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sexta-feira, maio 08, 2009

Curtindo a vida adoidado (parte 2)


Acordei no sábado por volta das seis e meia da manhã. O Simas estava em uma das mesas do restaurante desde as 5h30, provavelmente esperando o bar abrir. O café regional de respeito foi servido pessoalmente por dona Estela, esposa do Petrônio.

E tome queijo de búfala, queijo coalho, salame italiano, mortadela, pamonha, pé de moleque, banana frita, mungunzá, pão caseiro, ovos caipira, tucumã, pupunha, sucos de cupuaçu, taperebá e laranja, café feito em fogão de lenha e leite de gado tirado na hora. Simplesmente nababesco.

Nossa agenda mínima consistia em verificar a extensão das enchentes na cidade, prestigiar a reinauguração da Empresa Municipal de Trânsito e Transportes (EMTT), conferir as obras do Porto de Itacoatiara, dar uma geral no abandono das empresas madeireiras e depois entrevistar o prefeito. Simples assim.

Em menos de quatro horas, cumprimos todas as tarefas. No fuzuê da EMTT, o prefeito colocou para tocar a mais tradicional bandinha da cidade, que deu um verdadeiro show. Na falta de coretos e praças públicas para se apresentar, a banda toca onde for convidada. São músicos abnegados que só querem divertir o povo. Uma tradição centenária que o prefeito promete perpetuar. Estou na torcida.


Por outro lado, na real, a enchente está castigando a cidade pelos quatro cantos. Já existem bairros tradicionais isolados, como o Centenário (uma espécie de bairro da Aparecida da Velha Serpa) e o Jauari (uma espécie de bairro da Cachoeirinha). Muitas áreas do centro estão completamente alagadas.



O Porto de Itacoatiara se transformou em uma verdadeira sacanagem. Há uma placa indicando os valores a serem gastos (R$ 7.406.453,15) na recuperação e ampliação do porto e o prazo para conclusão das obras (270 dias). A placa está lá desde que o atual ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, resolveu sair candidato a senador (agosto de 2006). Depois de eleito, ele nunca mais tocou no assunto.


Nesse meio tempo, cerca de 300 portuários perderam o emprego (nosso cicerone Fernando Jerry, entre eles) e estão sobrevivendo como motoboys, camelôs, biscateiros, passadores de fumo, etc. O Jerry, felizmente, conseguiu ser lotado no gabinete da deputada Terezinha Ruiz, sua cunhada, mas e os outros?... Uma tristeza!

Lá na madeireira Gethal Amazonas, procuramos a samaumeira que o candidato a presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, plantou em 2002, durante sua campanha presidencial. A samaumeira tomou chá de sumiço, assim como os quase 5 mil empregos (entre diretos e indiretos) gerados pela madeireira.


Totalmente abandonada, a Gethal é um simulacro do que havia sido antes. Para entender o que aconteceu com a empresa, basta lembrar que apenas 20% das 3 mil madeireiras que atuam na Amazônia respeitam as leis ambientais e trabalhistas do país.

Dessas, só quinze, o equivalente a 0,5% do total, exercem sua atividade com padrão de excelência que preenche todos os requisitos internacionais de preservação ambiental. Não cortam árvores raras ou jovens e respeitam um intervalo de 25 anos para explorar uma mesma área – medida que permite a regeneração da floresta.

Seus empregados dispõem de bons alojamentos, comida e escola para os filhos. Por seguirem esses princípios, receberam o certificado Forest Stewardship Council (FSC), um tipo de ISO 9000 das madeireiras que é conhecido como selo verde.

São empresas que deveriam ter atenção especial do governo. Deveriam. Mas elas são as madeireiras mais penalizadas por ele.

Em dezembro de 2005, uma das quinze serrarias que tinham o selo verde, a fábrica de compensados Gethal Amazonas, fechou as portas. Motivo? O Ibama protelou a concessão de novas autorizações para que ela extraísse madeira da floresta amazônica.


Como usava padrão internacional de exploração, a Gethal não derrubou árvores ilegalmente. Sobreviveu até outubro de 2005 vendendo estoques. Quando eles acabaram, demitiu seus 720 funcionários e saiu do ramo.

A companhia não quebrou por ineficiência. Mesmo seguindo as regras do selo verde, ela vinha conseguindo competir com as madeireiras chinesas, que há cinco anos dominam o mercado mundial, apesar de operar com margens de lucro cada vez mais baixas. O caso da Gethal não é exceção.

Naquele mesmo ano, o Ibama também não concedeu nenhuma autorização para outras sete serrarias detentoras do selo verde, que, juntas, respondiam por 90% da produção de madeira certificada da Amazônia. A segunda a quebrar foi a Carolina, ligada à multinacional Precious Woods, que demitiu mais de 450 funcionários.

Hoje, 2 400 madeireiras cometem atrocidades na floresta. Desmatam, derrubam espécies ameaçadas e usam métodos que destroem, pelo menos, metade da vegetação da área onde atuam. Só estão em operação porque o Ibama não tem fiscais suficientes.

O incentivo à ilegalidade produziu estímulos negativos até na população ribeirinha, que aderiu ao comércio ilegal de madeira. Ela avança sobre a floresta sem autorização porque sabe que o governo é incapaz de puni-la. Longe do vale tudo, a Carolina e a Gethal estão trabalhando (e gerando emprego) no Equador.

Em linhas gerais, esse é o resumo do que ocorreu com a atividade madeireira em Itacoatiara. Os empregados demitidos estão engrossando as estatísticas dos bolsões de miséria. Depois de fazermos algumas fotos, retornamos à nossa base operacional por volta das 12h30.

Um comentário:

Anônimo disse...

É lamentável que um capital como a Gethal tenha se tornado uma lenda em Itacoatiara, morei no conjunto da Gethal quando meu pai foi mecânico torneiro da mesma só de lembrar me trás uma certa melancolia,mesmo que isso ja tenha 15 anos.

muito bom o texto