho rosado), tem a pele rosada como um ser humano e é uma criatura de grande inteligência e sensibilidade. É pacífico, incapaz de uma agressão violenta a um ser humano; mesmo quando provocado ele perdoa, compreende, da mesma forma que um adulto entende quando uma criança pequena lhe dá um tapa e, assim, não reage.

Não é que ele também é útil, e ajuda os pescadores dos rios amazônicos?!

Pois é isto mesmo. Os botos cor-de-rosa cercam os peixes e vão acuando-os contra as redes das canoas, como cães-pastores. Eles comem os peixes que querem em troca, e os pescadores têm suas redes cheias.

Mas não é só isto que eles fazem: os botos brasileiros também devoram as piranhas, limpam os rios infetados por elas, tirando este perigo e tornando as viagens de canoa mais seguras e tranqüilas.

Se você já teve a oportunidade de ver um boto nadando, então deve ter percebido o modo como ele ondula o corpo: a coluna vertebral vai e vem, fora d’água, em movimentos que lembram muito, pode-se até dizer que são exatamente iguais aos de um homem deitado sobre a mulher na relação sexual.

Quando nada, o boto brasileiro assemelha-se muito a um homem copulando, pois seus movimentos são rápidos, sensuais, elegantes, e a pele rosada lembra mais ainda a de uma pessoa.

Foi de tanto ver estes movimentos que os pescadores criaram a lenda do “Filho do Boto”.


Diz a lenda que, nas noites de lua cheia, quando há festa nos povoados de pescadores, surge um moço muito bonito, sorridente, simpático, charmoso, bem vestido, de chapéu, que convida as moças donzelas, virgens, para dançar.

O moço bonito dança bem, é sedutor e sensual, não tira seus olhos dos olhos da jovem, como que hipnotizando-a, e parece interessado e apaixonado por ela.

Aí então ele a leva para o mato, onde a acaricia e beija de modo irresistível. Suas mãos e lábios têm uma tal magia que a moça perde o controle totalmente e entrega-se a ele, deixa-se despir por ele, precisa sentir as mãos e a boca dele nos ombros, nos seios, na barriga, nas coxas... As carícias dele são gostosas demais, são ternamente suaves, por demais irresistíveis.

A donzela permite que ele a possua e a desvirgine, e não consegue pensar no que está fazendo. Está enlouquecida de prazer, pois tamanha é a magia deste homem silencioso, que fala pouco, mas cada fala sua é um suspiro, um sussurro no seu ouvido, sua voz é uma carícia.

Mas ele nunca tira o chapéu, nem por um momento!

E ao amanhecer, a moça acorda, nua e sozinha no mato, e percebe que está perto da margem do rio. E nunca mais ninguém viu ou verá o moço misterioso.

Logo, logo, ela descobre que está grávida. E, para explicar ao pai, ela e a mãe contam que ela foi vítima do Boto, contam que foi vítima de um encantamento, um feitiço, uma magia de sedução a que mulher nenhuma consegue resistir.

O Boto a tinha visto do rio, e esperou uma data de lua cheia com festa no arraial da vila para então virar homem e, transformado, entrar no povoado para fazer amor com ela. Ele a viu e apaixonou-se, ele a escolheu e a desejou, e veio possuí-la.

Por isto, o moço não tirava nunca seu chapéu, que era para que ninguém visse o buraco no topo da cabeça, o furo pelo qual ele respira, o furo do boto, o respirador.

Todo filho de mãe solteira nos rios da floresta amazônica é um “Filho do Boto”, e as mães destes filhos sem pai são as “Mulheres do Boto”.

No imaginário dos pescadores, o boto que nada tão sexualmente, de pele lisa rosada e olhos inteligentes, olhar profundo, é um grande amante, um sedutor irresistível, um mágico que tem poder sobre as mulheres.

Pela lógica, se ele é tão poderoso como amante a ponto de nenhuma moça conseguir negar-se a ele, e havendo tantas moças em todas as vilas, que todo povoado tem um filho do Boto, então por que razão os pescadores humanos não poderiam partilhar, comungar deste poder?

Então, sempre que vêem um boto, os ex-namorados ciumentos e pais vingativos atiram suas flechas, lanças e arpões para ferir e matar o Boto que abusou, que fez mal e deflorou suas mulheres.

E, além da vingança, existem os caçadores profissionais de botos, que os capturam para arrancar-lhes, ainda vivos nas canoas, os olhos, a mandíbula e os órgãos sexuais. Estas partes são vendidas como amuletos nas feiras do Norte e Nordeste do Brasil, sendo até anunciadas em jornais do Rio de Janeiro e São Paulo.

É que aos testículos do boto é conferida uma magia afrodisíaca. Seus órgãos sexuais ditos mágicos, usados pelo homem, fazem transferir a magia sexual do boto para ele, que se torna um Casanova, um Don Juan, um irresistível sedutor a quem moça nenhuma conseguirá dizer não. E, além disto, ele será mais viril, potente, insaciável, tendo mais e mais ejaculações em cada encontro.

Além dos botos assassinados pelos pais e namorados “cornudos” e dos capturados pela indústria de amuletos afrodisíacos, também morrem muitos botos por acidente, presos em redes de pescadores. Pois emaranhados, eles não conseguem subir para respirar o ar (lembremos que são mamíferos de sangue quente e que respiram como nós) e morrem afogados... Outros, ainda, são envenenados por agrotóxicos.

Por outro lado, as fêmeas do boto cor-de-rosa tem um destino pior, pois se os machos jsão imediatamente mutilados ao serem capturados e morrem logo em seguida devido à dor e hemorragia, e os afogados ou arpoados morrem em minutos, as fêmeas desta espécie sofrem mais tempo, dias até...

Elas têm a pele macia e lisa, cor-de-rosa, quente (como a dos mamíferos).

Elas têm olhos grandes e profundos, bonitos e amorosos.

Elas têm órgãos sexuais parecidos com os das mulheres humanas, lábios vaginais lubrificados e uma vagina quase tão profunda quanto - um túnel do amor, quente e apertado, sem pêlos, lisinho.

Os pescadores, então, capturam as fêmeas durante as pescarias de vários dias para satisfazer seus instintos sexuais. Elas são amarradas por eles no chão da canoa para servirem de “mulher” aos pescadores.

É chocante, mas é uma verdade documentada. Os pescadores gostam de manter relações sexuais com as fêmeas, capturando-as sempre que podem; é a alegria da canoa, todos mantem relaçòes sexuais com ela, até que ela morra pela fome e com a pele ressecada pelo ar e sol.

Há histórias de pescador sobre uma boto cor de rosa fêmea que viveu dez dias em uma canoa servindo de “mulher” ao grupo de pescadores, com a pele cheia de bolhas de queimaduras de sol e GRÁVIDA, lutando pela vida do filhote quando foi resgatada pela guarda florestal; assim corre perigo de extinção o boto cor de rosa do Amazonas.

sexta-feira, maio 22, 2009

Hoje tem boca livre patrocinada pelo Durango Duarte


Nesta sexta-feira, 22, no Centro Cultural Palacete Provincial, acontece o lançamento do livro "Manaus, entre o passado e o presente", do publicitário Durango Duarte, publicado pela editora amazonense Mídia Ponto Comm.

No formato de um grande guia, a obra possui 296 páginas, distribuídas em doze capítulos, e é uma verdadeira viagem pelo tempo e pelo cenário urbano manauense.

Resgata as histórias das nossas principais Praças, Monumentos, Pontes, Igrejas, Escolas, Museus e Cinemas, entre outros aspectos que retratam a evolução urbana de Manaus nesses seus 340 anos de existência.

Destaque, também, para o excelente acervo fotográfico contido no livro, que nos possibilita traçar um paralelo entre a Manaus antiga e a atual.

O Centro Cultural Palacete Provincial localiza-se na praça Heliodoro Balbi (a popular Praça da Polícia), em frente ao Colégio Estadual do Amazonas.

O coquetel terá início às 19h e se estenderá até as 21h30min. A entrada é franca e o evento é aberto ao público. Todo mundo lá!

quinta-feira, maio 21, 2009

Wagner Tiso autografará CD na Saraiva MegaStore


Na próxima terça-feira, 26, o maestro Wagner Tiso será homenageado na Saraiva MegaStore no Manauara Shopping.

Na ocasião, o artista participará de um bate-papo às 19h com os fãs e autografará o seu CD mais recente, “Samba e Jazz – Um século de música”.

A partitura da música “Coração de Estudante”, composta em parceria com Milton Nascimento, está exposta no setor de música da loja.

Esse é o 350 disco de Tiso, que ano que vem completa 50 anos de carreira. Nessa obra, o maestro, compositor, pianista e arranjador reúne dois dos gêneros mais importantes da música das Américas, fruto do casamento entre a música negra e a européia.

Além da origem comum, ou seja, a força da música negra transportada pelas levas de escravos e miscigenada através do contato com as culturas européia e local, o samba e o jazz tiveram seus registros fonográficos pioneiros realizados exatamente no mesmo ano, 1917.

Em Nova York, a Dixieland Jazz Band, um conjunto formado por músicos brancos de Chicago, gravou Tiger Rag. No Rio de Janeiro, no mesmo ano, gravava-se pelo telefone, oficialmente uma composição de Ernesto dos Santos, o Donga, com Mauro de Almeida e, extra-oficialmente, uma criação coletiva dos participantes das rodas de samba de Tia Ciata.

“A nossa idéia era mostrar o jazz e o samba num recorte que privilegia dos anos 20 até os 60, mais ou menos”, diz Wagner Tiso, que em sua formação e ao longo da carreira transitou com desenvoltura entre standards de jazz e o samba, desde os primeiros grupos de jazz na adolescência e passando pela noite carioca da década de 60.

“Os dois estilos tem a mesma origem; o jazz, mais do que o samba, usufruiu muito da harmonia européia. Mas o samba também, já que gerou a bossa-nova que por sua vez tem muito dessa harmonia do jazz”, explica.

O CD abre com uma canção de Sinhô inédita em registros fonográficos e traz homenagens a grandes nomes dos dois gêneros, de Ary Barroso a Paulinho da Viola, de John Coltrane a Miles Davis; como solistas, Hermeto Pascoal, Paulo Moura, Hamilton de Holanda, Nivaldo Ornelas, Victor Biglione, Nicolas Krassik, Lula Galvão, Carlos Prazeres e Marcelo Martins.

Entre os solistas convidados, alguns dos maiores nomes do instrumental brasileiro como Paulo Moura, Hermeto Pascoal (participando pela 1ª vez de um CD de Tiso) e Nivaldo Ornellas, assim como solistas já consagrados (Victor Biglione, Hamilton de Holanda, Lula Galvão) e novos grandes intérpretes como Nicolas Krassic, violino, e Carlos Prazeres, oboé.



Para maiores informações, falar com:

Andreia Mayumi

Assistente de comunicação

Saraiva MegaStore Manaus

(92) 3236 9200 R-2033 / 8102 7432

andreiam@livrariasaraiva.com.br

O dia em que o boi deu bode (parte 1)


Eu e Engels durante um dos relançamentos do jornal Candiru, no início deste milênio. À direita, meio perdido na noite, o empresário Arnaldo Botelho

Hoje é dia do aniversário de meu velho brother Engels Lomas de Medeiros, com quem já passei poucas e boas. Se não me falha a memória, seu motor agora é cinco-ponto-quatro, turbinado à base de viagra, cerveja gelada, tartarugada, carneiro no molho de hortelã, beatriz e selminha. Pra não deixar tão singela data passar em brancas nuvens, resolvi recordar (e recordá-lo) de uma presepada nossa ocorrida há 30 anos.

Junho de 1979. Em busca de novos mercados para os produtos fabricados pela Electra Industrial, onde aguardávamos, humildemente, a chuva passar (em agosto de 1978, Engels havia sido demitido da Philips, e eu, da Sharp, por conta de uma greve mal sucedida), nós dois resolvemos tentar a sorte em Parintins.

Durante a tal greve mal sucedida, Carlos Almeida havia sido demitido da Evadim com apenas três meses de emprego (ele largara o cargo de professor da ETFA para ser Chefe de Treinamento da empresa). Sua esposa, Ana Regina, estava gestante do Carlinhos. Daí que nossa prioridade absoluta era arrumar um novo emprego pro Carlos no menor tempo possível.

Em dezembro, a Telamazon colocou um anúncio nos jornais procurando um engenheiro eletrônico com experiência. Qualquer um de nós (eu, Engels, Geraldo Nogueira, Adalberto de Melo Franco, Paulo Saraiva, etc) conquistaria a vaga pelo nosso tempo de experiência (quase cinco anos) no Distrito Industrial.

Resolvemos abrir mão de disputar a vaga em favor do Carlos Almeida, que relutou um pouco em aceitar com tranquilidade esse nosso cavalheirismo animal. Não deu outra. Algumas semanas depois, ele foi contratado pela Telamazon e se transferiu para Parintins, onde se transformou em diretor técnico do posto telefônico local.

É preciso lembrar que ainda estávamos na pré-história das Comunicações. Naquela época, o responsável por autorizar a ligação telefônica do município com o resto do país só perdia em importância para o prefeito, o juiz e o delegado. O bispo era o quinto elemento. Quer dizer, a gente estava bem servido de anfitrião. Não custava ligar pedindo uma hospedagem “de grátis”.

Como coincidiu de a Ana Regina vir para Manaus para dar luz ao Carlinhos (meu afilhado, uma das cabeças pensantes da nova geração de defensores públicos do estado), nossa ida para Parintins foi sopa no mel. Carlos estava sozinho, morava em um casarão imenso, e garantiu ter o maior prazer em nos hospedar na residência. Como boca livre e pênalti só perde quem é otário, resolvi levar junto o Simas, na época um moleque de 18 anos.

Em virtude de nossa carga ser semi-preciosa (rádios AM imitando a cabeça de Fred Flintstone, Luluzinha e Gasparzinho, rádios-faróis-buzina para bicicletas, abridores elétricos de latas, despertadores digitais e outra série de bugigangas produzida pela Electra Industrial para o consumo exclusivo da ralé), resolvemos comprar um camarote no barco de linha Comandante Farias, que ia até Santarém.

O camarote era para quatro pessoas, mas nós éramos apenas três (eu, Simas e Engels). Em virtude de o dono do barco não concordar em diminuir o preço, aceitamos que ele vendesse a quarta vaga para um desconhecido. E como éramos marinheiros de primeira viagem, nos instalamos no barco por volta do meio-dia de uma sexta-feira, mesmo sabendo que ele só ia partir às 18h. Esse, o grande erro.

Irritados com a monotonia aparente, Engels e Simas resolveram ir para uma daquelas biroscas no entorno do Cais e botaram pra beber. Retornaram ao barco por volta das 17h45, já mais bêbados do que gambá e resolveram continuar a farra no bar da embarcação. Por uma questão de solidariedade ao irmão caçula, juntei-me à gandaia.

Quando eles começaram a discutir filosoficamente sobre o sexo dos anjos, percebi que ia dar merda. Porque depois da discussão filosófica, você precisa, naturalmente, fazer uma demonstração prática. E lá saíram os dois em busca de anjos para fazer sexo. Devia ser umas 20h e eu ainda não estava bêbado. Fui para o camarote.

Por volta das 21h, ouço umas batidas frenéticas e furiosas na porta do camarote. Abri, meio relutante. Era o capitão do barco, responsável direto pela pilotagem da embarcação e pela disciplina no pardieiro. O sujeito estava completamente ensandecido:

– Porra, caralho, puta que pariu, mas aqueles teus dois amigos estão aprontando! Estão fazendo muita sacanagem e isso aqui é um barco de respeito! Porra, pede pra eles se orientarem! Os dois capirotos estão incomodando o pessoal lá de baixo (onde ficam os passageiros que viajam de redes), querendo foder com todo mundo! Vão acabar levando porrada! Se eles não pararem com a bagunça, vou desembarcar os dois em Itacoatiara!

Assustado com a ferocidade do capitão, só me ocorreu uma pergunta:

– Que horas a gente chega em Itacoatiara?

– Por volta de uma hora da manhã! – devolveu o capitão, cada vez mais irritado. E foi embora, cuspindo fogo.

Eu tinha três horas para resolver a encrenca. Saí do camarote disposto a procurar os dois salafrários e dar uma “dura”. A merda é que estávamos em um barco grande, com mais de duzentas pessoas. Era como procurar agulha no palheiro. Depois de meia hora circulando em tudo quanto é canto, cansei da busca inútil e voltei pro camarote. Ele estava fechado.

Deduzi automaticamente que os dois sacanas haviam chegado antes de mim, entrado na pocilga e se trancado dentro, me deixando do lado de fora só de sacanagem. Bêbado acha tudo divertido. O certo é que mês esgoelei pedindo pros safados abrirem a porta e forcei tanto pra entrar, que acabei arrancando a maçaneta.

Puto da vida, fui atrás do capitão, entreguei a maçaneta e expliquei a situação. Ele chamou o chaveiro do barco (o sujeito que controla a cópia das chaves do camarote) e mandou o rapaz me atender. Ele abriu o camarote e foi embora. Quando entrei, uma nova surpresa. Ou os meliantes haviam roubado a nossa carga semi-preciosa ou aquele era um outro camarote.

Retrocedi uns três passos, conferi o número do camarote. É, aquele era outro. O nosso ficava ao lado. Meti a mão na maçaneta, a porta abriu. Estava tudo do jeito que eu havia deixado. Em vez de me aliviar, essa constatação me deu um ódio medonho.

Resolvi me vingar. Fui no bar, comprei quatro latas de cerveja, bebi em menos de dez minutos e esperei o efeito. Cinco minutos depois, encharquei de urina as duas camas inferiores do camarote e me empolerei em uma das camas superiores do beliche.

Eu estava ali, de olhos bem abertos, esperando pelos dois salafrários, quando entra no camarote um sujeito baixinho, coloca sua mala em cima das nossas e mergulha em uma das camas mijadas. Automaticamente, percebi que era o nosso quarto parceiro. Caralho, mas eu não ia deixar ele entrar naquela roubada de dormir em uma cama encharcada de mijo.

Saltei do beliche, levantei o sujeito pela bunda e, antes que ele pudesse reagir, o coloquei na cama superior. A porra das quatro cervejas em lata haviam me deixado meio bêbado, mas ainda assim tentei explicar aquela situação esdrúxula:

– Você vai dormir aqui do meu lado, porque primeiro eu quero foder aqueles outros dois filhos da puta...

O tom da voz, a força bruta e a minha determinação devem ter soado para o baixinho como um anúncio de que, depois dos dois, ele seria a próxima vítima de um tarado sexual. Assim que voltei a me empoleirar no beliche, ele pulou do seu poleiro e fugiu do camarote como se tivesse visto o demo em pessoa (sem trocadilho, please).

Simas e Engels apareceram no camarote por volta da meia noite pra pegar mais dinheiro e comprar cervejas no mercado negro, já que o bar havia sido fechado por ordem expressa do capitão. Expliquei que eles iam ser deportados do barco dali a uma hora, assim que a gente parasse em Itacoatiara.

Eles mandaram eu, o capitão e o resto da tripulação ir tomar no cu e partiram céleres e faceiros para o terceiro piso da embarcação (“É lá que estão as putas”, um dos dois gritou). Sim, homeboys, é mesmo lá, naquele ambiente inóspito, próximo do cheiro infecto dos banheiros e do barulho ensurdecedor dos motores, que viajam os deserdados da sociedade. Resolvi dormir.

O dia em que o boi deu bode (final)


Rogelio Casado, Renato Pitanga, eu e Engels Medeiros, em uma das cachaçadas no Bar Espírito de Poucos

No café da manhã servido no barco reconheci o baixinho. Meio desconfiado, ele me contou que passara a noite inteira cochilando debruçado na amurada da embarcação. Sim, ficara com medo de ser enrabado. É, eu era muito grande e estava bêbado. Riu muito quando contei o prefácio da tragédia não consumada.

Mais tarde, apresentei os dois salafrários, Engels e Simas, para ele. Depois de conversarem uns dez minutos, o baixinho e Engels foram para o camarote. Aproveitei a oportunidade para dar um “ralho” no Simas. Ele reagiu, com uma fúria quase homicida. Moleques de18 anos costumam se achar os donos do mundo.

Engels voltou pra mesa uma meia hora depois com uma pacoteira de dinheiro. Havia vendido toda a nossa carga semi-preciosa para o baixinho. Não consigo lembrar o nome dele (Altevir? Cleomar? Anacleto?), lembro apenas que o sujeito era uma espécie de caixeiro-viajante e nos garantiu que aqueles produtos iriam fazer o maior sucesso em Óbidos, seu (dele) destino final.

Quando descemos no porto de Parintins, por volta do meio-dia, o Carlos Almeida já estava nos esperando. Depois de um lauto almoço na sua residência, ele nos levou – sob protestos furiosos do Simas, que preferia ir para um boteco – para conhecer a central telefônica que dirigia.

Até hoje, estúpidos que somos, nem eu nem Engels soubemos a razão daquela visita extemporânea. Conhecer uma central de telefônica movida por relés do tempo do onça? Catzo, a gente conhecia centrais de transmissão de áudio e vídeo, nos sistemas PAL-M e NTSC, muito mais modernas do que aquela. Qual era o tapa da pantera?... O diabo é que o Carlos estava tão feliz com seu novo emprego, que relevamos o assunto.

A jiripoca começou a piar quando, por volta das 16h de sábado, Carlos nos deixou à própria sorte na cidade (mas nos dando, providencialmente, uma cópia da chave da residência), argumentando que precisava se concentrar porque, naquela noite, ia ser jurado de um festival de bois-bumbá. Ele, o prefeito, o juiz, o delegado e o bispo.

Pra nossa sorte, a residência dele ficava no centro da cidade e a gente estava cheio da grana (uns R$ 10 mil, numa época em que o salário mínimo não valia R$ 200). Mal caminhamos trezentos metros, e descobrimos um oásis. Foi conta de multiplicar. Em menos de 15 minutos, nos apossamos do boteco, cujo charme era uma antiga juke box, aqueles caixotes cheios de lâmpadas e gás neón, que tocavam músicas à base de fichas, e que a gente, na Cachoeirinha, chamava de "penteadeira de putas", porque as mulheres, invariavelmente, ao escolherem uma música, se debruçavam de uma maneira tão escandalosa sobre a juke box, que todo mundo no bar enxergava as calcinhas.

A gente estava começando a encher a caveira, quando o dono do pardieiro perguntou se a gente não ia assistir ao último dia do festival dos bumbás, que, segundo ele, era a oitava maravilha do Planeta. Dispensamos o convite. Nosso negócio era encher a cara e depois ir correr atrás de vagabundas.

De boi-bumbá, a gente só conhecia Corre Campo e Tira Prosa, ambos da zona centro sul de Manaus, e o Mina de Ouro, lá do Seringal Mirim. Carlos nos advertira antes que os bois de lá se chamavam Caprichoso e Garantido, que um era negro e tinha a cor azul, e que o outro era branco e tinha a cor vermelha.

Querendo se entrosar com os nativos, Engels não podia ver um brincante se dirigindo para o Tabladão, que logo se enroscava no sujeito, oferecia uma cerveja "de grátis" e brindava à vitória do referido boi.

Normalmente, o sujeito aceitava. "De grátis, eu aceito até injeção na testa e três pontes de safena na moleira porque quem não chora na linha é piranha", ele dizia, antes de entornar a garrafa de uma golada só. Nunca entendi que merda era aquilo.

O diabo é que a confraternização inicial, inapelavelmente, ricocheteava para um quase crime de honra. Como ninguém entendia direito os rituais da presepada, Engels abraçava um vaqueiro vestido de vermelho e fazia um brinde ao Caprichoso. O sujeito, imediatamente, o empurrava com violência e disparava:

– Êi, parente, tu tá me estranhando? Cê quer que eu lhe tire o bucho agora mesmo com uma peixeira? Eu num sô corno não, fio da égua! Pra gostar do Caprichoso, só sendo um corno da tua raça...

Resolver o mal entendido, homeboys, dava um trabalho da moléstia. Na maioria das vezes, o dono do bar tinha que intervir na situação e explicar que a gente era turista. Ou, no linguajar deles, "uns cabocos metidos a marrentos vindo de Manaus, mas cheios de bosta no cueiro".

Engels bem que se esforçava para decorar o texto, mas o excesso de birita não permitia. Entrava um pajé no bar, com aqueles cocares maravilhosos, ele se levantava, pagava uma cerveja pro sujeito e fazia um brinde ao Garantido. Na maioria das vezes, o pajé era do Caprichoso e lá se instalava a desordem.

Eu e Simas nos limitávamos a se meter no meio da encrenca, pedindo mil desculpas encarecidas e garantindo que a brincadeira de mau gosto nunca mais seria repetida. Ninguém sabia que o boi podia dar bode.

Pra ser sincero, só vim descobrir que essa rivalidade entre os dois bois era verdadeira – e que podia descambar em morte – por volta de 1995, quando participei de uma festa no curral do Caprichoso. Ou seja, muito tempo depois.

Não me recordo direito, mas a gente deve ter gasto mais de mil paus naquele boteco pro dono do pardieiro se transformar em nosso segurança perpétuo.

De vez em quando, um dos humildes torcedores dos bois entrava no bar, comprava uma ficha e colocava uma toada pra tocar. Ele, o torcedor, ficava em pé, perto da “penteadeira de puta”, curtindo a música. O sacana não devia ter grana pra comprar um refrigerante. Todo seu dinheiro era investido na audição da toada do seu boi de coração.

De repente, numa das maiores putarias que já presenciei na vida, Engels comprou 50 fichas e colocou pra tocar a mesma música, direto, sem intervalos. Acabou com os torcedores dos bois. E, o mais triste, é que a música escolhida era uma merda (salvo engano, “Don’t go breaking my heart”, de Elton John e Kiki Dee). Até eu fiquei enfurecido.

Saímos do boteco por volta das 21h (estávamos lá desde as 17h), mudamos de roupa na casa do Carlos – que ainda estava julgando os bumbás –, e, completamente loucos, fomos para o Palmeiras, considerado na época o melhor clube da cidade. Bastou o Engels distribuir alguns trocados entre os seguranças e os garçons para virarmos os “reis da noite”.

Era tanta mulher na nossa mesa e tantos seguranças tomando conta da gente, que resolvemos testar o limite da desordem. As músicas mais animadas que rolavam no baile – com a presença das melhores famílias da cidade, é bom frisar – eram “babas” do tipo “Cavaleiro de Aruanda”, do Ronnie Von, ou “Vem quente que estou fervendo”, do Erasmo Carlos.

O Engels subornou o DJ, eu catei alguns compactos de black music que estavam por lá sem nunca terem sido abertos e colocamos – imagino! – uma seqüência alucinante: “ I Got You ( I Feel Good)”, do James Brown, “Get Off”, do Foxy, “Got To Be Real”, do Cheryl Linn, “Sex Machine”, do James Brown, e “Celebrate Good Times”, do Kool & The Gang. A pista bombou.

Foi quando o Engels inventou o “passo do troglodita”: ele socava os dois braços, completamente rígidos, para baixo, e levantava, simultaneamente, as duas pernas na altura dos ombros. Em menos de dez minutos, todo mundo no salão estava dançando daquele jeito. Sim, a gente era a novidade da cidade. Fazer o que?

Retornamos pra residência do Carlos por volta das 5h da manhã, sabendo que o barco Dona Eliomar – um pouco maior que o Comandante Farias – ia partir de Parintins por volta do meio dia. Carlos estava meio aborrecido porque a nossa fama de biriteiros, bons dançarinos e cantadores renitentes de vagabundas havia chegado até na Paróquia.

O bispo, provavelmente durante o julgamento dos bumbás, o havia admoestado severamente pelo baixo nível comportamental dos “novos inquilinos”. Para nossa sorte, o Carlos sempre foi um anti-clérigo radical e reagiu com a hombridade esperada refugando as infâmias e as calúnias contra nós assacadas. Pelo menos, foi isso que ele nos contou enquanto embarcávamos pra Manaus.

De repente, não mais que de repente, Engels adentra no barco trazendo no pescoço um filhote de macaco de cheiro. O sauim não devia ter uns três meses. O responsável pelo barco foi peremptório: “Se o IBDF descobrisse aquela merda – leia-se tráfico de animais selvagens –, até o barco seria apreendido”.

Pra não perder a viagem nem o macaquinho (um presente para sua filha, Mônica, que devia estar com quatro anos), Engels comprou uma gaiola, jogou o sauim dentro, cobriu a gaiola com uma capa plástica, e embarcou. Os gritos lancinantes do macaquinho logo começaram a perturbar os passageiros.

Todo mundo queria ajudar aquele “passarinho” extremamente raro (estava numa gaiola, pois não!), que Engels – pra não retirar a capa de proteção – explicava não poder ter contato com qualquer tipo de luz (natural ou artificial) senão “perdia as penas”. E haja alpiste, minhocas, ração pra cachorro, mariposas, favos de mel e o diabo a quatro. A porra do “passarinho” só sossegava um pouco quando o Engels, discretamente, introduzia uma banana nanica na gaiola.

Por volta da meia noite, a palma de banana nanica acabou e o macaquinho entrou em um desespero existencial. Ele gritava como se alguém estivesse retirando seus culhões com uma gilete cega. Só sossegava um pouco quando o Simas dava uns três chutes na gaiola e ela só faltava emborcar de cabeça pra baixo. Era quando o sauim tinha absoluta certeza de que desgraça pouca é bobagem.

A viagem até Manaus foi nesse diapasão. O macaquinho guinchava, Simas acordava, dava três chutes caratecas na gaiola, ele sossegava o facho e daí a meia hora a esculhambação era repetida. Pavlov teria achado o máximo.

Por volta do meio dia, aportamos em Manaus. Engels levou seu “passarinho” pra casa, eu e Simas fomos tomar umas geladas lá pras bandas da Cachoeirinha, e tudo voltou a ser como antes no quartel de Abrantes.

Uns seis meses depois, quando a poeira baixou, pedi notícias do sauim. Criado solto, segundo o Engels, ele havia se convertido em um gentleman. Era tratado diligentemente pela Mônica, comia na mesa, entrava na casa pra dormir, brincava nas árvores (Engels morava no arborizado Conjunto Tiradentes), adorava tomar banho de shampoo, era perfumado a cada meia hora, e, de repente, um belo dia, simplesmente desapareceu. Engels acredita que ele foi morto por algum vizinho invejoso. Eu, não.

É apenas uma teoria pessoal, claro, mas desconfio que entre ser tratado diligentemente pela Mônica, quase se aviadando com shampoos e perfumes franceses, ou receber a cada meia hora três chutes caratecas do Simas, ele teria escolhido de bom grado a segunda opção. Como ela não foi colocada na mesa, na primeira oportunidade que teve o sauim escafedeu-se. O macaquinho era macho, pô! Eu, no lugar dele, teria feito o mesmo.

Feliz aniversário, mon ami!

quarta-feira, maio 20, 2009

Recordando um maluco beleza


No início dos anos 80, quando o movimento da chamada “poesia marginal” atingia seu momento mais criativo e produtivo, eu me correspondia – isto é trocava livros mimeografados, cartas literárias, jornais alternativos e fanzines – com quase 200 poetas de todas as partes do Brasil.

Muitos continuam na ativa ainda hoje (Glauco Mattoso, Ulisses Tavares, Nicolas Behr, Alcides Buss, Cláudio Feldman, Leila Miccolis, Marçal Bezerra, Floriano Martins, Moacir Cyrne, Euclides Amaral, Cairo Trindade, Zanoto, Sebastião Nunes, Denise Teixeira, Tânia Diniz, Clotilde Tavares).

Outros sumiram sem deixar pistas (Marise Pacheco, Réca Poletti, Lucia Villares, Raul Christiano Sanchez, Álvaro Cardoso, Aristides Klafke, Marcelo Dolabela, Moema Cardoso, Rita Espechirt, Rafael Marques Ferreira, Chiquinho, Rosenberg Cariri, Kátia Bento, Luiz Fafau, Wir Caetano, Ivone Vebber, Paco Cac, Eno Teodoro Wanke).

E há ainda aqueles que somem e depois aparecem, somem e depois aparecem, feito curupiras enlouquecidos. Hélio Leites é um deles.

Nascido na Lapa (PR), em 1951, Hélio Leites é curitibano por adoção. Amigo de Paulo Leminski e Wilson Bueno, ele cursou xilogravura, monotipia, colagem, desenho e cerâmica. Era poeta multimídia antes de o termo ser banalizado pela mídia. Desde 1974, Hélio participa de diversas exposições/ performances poéticas pelas cidades do Brasil e do exterior, tendo integrado a Bienal Alternativa na Cidade do México.

Artista de múltiplas linguagens, Hélio sempre teve a arte postal como uma de suas verdadeiras paixões e é conhecido por trabalhar com materiais inusitados, criando performances com caixas de fósforos, retrós de linha, pequenos objetos e, especialmente, botões. Nas primeiras correspondências que me enviou, aliás, o envelope vinha recheado de confete – segundo ele, “um botão de papel”.

Além de criador da Assintão (Associação Internacional dos Colecionadores de Botão), Hélio Leites é secretário geral do Fiu Fiuuu Sport Club (já gravou mais de 100 mil assobios de todas as partes do Brasil e do mundo), diretor de Harmonia do GRES Unidos do Botão, coordenador da Campanha Mundial Anti-taxidermismo, secretário geral da Associação Internacional dos Kinderovistas, curador dos museus dos Óculos, da Caixa de Fósforos, do Lápis e do Mini-Presépio, também respondendo pela coordenação do Espaço Lilituc – Galeria de Miniaturas.

Sobre Hélio Leites, diz a professora e crítica de arte Adalice Araújo, em seu Dicionário das Artes Plásticas do Paraná: “Em suas experiências com Box Art, pode-se afirmar que pela primeira vez na história da Arte Brasileira um artista consegue propor uma pop art nacional e paranista. Sem copiar os estereótipos do primeiro mundo e sem cair tampouco no folclore, inova com elementos do cotidiano e do imaginário imbuídos de uma síntese histórica, antropológica e psicológica do nosso dia a dia. Suas obras superam a atitude lúdica para serem icônicas e inquisitivas e, com suas aparentes brincadeiras, fazem sérios questionamentos filosóficos e culturais.”

Portanto, foi com certa surpresa que, no início de uma tarde de sexta-feira do longínquo ano de 1985, o escritor Rui Sá Chaves, dono da livraria Cabocla, me telefonou:

– Tem um cara muito louco, aqui na livraria, dizendo que é teu amigo. Disse que é o poeta Hélio Leites, de Curitiba, e que te trouxe uns presentes. Falei que você estava trabalhando, aí no Distrito Industrial, mas ele disse que só sai daqui depois de falar contigo.


Quando cheguei na livraria, por volta das 18h, nem precisei me esforçar para identificar o sujeito (que eu não conhecia nem de fotografia). Estava na cara que Hélio Leites era aquele cara alto, com cabelo espetado, óculos imitando “oncinha”, um estranho abanador em forma de mão humana e uma roupa brilhante, cheia de badulaques, parecendo um parangolé do Hélio Oiticica.

Na realidade, o parangolé era seu manto oficial de presidente da Assintão, contendo mais de 1.500 botões de todos os tipos e cores pregados na roupa. A primeira coisa que ele me obrigou a fazer, depois dos cumprimentos efusivos, foi pregar um botão no referido manto (Helio andava com uma caixinha cheia de botões, agulha e linha).

A livraria Cabocla ficava ali na Praça São Sebastião, de forma que levei o poeta performático para o Bar do Armando para apresentá-lo ao resto da turma (Arnaldo Garcez, Marco Gomes, Jorge Palheta, Antonio Paulo Graça, Rosendo Lima, Nestor Nascimento, Rogelio Casado, Ernesto Penafort, Almir Graça, Inácio Oliveira, etc).

Quando Hélio se abanava com o leque, sentado de costas, a mão humana parecia estar acenando para as pessoas por cima de seu ombro – e muita gente, supondo tratar-se de um aleijão, respondia aos acenos. Uma zona. Até o próprio Armando Soares ficou assustado com aquela autêntica metamorfose ambulante.

Além de artista minimalista, performer, poeta, contador de histórias e museu ambulante, Hélio tem um humor refinado, uma cultura enciclopédica e uma inteligência acima da média. Ficamos amigos de infância na mesma hora e comemoramos com um porre de juntar crianças. No sábado, ele se mandou pra Curitiba.

Em 1993, ele retornou a Manaus e a história se repetiu. Nos encontramos no final de uma sexta-feira, tomamos um porre no Bar do Armando, trocamos figurinhas, livros e fanzines, e na manhã seguinte ele se mandou pra Curitiba, rápido e certeiro que nem um azougue.

A única diferença foi que, dessa vez, ele conversou longamente com Antonio Paulo Graça, impressionado com a também cultura enciclopédica do escritor, e nos deu a cópia de um texto (“Mind Games”) que Leminski escrevera a seu respeito, alguns anos antes de morrer.

A última vez que nos vimos foi em fevereiro de 1999. Quando ele me telefonou, dizendo que estava vindo pra Manaus, impus uma condição: ele deveria permanecer pelo menos uma semana na cidade, por minha conta e risco. Como Hélio relutou em ficar hospedado na minha casa, eu e Marco Gomes o instalamos na Pensão dos Artistas, na rua Dez de Julho, a vinte metros do Bar do Armando. Ali, ele estava em casa.

Quando nos encontramos na primeira noite, no Bar do Armando, para acompanharmos um ensaio da BICA, a primeira coisa que Hélio notou foi a ausência do Antonio Paulo Graça. Quando expliquei que Paulinho havia falecido em junho do ano anterior, de infarto fulminante, ele ficou sorumbático e macambúzio. Foi a primeira vez que o vi perder o bom humor.

No sábado, o levei para comer um guisado de paca no leite da castanha, na casa do compositor Davi Almeida, ali no Beco do Macedo. Hélio não parava de fazer piadas. Ao abrir a freezer e observar o nosso futuro banquete, comentou: “Pô, essa paca entrou na maior fria!”. Ao observar atentamente uma janela lateral da casa emparedada por tijolos da casa do vizinho, ele parabenizou o Davi Almeida: “É isso que eu chamo de arte concreta!”

Vegetariano radical, Hélio nem chegou perto do guisado de paca, preparado com maestria pelo poeta Almir Graça. Como, no domingo, ele havia resolvido sair de barco para conhecer o encontro das águas, só voltamos a nos falar na noite de segunda-feira.

A gente estava conversando calmamente e tomando umas cervejas, quando apareceu meu sobrinho, João Ricardo, na época um adolescente pentelho. A equipe dele estava participando de uma feira ou gincana cultural no Colégio Objetivo, ali na rua Recife, e ele fora incumbido de levar um poeta (no caso eu, seu tio) no dia seguinte, sob pena de perderem alguns pontos. Transferi a tarefa pro Hélio Leites, que aceitou prontamente.


Foi como juntar a fome com a vontade de comer. De terça a sexta-feira, o poeta performático virou o centro de atenção da garotada, dos pais dos alunos e dos professores do colégio. Brincando o tempo todo com o imaginário e recorrendo às lendas e cultura popular, Leites fez crianças, jovens e adultos conhecerem o universo da miniatura e suas possibilidades em animação.

Entre outras presepadas, ele apresentou a história das bailarinas gêmeas, que cansadas de dançar o “Quebra-nozes” resolvem dançar sobre o pinhão, mostrou a história do verdadeiro rato de biblioteca, discorreu sobre a história do fogo desde o princípio da humanidade, fez uma releitura original da história do inventor da guilhotina e por aí afora. Tudo isso com personagens que cabem na palma da mão. E as surpresas não ficaram por aí.

No último dia, ele literalmente incorporou um teatro ao vestir um palco de onde saíam 17 quadros animados em caixinhas de fósforo. Era o capoeirista a gingar o corpo, a família a festejar mais um aniversário com bolo e refrigerante, e a pequena corruíra a construir seu ninho na caixa dos correios, entre outros. Um espetáculo de saltar aos olhos e balançar o coração.

Além das caixinhas, Hélio também apresentou o teatro do boné. Nele, anjos descem do céu e resolvem dar um mergulho num rio de águas cristalinas, por onde passam barcos, marinheiros, crianças e pescadores, e, ao final, para voltarem às nuvens, precisam dançar como bailarinas.

O mais legal é que as histórias não se repetem e ganham novos detalhes a cada apresentação. Para quem assiste, fica a vontade de levar para casa. Aliás, ele vendeu quase todos seus “(in)utensílios” minimalistas – mais de 40 – durante a feira. O resto (cinco peças), eu comprei e tenho guardado em casa até hoje.

A equipe do João Ricardo, evidentemente, obteve a pontuação máxima da gincana. Comemoramos a vitória no Bar do Armando, em uma nova cachaçada que entrou pela madrugada. No sábado pela manhã, Hélio montou no seu cavalo branco e sumiu na linha do horizonte. Antes de partir, ele me nomeou oficialmente como o mais novo cardeal da Igreja da Salvação pela Graça – também criada por ele –, cujo lema é “Deus é Humor!”.


Em Curitiba, o trabalho de Hélio Leites pode ser visto, aos sábados, na feira de artes e artesanato da Boca Maldita. No domingo, ele transfere sua barraquinha para a feira do Largo da Ordem, sempre pela manhã. “Não sou candidato a nada. Sou artista da pá virada. Faço arte sem pedir licença. Pego uma caixinha de fósforo, recheio e crio um monte de historinhas”, resumiu para Davi Almeida, até hoje um de seus fãs mais incondicionais.

Para os interessados em conhecer a “arte/teatro/artesanato” de Hélio Leites, o telefone é (41) 3338-4354. À moda antiga, ele também recebe cartas pela caixa postal 746, CEP 80.011-970 – Curitiba (PR).

Abaixo, uma entrevista dele para a TV Crato. Curtam.

Um artista que pensa com os próprios botões


Paulo Briguet

Tinha um botão no meio do caminho de Hélio Leites. Não era um botão de rosa; era um simples botão, desses que deveriam ter casa. O artista andava cabisbaixo pelas ruas, quando olhou para o botão e o botão olhou para ele. Drummond viu a flor nascer no asfalto. Hélio viu o botão surgir na calçada; abaixou-se, limpou-o e guardou-o.

Desde aquele encontro, Hélio não parou mais de pensar com seus botões. Uns pregam peças; outros pregam mandamentos; Hélio prega botões. Prega, desenha, pinta, decora, junta e coleciona. Tio Patinhas, milionário de Patópolis, guarda sua primeira moeda da sorte. Tio Hélio, milionário de miudezas, guarda seu primeiro botão. Dá sorte.

Hélio Leites é um artista do pequeno. Há quem o chame de minimalista; ele prefere “minimelista”. Neste final de semana, esse personagem de Curitiba estará em Londrina.

No sábado, às 10 horas, Hélio vai à loja Ciranda, para conversar com todo mundo (adultos e crianças) e lançar o livro Pequenas Grandezas, um perfil sobre a trajetória do artista, escrito pela pesquisadora Rita de Cássia Baduy Pires. Na manhã de domingo, ele vai ao Mercadinho Shangri-Lá para conversar com as pessoas e mostrar as miniaturas que vive criando e cria para viver.

Nem só de botões vive Hélio. Ele também coleciona e recria tudo que vai ficando pelo caminho: palitos de sorvete, caixas de fósforos, sapatos sem par, meias sem sapatos, talheres, latas, garrafas, bonés, embalagens. É um mundo colorido, repleto de detalhes.

Uma vez perguntaram a Hélio: “Por que você faz miniaturas?” A resposta veio imediata: “Porque é mais fácil de carregar”. Formado em economia, ele mantém uma só característica da profissão: economiza recursos. Seu mestre não é Adam Smith, nem Marx, nem Keynes. É São Francisco de Assis: “Só resta a quem não é melhor ser o menor”. É a microeconomia de um universo heliocêntrico.

Hélio Leites vê graça onde os outros veem lixo. E, graças a isso, muita gente boa o vê com bons olhos: o livro Pequenas Grandezas, além de centenas de imagens das miniaturas, reúne textos elogiosos de Paulo Leminski, Helena Kolody, Adélia Prado, Millôr Fernandes, Domingos Pellegrini e outros. Não é por acaso que os escritores gostam de Hélio. Ele gosta de escrever e faz bons poemas. Alguns estão no livro.

Bem antes de reciclagem virar moda, Hélio já reaproveitava as coisas que normalmente vão para o lixo. “Marcel Duchamp é um dos precursores da reciclagem. Pegou um pinico e pôs na roda!”, diz, com sua verve para o trocadilho.

Neste final de semana, o “anarquiteto” de Curitiba vai colocar as suas miniaturas na roda. Pode ser em Curitiba, São Paulo, Londrina ou qualquer lugar do mundo – se tiver botão, Hélio Leites está em casa.

Serviço – Hélio Leites – Bate-papo e lançamento do livro Pequenas Grandezas. Sábado, às 10h, na loja Ciranda (Rua Jorge Velho, 190). Domingo de manhã, ele circula pelo Mercado Shangri-Lá. Grátis.


JL: Quando você começou a pensar com os botões?

Hélio Leites: Na hora em que eu vi que não tinha mais sentido pensar em outra coisa. As pessoas ficam pensando em coisa grande, coisa grande, coisa grande – e olha o mundo como está. As coisas grandes vão tomando conta da sua vida e você não consegue tomar conta delas. Sobre as pequenas coisas você ainda tem um certo controle. Leminski dizia que a gente não se preocupa com as coisas pequenas; e são elas que levam a gente para o buraco. A gente só está conversando aqui porque ainda não apertaram o botãozinho atômico. Quando apertarem, acabou a conversa. Não vai adiantar mais telefone, nem Jornal de Londrina, nem nada.

Qual foi o seu primeiro botão?

Eu já estava no meio da história, tentando divulgar a história dos botões. Morava em São Paulo nessa época. Eu achava que botão era ao mesmo tempo crítica e humor. Estava voltando de um lugar – o Centro Cultural São Paulo – onde havia recebido uma recusa; não quiseram fazer uma exposição de botões. O diretor do lugar dizia que não havia espaço para botão – porque “botão não tem arte”. Fui embora de cabeça baixa. Passando por cima de um viaduto, na volta para casa, me deu um pigarro e eu cuspi no chão. Adivinha em cima de que eu cuspi? Pensando em desistir do botão – e acertei um cuspe no botão. O cuspe acabou de sair da boca da gente é a coisa mais nojenta que existe. Deus fez o cuspe para baixar a crista da gente; tanto é que botou embaixo da língua. Abaixei, limpei o botão e levei pra casa. Está comigo até hoje. Achei que aquilo era uma mensagem do além – era o botão querendo conversar comigo. Aquele botão ainda está comigo. Não sei onde, mas está.

E você fez a exposição?

Naquele dia, fui a um bar que a gente freqüentava no Bexiga. Cheguei lá e fiquei me lastimando por não achar lugar para expor os botões. Uma mulher do Sesc chegou a me dizer que eu deveria expor no manicômio. No mundo, a gente vive procurando uma história para justificar o que está fazendo no mundo. No bar, um cara disse: “Por que não faz a exposição em mim” – e esticou a camiseta. Pensei: “Se posso fazer a exposição nele, posso fazer em mim mesmo!” No dia seguinte comprei um pano numa loja, voltei para casa e fiz uma roupa com os botões pendurados. Às vezes a solução do seu problema está no seu vizinho. Se eu tivesse ficado quieto, jamais teria resolvido meu problema.

Foi um ovo de Colombo para você...

O botão de Colombo! Quando você tem um problema, se você contar para os outros, o problema se divide – e a solução vem junto. Quando comecei a mexer com caixinha de fósforo, resolvi fazer um bonequinho. Só que para abrir a boca desse bonequinho eu tinha que usar um fio... não ficava bom. Uma vez fui numa escola e um menino de 9 anos tinha uma caixinha que abria a boca sem fio. Aprendi a abrir a boca da minha caixinha com um piá de 9 anos. Quando a gente pensa que está ensinando, está aprendendo. É só baixar a crista.

E como ele fazia para a caixinha abrir a boca sem fio?

A mola estava dentro da caixa. A caixa tem a lateral mais comprida e outra mais curta. Ele dobrou a parte mais curta, virou para dentro, encaixou e mexia com o dedo. Era uma mola perfeita. A caixinha dele abria a boca sem fio – e a minha não! Sempre falo. Como diz a Adélia Prado, as ideias não têm dono. Estão no ar. Pega quem tem jeito.

Uma vez perguntaram por que você trabalhava com miniaturas e você respondeu que era mais fácil de carregar.

Sou formado em economia. Pode não parecer, mas eu sou. O que é que eu fiz? Economizei no tamanho. É a micro-economia. Tenho uma banca na feirinha de artesanato, no Largo da Ordem, em Curitiba. Chega uma família e o menino pergunta: “O que é isso?” Eu respondo: “É um inutensílio. Não serve pra nada, mas às vezes resolve problema que nem o médico consegue resolver!”. O que você faz com palito de sorvete? A criança responde: Jogo fora. Eu digo: “Joga fora e o idiota aqui vai lá fora buscar – para transformar em passarinho”. Aquele palito vira uma arara. O que salvou meu artesanato foi contar histórias. O palito de sorvete que virou arara vira um sinalizador de TPM. No dia em que a mulher vai ficar de TPM, ela mostra esse palito de sorvete modificado para avisar que ela está uma arara. Assim você dá a volta na brabeza dela. Eu botei humor naquilo. Isso não tem preço. Cobro 6 reais. Vou ali na padaria e compro um quilo de pão. Peguei um palito de sorvete e transformei em um quilo de pão. É o milagre da transformação: peguei um palito e transformei em pão.


(Publicado no Jornal de Londrina, de 19 de março de 2009)

terça-feira, maio 19, 2009

Quem poluiu os igarapés de Manaus? A democracia...


Quem conta é o escritor e jornalista Sebastião Nery, no livro “Folclore Político – 1950 histórias”:

Artur Cezar Ferreira Reis, professor e amazonólogo, sempre viveu no Rio de Janeiro. Filho de Vicente Reis, fundador do Jornal do Comércio, foi estudar no Rio e lá ficou pesquisando de longe a floresta, virgem de sua presença.

Estava em Genebra, em 1964, numa comissão internacional a serviço do governo brasileiro, recebeu um telegrama chamando-o de volta. Pegou o avião, desceu no Galeão. Os jornalistas não entenderam a cara displicente.

– Como é, professor? Como é que vai ser o governo?
– Que governo?
– Ora, professor, não brinque. Será que o senhor ainda não sabe? O senhor foi eleito governador do Amazonas.
– Eu? Por quem?
- Pela Assembléia.


Artur César coçou os olhos, pôs a pasta no chão e esfregou as mãos, nervoso:

– Ninguém avisa mais nada pra gente...


Pois foi desse jeito, digamos assim, meio rocambolesco, que o governo do Amazonas caiu no colo do historiador e advogado Artur Cezar Ferreira Reis, amazonense de Manaus, no dia 27 de junho de 1964, logo após a cassação do então governador Plínio Coelho (PTB) pelos militares que haviam deposto o presidente Jango.

Para se ambientar com a região, Artur Reis desceu do avião em Belém do Pará e embarcou no navio Augusto Montenegro, subindo o rio Amazonas até Manaus. Era uma viagem, digamos assim, de reconhecimento da hiléia que ele só conhecia de livros.

Quando o navio subia o Rio Negro, rumo ao Porto Flutuante, o historiador pirou o cabeção ao se deparar com a Cidade Flutuante, de cuja existência ele sequer desconfiava. Mas vamos dar um break nessa história.

No começo daquele mesmo ano, numa manhã chuvosa, os produtores franceses do filme “O homem do rio”, estrelado por Jean-Paul Belmondo, tinham desembarcado em Manaus para fazer a pré-produção e escolher as locações.

Não podiam ter encontrado melhor lugar para se hospedarem, senão o Hotel Amazonas, o único da região com ar condicionado.

Ele ficava situado estrategicamente entre o Porto Flutuante, o Mercado Municipal e o lugar inusitado que eles não imaginavam existir por ali, a Cidade Flutuante.


Aquela paisagem, numa arquitetura dançante, impressionou-os. E ficaram mais impressionados ainda quando um dia se viram no olho do furacão.

Eles estavam passeando pelas vielas daquela imensa favela aquática, quando ouviram gritos populares de “não deixa o assassino fugir”, em meio a uma algazarra infernal.

Os produtores franceses ficaram bestas ao presenciarem um suposto criminoso fugir através de um buraco que, evidentemente, só podia levá-lo às águas do rio.

O sujeito, nadando por debaixo da Cidade Flutuante, conseguiu escapar de bubuia e escafedeu-se.

O intérprete traduziu aos gringos o que havia dito o delegado Almir Omar: “Esse meliante escapou por debaixo desse labirinto, mas não vai ser por muito tempo. Peixe que é peixe sempre é obrigado a vir buscar oxigênio fora d’água”.

Ao notar que os gringos estavam interessados na sua opinião, o delegado aproveitou para exibir sua sabedoria regional: “A vida do homem nessa região é uma realidade anfíbia, daí esse pessoal não se intimidar com a fúria do sobe e desce das águas. Eles vão construindo suas casas palafitas, e não só elas, mas toda e qualquer atividade: lojas, postos de gasolina, quitandas, botecos que, estruturados sobre toras e ancorados em pontos que facilitem o comércio, funcionam em tempo de cheia ou vazante. Aqui é a Manaus que nunca dorme”.

Essa última frase soou como canto de sereia aos ouvidos dos produtores. Haviam achado a sua locação.

No filme “O homem do rio”, o ator francês Jean Paul Belmondo movimenta-se sem inibição de qualquer natureza.

Em questão de segundos ele sai de Paris, entra no avião, desembarca no Rio de Janeiro, pula sobre a floresta amazônica, desafia seus desafetos entre as vielas da Cidade Flutuante, equilibra-se nos andaimes dos monumentais prédios em construção de Brasília, e tudo isso dentro de uma narrativa fragmentada, com enquadramentos e montagens desconcertantes.

O cineasta amazonense Aurélio Michiles atualmente trabalha no documentário “O quintal da minha casa”, onde pretende mostrar essa passagem dos produtores franceses por Manaus e o que aconteceu depois com a cidade.


Mas voltando ao primeiro governador do Amazonas durante o regime militar. Desconcertado com o que viu e achou esquisito (“Narciso acha feio o que não é espelho”), Artur Reis, inspirado no governador carioca Carlos Lacerda, resolveu “remover” a favela que “dava um aspecto horroroso à bela frente da cidade”.

Para quem não está lembrado, durante seus quatro anos de mandato, entre 1960 e 64, o governador Carlos Lacerda defendeu uma reformulação completa da política habitacional no Estado do Rio.

Seu objetivo era levar os pobres para a periferia, nos mesmos moldes do que acontecia nas principais cidades da Europa e Estados Unidos.

Foi durante seu governo que foram construídas a Vila Kennedy, em Senador Camará, a Vila Aliança, em Bangu, e a Vila Esperança, em Vigário Geral, além da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, que sozinha recebeu moradores de 63 favelas extintas.

A criação dos conjuntos habitacionais fazia parte do Plano de Habitação Popular, amplamente financiado pelo governo americano através da Aliança para o Progresso.

O amazonense Artur Reis usou da mesma receita. Depois de construir as Cohab-AMs da Raiz, de Flores e do Parque Dez, usou da força policial para remover os moradores da Cidade Flutuante para esses novos conjuntos residenciais, localizados lá no caixa-prego. Os recalcitrantes tiveram suas "casas flutuantes" incendiadas.

Na seqüência, também a ferro e fogo, Artur Reis começou a expulsar os moradores de palafitas dos leitos dos igarapés, removendo-os para a periferia da cidade (Compensa, Alvorada, Japiim) e obrigando-os a se manterem afastados 30 metros dos cursos d’água, tal como preconiza o Código de Postura do município. Quem desobedecesse, teria o barraco incendiado.

Essa medida antipopular, mas “ambientalmente correta”, foi colocada em prática, com maior ou menor rigor, pelos governadores que o sucederam (Danilo Areosa, coronel Walter Andrade, Henoch Reis e José Lindoso), o que possibilitou que a maioria dos igarapés da cidade continuasse servindo como “balneários públicos” até o início dos anos 80.

Os governantes não precisavam prestar contas a ninguém nem angariar simpatia popular, já que eram nomeados pelos “donos do poder”. Simples, assim.

Mas em 1982, o país começou a se “redemocratizar” e ocorreram as primeiras eleições diretas para governadores. Foi quando “o populismo que não ousa dizer seu nome” entrou em cena.

As invasões passaram a ser toleradas – afinal de contas, os invasores possuíam título de eleitor – e até incentivadas. O reordenamento territorial da cidade foi pras cucuias. A saúde dos cursos d’água, também.


Os primeiros a se transformarem em esgoto a céu aberto foram os igarapés da bacia de Educandos e Cachoeirinha (Igarapé de Manaus, Igarapé da Cachoeirinha, Mestre Chico, Quarenta, Crespo, Granja, etc).

Depois os da bacia do Mindu, incluindo o famoso balneário Parque Dez de Novembro, implantado pelo prefeito Antonio Maia nos anos 50, e os da bacia de São Jorge e São Raimundo, incluindo os igarapés do Franco, da Alvorada e dos Franceses.

Finalmente, a bacia do Tarumã e da Ponte da Bolívia, localizados praticamente fora do perímetro urbano da cidade.

Em menos de 10 anos, os novos hunos haviam transformado os igarapés de águas límpidas e transparentes em pocilgas nauseabundas e focos permanentes de transmissão de doenças de veiculação hídrica (dengue, malária, hepatite e o catzo a quatro).

Sim, quando há uma expansão urbana, o crescimento desordenado tem uma relação direta com a perda da qualidade da água. Qualquer um que não seja um batráquio de pijamas sabe disso. Só os nossos governantes não sabiam...

Mas, a essa altura do campeonato, com 99% dos igarapés que cortam Manaus totalmente poluídos, adianta chorar pelo leite derramado? Acredito que não.


Se parássemos hoje de jogar esgotos domésticos nos igarapés, seriam necessários mais de 40 anos para que eles se recuperassem. Como isso não vai mesmo acontecer, aproveita e “chupa, que é de uva” ou então “senta, que é de menta”.

“Tó pra vocês, chupins desmemoriados!” (Decius dixit).

segunda-feira, maio 18, 2009

Modama tem coquetel de lançamento


A Companhia de Dança Corpo e Movimento, em parceria com o Serviço Social da Indústria (SESI Amazonas) e o Serviço Social do Comércio (Sesc), promove nesta terça, às 13h, no hall do Auditório Gilberto Mendes de Azevedo, sede do SESI/AM, coquetel de lançamento da 14ª edição da Mostra de Dança de Manaus – Modama, que será realizada de 3 a 7 de junho no Largo São Sebastião, Centro.

Reconhecido como o maior evento ligado à dança no Amazonas, a Modama reúne grupos de todos os estilos e gêneros, do balé clássico à dança de rua. Nos cinco dias da mostra, os grupos e companhias apresentam-se com coreografias de até 5 minutos. Além dos espetáculos, a mostra contará com oficinas e seminários sobre dança.

Durante o coquetel de lançamento, estarão à disposição da imprensa amazonense as coordenadoras Ana Mendes e Lia Sampaio, a primeira como coordenadora geral do evento e a segunda como coordenadora do seminário “A Trajetória da Dança no Amazonas”.

Também estarão presentes representantes dos parceiros da Modama 2009, entre eles, o SESI Amazonas, o Sesc, a Secretaria de Estado de Cultura (SEC), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), oficineiros e apoiadores.


Evento: Coquetel de lançamento – Modama 2009
Local: Auditório Gilberto Mendes de Azevedo – sede do SESI Amazonas, na Avenida Joaquim Nabuco, 1919, Centro
Data: 19 de maio de 2009, às 13h

MOSTRA ETNODOC


PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL

Mostra de 15 filmes etnográficos realizados no país, escolhidos em concurso nacional entre 466 projetos apresentados e produzidos em 2008, que serão exibidos em Manaus no período de 19 a 22 de maio de 2009, no horário das 19 às 21:30h

A Mostra Etnodoc em Manaus, contará com a presença de dois dos 15 realizadores, Gavin Andrews, do Amapá e Andrea Tonacci, de São Paulo, que participarão, com outros convidados, dos debates programados após a exibição dos filmes.

LOCAL: CAUA - Centro de Artes Hahnemann Bacelar /UFAM

Rua Monsenhor Coutinho,724 – Centro

Entrada franca

Outras informações:

8121-9841
coletivodifusao@gmail.com

quinta-feira, maio 14, 2009

Mas o que querem os gays?


Texto do Grande Mestre da AMOAL paulista Reinaldo Azevedo

No clipping desta madrugada, vocês encontram trecho de uma reportagem da Folha que informa que a União quer classificar programas de TV com “conteúdo homofóbico”. Não é preciso ser um gênio para perceber que já se começa a trilhar o terreno da censura.

Eu me oponho a qualquer forma de ação do estado que limite a liberdade de expressão — inclusive a dos idiotas. E que cada um arque na Justiça com o peso do que disser. É tudo muito simples.

Sou freqüentemente acusado de sionista por conta das minhas opiniões sobre os conflitos israelo-palestinos, por exemplo. Os mais tresloucados estão convencidos de que sou um agente do Mossad. Pois é. Mas acho bobagem que se proíba, por exemplo, a publicação de livros que neguem o Holocausto.

A proibição faz com que celerados como Ahmadinejad mobilizem a cabeça oca conspiratória dos imbecis: “Se é proibido negar, então é porque eles têm medo da verdade”. Entenderam? Os tolos têm de ser combatidos à luz do dia.

“Ah, então ações concretas contra grupos raciais ou minorias devem ser permitidas?” O quê? Intimidação? Não! Devem ser contidas com o uso da polícia mesmo. Cana nos vagabundos! Ademais, cumpre não confundir o revisionismo, por mais estúpido que seja, com incitação ao ódio. Adiante.

Há programas humorísticos de TV que fazem troça de homossexuais? Há. Mas também fazem pilhéria dos gordos, dos magros, dos feios, dos bonitos, dos doentes, dos saudáveis... ALIÁS, NENHUMA CATEGORIA, SE ASSIM POSSO CHAMAR, É MAIS HUMILHADA E DISCRIMINADA, HOJE EM DIA, NOS PRODUTOS DA INDÚSTRIA CULTURAL, DO QUE O QUE EU CHAMARIA DE HOMEM MÉDIO!

Pobre do coitado que for um desses trabalhadores que fazem tudo certinho, que pagam os impostos, que seguem as leis, que cuidam da sua família, que têm uma existência, digamos, banal. É logo tratado como um medíocre, um bobalhão, que é até ruim de cama.

Há um filme na praça que não vi e não vou ver, um desses caça-níqueis com atores de TV, chamado Divã. Falo do que dá para perceber no trailer. Pela pegada se percebe o tamanho do gigante. Uma mulher de meia-idade — casada com um desses maridos chatos que gostam de assistir a jogo de futebol na TV, apenas regulamentar na cama, sem grandes arroubos — decide cair na farra. E descobre o mundo.

É a versão para as massas do “bovarismo”. Emma Bovary, como sabem os que leram, quebrou a cara. As Emmas da cultura de massa são bem-sucedidas: encontram a felicidade na era da psicanálise de revista entre feminina e feminista. Basta pôr chifre no marido, que um horizonte se abre... Preconceito? É. Um preconceito da correção política.

O que há fazer nessa guerra de valores? Ora, que cada um brigue pela sua verdade. Mas podemos perfeitamente bem deixar o estado fora disso. Afinal, o que querem os gays? Um aparato repressivo que proíba as piadas consideradas indesejadas? O mesmo devem fazer as outras chamadas “minorias”? Viveremos numa sociedade em que todos patrulham todos, transformando o humor em manifesto político?

Pergunto: um homossexual poderá ser acusado de homofobia se chamar um outro homossexual de “veado” (ou “viado”, na versão popular)? Nas novelas e filmes, os gays deverão ser apresentados sempre como exemplos de caráter virtuoso? O mau-caratismo passará a ser uma prerrogativa apenas dos heterossexuais? Ou ainda: os heterossexuais têm o direito de reclamar das caricaturas que se fazem do “machão”, sempre meio bronco e de raciocínio curto?

O politicamente correto é a mais detestável das formas de censura porque exercida por pessoas que se querem dotadas de valores humanistas superiores. Acreditam, como os inquisidores, que estão perseguindo pessoas para o bem da humanidade e até dos próprios perseguidos. Rezavam enquanto o corpo do pecador ardia. Estavam crentes de que tinham acabado de vencer mais uma luta contra o demônio ao libertar aquele corpo.