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quarta-feira, julho 29, 2009

Nenhum de nós lhes deve nada. Eles nos devem tudo, a começar pela vida.


Augusto Nunes, na coluna Direto ao Ponto

“Ainda bem que a gente não chegou ao poder: se isso acontecesse, teria de devolver no dia seguinte”, disse Vladimir Palmeira, em maio do ano passado, num debate entre veteranos de 1968. “A gente sabia muito pouco, não tinha preparo para governar país nenhum”. Certíssimo. “A gente não tinha nem mesmo um projeto de poder”. Errado. Os comandantes do movimento estudantil (e, sobretudo, seus mentores na clandestinidade) tinham um projeto, sim. Tão claro quanto perverso: substituir a ditadura militar pela ditadura do proletariado.

Quem não tinha projeto de poder era a “massa de manobra”, como se referiam os chefes à multidão de jovens ingênuos, generosos, anônimos, que repetiam palavras-de-ordem cujo real significado ignoravam e cumpriam ordens e instruções vindas de cima. Os soldados rasos lutavam pela liberdade. Os comandantes planejavam suprimi-la. O rebanho sonhava com a ressurreição da democracia. Os pastores queriam muito mais, confirma Daniel Aarão Reis, ex-militante do MR-8, ex-exilado e hoje professor de história da Universidade Federal Fluminense.

“As esquerdas radicais não queriam restaurar a democracia, considerada um conceito burguês, mas instaurar o socialismo por meio de uma ditadura revolucionária”, fala de cadeira Aarão Reis, principal ideólogo de uma dissidência do PCB que desembocou no MR-8. “Não compartilho da lenda segundo a qual fomos ­ o braço armado de uma resistência democrática. Não existe um só documento dessas organizações que optaram pela luta armada que as apresente como instrumento da resistência democrática”.

Recrutados na massa de manobra, os alunos dos cursinhos intensivos de revolução ainda estavam na terceira vírgula de O Capital e no quinto parágrafo de Engels quando descobriam que desistir das aulas semanais era crime sem perdão. “Ele desbundou”, desdenhavam os mestres de qualquer discípulo sumido. Meia dúzia de panfletos de Lenin depois, os aprendizes descobriam que se haviam tornado oficiais do exército mobilizado para sepultar o capitalismo e conduzir o povo ao paraíso comunista.

Muitos se diplomavam sem sequer desconfiar da grande missão. Mas gente como Vladimir Palmeira tinha idade e milhagem suficientes para saber que perseguia um regime ainda mais selvagem, brutal e infame que o imposto ao Brasil. Conviviam com tutores de larga milhagem. O sessentão Carlos Marighela, por exemplo, ensinava aos pupilos da ALN a beleza que há em “matar com naturalidade”, ou por que “ser terrorista é motivo de orgulho”. Deveriam todos orgulhar-se da escolha feita quando confrontados com a bifurcação escavada pelo AI-5.

A rota certa era a esquerda, avisavam os que nunca tinham dúvidas. Passava pela luta armada e levava à luz. A outra era a errada. Passava pela rendição vergonhosa e levava à cumplicidade ostensiva com os donos do poder. Ou, na menos lamentável das hipóteses, aos campos da omissão onde se amontoavam desertores da guerra justa. A falácia foi implodida pelos que se mantiveram lúcidos, recusaram a idiotia maniqueísta e percorreram o caminho da resistência democrática.

Estivemos certos desde sempre. Desarmados, prosseguimos o combate contra quem os derrotara em poucos meses. Enquanto lutávamos pela destruição dos porões da tortura, eles se distraíam em cursinhos de guerrilha ou no parto de manifestos delirantes. Estavam longe quando militares ultradireitistas tentaram trucidar a abertura política. Só se livraram do cárcere e do exílio porque conseguimos a anistia, restabelecemos as eleições diretas e restauramos a democracia. Nós vencemos. Eles perderam todas. Alguns enfim conseguiram tornar-se contemporâneos do mundo ao redor. Quase todos permaneceram com a cabeça estacionada em algum lugar do passado. E voltaram com a pose dos condenados ao triunfo.

Fantasiados de feridos de guerra, os sessentões de 68 se apropriaram de indenizações milionárias, empregos federais, mesadas de filho mimado. Com a velha arrogância, seguem convencidos de que quem está com eles tem razão. Passa a fazer parte da esquerda, formada por guerreiros a serviço das causas populares. Quem não se junta ao bando é inimigo do povo, lacaio dos patrões, reacionário, elitista, golpista vocacional.

O comportamento e a discurseira dos dirceus, franklins, dilmas, genoínos, palmeiras, garcias, tarsos, vannuchis e o resto da turma confirmam: passados tantos anos, estão prontos para errar de novo. Infiltrados no governo de um presidente que não lê, não sabe escrever, merece zero em conhecimentos gerais e faz qualquer negócio para desfrutar do poder, eles aparelharam o Estado e vão forjando alianças com o que há de pior na vizinhança para eternizar-se no controle do país. Se não roubam , associam-se a ladrões. Se não matam, tornam-se comparsas de homicidas.

Sequestradores da liberdade e assassinos da democracia jamais deixam de sonhar com o pesadelo. Não têm cura. Nenhum democrata lhes deve nada. Eles é que nos devem tudo, a começar pela vida.

Sobrevivendo no inferno


As gêmeas – e que gêmeas! – Samara e Samanta Macedo

Setembro de 2002. O cantor de toadas Arlindo Jr., o “Pop da Selva”, encerra sua apresentação no Festival da Canção de Itacoatiara (Fecani) por volta das 6h da manhã de uma sexta-feira. Ele havia entrado no palco por volta da meia-noite de quinta-feira e cantara umas 80 músicas. Estava exausto.

Turbinados por pó de guaraná com mirantã, os músicos e dançarinos de sua banda estão com a aparência de zumbis do Boris Karloff na “Ilha dos Mortos”: exaustos, famintos, suados, sedentos e com cara de quem não dorme direito desde o Pleistoceno superior.

Num derradeiro esforço, os zumbis começam a desarmar o circo. Meia hora depois, o som estridente de um celular quebra o silêncio do ônibus que levava a turma para o hotel. Do outro lado da linha, alguém aperta o empresário Robson Roberto:

– Escuta, porra, o comício está confirmado para as oito da noite. Vocês têm de estar aqui antes das sete senão vai dar a maior merda. O Eduardo está puto da vida com essa lambança de vocês irem tocar aí no Fecani. Ele disse que, se fosse numa guerra, vocês seriam fuzilados por deserção e alta traição…

O empresário do “Pop da Selva” começa a suar frio. Ele simplesmente havia esquecido do comício do candidato a governador Eduardo Braga marcado para as 20h daquela sexta-feira na cidade de Codajás. Começa uma corrida contra o tempo.

De barco, eles levariam dois dias para chegar à Terra do Açaí. De avião, levariam apenas uma hora, mas para acomodar todo o pessoal e as tralhas da aparelhagem de som teriam de fretar um Boeing – coisa que o aeroporto de Itacoatiara não conhece nem de cumprimentar.

O jeito era nem perder tempo escovando os dentes: ir de ônibus até Manaus (260 km), atravessar o rio Negro de voadeira até Iranduba (10 km), pegar um ônibus de Iranduba a Manacapuru (86 km) e ir de Manacapuru a Codajás de voadeira (120 km). Com sorte, chegariam à cidade antes das oito da noite.

Sem outra alternativa, Robson Roberto mandou o motorista de ônibus esquecer o hotel e ir direto para Manaus. Os zumbis estavam tão cansados que não conseguiram nem abrir a boca para reclamar – desabaram nas poltronas do ônibus como baratas atingidas por detefon.

As gêmeas – e que gêmeas! – Samara e Samanta Macedo, dançarinas e sex-symbols em tempo integral, limitaram-se a pedir band-aids para aliviar os calos e as bolhas nos pés, antes de desmaiarem de sono. Sem compreender direito o que estava acontecendo, a backing vocal Luana ficou fazendo gargarejo com água, sal e limão, antes de desmaiar de fome.

O “Pop da Selva”, entretanto, estava possuído por uma legião de exus devido ao tratamento escravocrata dispensado aos músicos pelo empresário, e reclamava uma barbaridade. Só não foi para o tronco, receber as quinze chibatadas tradicionais, porque o ruhpynol com fanta uva, servido por Robson Roberto, fez efeito imediato. Arlindo Jr. dormiu como um porco da mão branca.

Quando os zumbis abriram os olhos, estavam sendo carregados por estivadores mal-humorados e, literalmente, sendo empilhados como pélas de seringa em duas deslizadeiras e uma voadeira no porto de Manacapuru. O relógio marcava quatro horas da tarde e Robson não escondia o nervosismo.

Aos berros, ele distribuía os músicos nas pequeninas embarcações de acordo com o peso e orientava para que os fumantes não viajassem nem perto do combustível reserva nem perto dos fogos de artifício. Alguns recalcitrantes, que exigiam bobagens como coletes salva-vidas, tiveram de ser embarcados sob a mira de uma escopeta serrada carregada com balas dundum. As gêmeas – e que gêmeas! – se abraçaram e começaram a chorar baixinho.

Arlindo Jr. e os seis dançarinos ocuparam a menor deslizadeira (dois metros, o tamanho de uma geladeira Cônsul), que levava o combustível reserva. Os quinze músicos ocuparam a deslizadeira de tamanho médio (2,5 metros, o tamanho de um fusquinha Baja), que levava os fogos de artifício.

As três mulheres, os quatro seguranças e o empresário embarcaram na voadeira – na verdade, uma deslizadeira de três metros, com um toldo de plástico vagabundo –, que levava os equipamentos de som e instrumentos.

Os três barcos partiram de Manacapuru ao mesmo tempo. Pelos cálculos dos pilotos, eles chegariam a Codajás por volta das sete da noite.

Três horas depois, em meio a uma escuridão de assustar lobisomens, o “Pop da Selva” descobre que seu barco se desgarrou do resto do comboio. Pra completar, o piloto estava fazendo aquela rota pela primeira vez e tinha esquecido de levar uma lanterna. O barco estava perdido no meio do Solimões e sem nenhum meio de comunicar-se com os outros barcos.

A legião de exus voltou de maneira triunfal. Arlindo Jr., cada vez mais possesso, queria quebrar o pescoço do piloto. Alguns dançarinos começaram a chorar afetadamente. Outros, numa crise histérica, começaram a entoar mantras indianos.

Uma hora depois, eles avistaram algumas luzes no horizonte cada vez mais escuro e escutaram barulhos de fogos de artifício. Eram os dois barcos esperando os retardatários.

Mal o barco de Arlindo encostou na voadeira, a bela Luana, chorando estrepitosamente, se atirou na direção do “Pop da Selva”. “Eu não agüento mais, Arlindo, pelo amor de Deus, eu quero ir embora!”, berrou a backing vocal.

“O que aconteceu?”, indagou Arlindo, agarrando Luana pelos cabelos e evitando, por um triz, que ela se atirasse no Solimões e fosse morar no reino dos encantados.

“Só porque a gente bateu num pau maceta e quase que o barco vira, ela ficou desse jeito…”, contemporizou Robson Roberto.

Agarradas no fundo da voadeira, as gêmeas – e que gêmeas! – estavam petrificadas. Tinham virado estátua de sal.

Arlindo tentou serenar os ânimos: “Pô, Luana, se toda vez que bater num pau maceta você ficar nesse estado, mana, você vai acabar ficando no caritó!”.

Luana, que estava quase surtando, tentou pular n’água mais uma vez, mas foi contida pelos seguranças. Depois, entrou em estado de catatonia e sossegou o facho.

A situação era desesperadora. O combustível dos três barcos estava no fim. As luzes não eram de Codajás, nem de Anori, mas de Beruri. Ninguém sabe como, mas eles haviam atravessado o Solimões e estavam indo em direção ao Purus. Só iriam atingir Codajás depois que dessem a volta ao mundo.

Um dos barcos possuía uma lanterna, mas era tão vagabunda que o facho de luz se recusava em sair do bem-bom para cair n’água dois metros adiante. As hordas de piuns, carapanãs e meruins estavam fazendo um bacanal naqueles corpos cansados e incapazes de reagir.

Como desgraça só presta de bom tamanho, Robson Roberto, na pressa, esquecera de providenciar água e alimentação para os passageiros. Aquilo era o começo do fim do mundo.

O “Pop da Selva” teve de fazer a escolha de Sofia: colocar todo o combustível restante numa única deslizadeira para que ele e o piloto mais experiente tentassem chegar em Codajás e pedir ajuda. Robson concordou, mas fez questão de ir junto.

Entretanto, como não dava para todo mundo ficar esperando nos outros dois botes, os quatro machos mais corajosos foram instados a imitar os heróis do Titanic, ou seja, corpo dentro d’água, mexendo as pernas para afastar as piraíbas, mãos nas bordas, sem muita pressão para não adernar as embarcações, e fé, muita fé em Deus.

Alguns recalcitrantes, que exigiam bobagens como coletes salva-vidas, tiveram de cair n’água sob a mira de uma escopeta serrada carregada com balas dundum. As gêmeas – e que gêmeas! – começaram a puxar um ponto riscado da pomba-gira Cigana.

A essa altura do campeonato, o comício de Codajás já havia acabado e na casa do prefeito Lincoln Dib o ambiente era de velório. Diversos barcos, lanchas e deslizadeiras fizeram uma busca no entorno da cidade, vasculhando os paranás, baixios, igapós, lagos e “furos”, sem resultado. Eduardo Braga havia mobilizado do FBI ao Sivam, mas ninguém sabia do paradeiro do “Pop da Selva”.

Por volta da meia-noite, quando a lancha do deputado federal Átila Lins se preparava para deixar a cidade, conduzindo a comitiva de Eduardo Braga de volta para Manaus, o cantor e o empresário surgiram no cais do porto, mais mortos do que vivos. Os dois sobreviventes do inferno foram embarcados na lancha, que partiu imediatamente em busca do restante da turma.

Os outros zumbis só foram resgatados por volta das três horas da madrugada, graças aos disparos de fogos de artifício que estavam fazendo para espantar os meruins, carapanãs e piuns, agora reforçados por duas divisões panzer de mutucas assassinas.

Mal entraram na lancha, eles dirigiram-se para a despensa da embarcação, dispostos a dar vazão à fome canina e à sede tirana que os atormentavam há pelo menos dezoito horas seguidas.

Quebraram a cara. Na geladeira da lancha havia apenas um pedaço de pizza de calabresa, já apresentando mofo, um copo de iogurte pela metade e uma latinha de água tônica, com o prazo de validade vencido.

O “Pop da Selva” ficou transtornado com a avareza do deputado Átila Lins, mas desmaiou de fome no terceiro chilique. O restante da turma ficou prostrada no chão.

Como a lancha do deputado não podia desenvolver a velocidade máxima porque estava rebocando as três deslizadeiras, o sufoco dos zumbis só terminou às nove horas da manhã de sábado, no cais do porto de Manaus. Foi quando o empresário Robson Roberto, numa rara demonstração de generosidade, pagou um prato de sopa de mocotó para cada um.

O milagre da sobrevivência mudou a vida de muita gente. A bela Luana deixou a banda e se isolou num mosteiro, no Himalaia.

As gêmeas – e que gêmeas! – pretendiam gravar um disco samba-funk de macumba, mas acabaram virando cantoras evangélicas.

Os dançarinos fizeram um pacto de sangue e foram vistos pela última vez fazendo o caminho de Santiago.

O “Pop da Selva” se tornou um freqüentador assíduos das novenas na Igreja de Santa Rita, na Cachoeirinha, e hoje é vereador de Manaus.

Robson Roberto virou proprietário do Café Cancun.

Agradecidos por não terem presenciado o show musical da banda, os eleitores de Codajás fizeram de Eduardo Braga o candidato mais votado do município…

Julio, um simples mortal


O professor e PhD Narciso Lobo. Ao fundo, o jornalista Wilson Nogueira. Foto de Rogelio Casado, feita no ato público de apoio ao professor Gilson Monteiro, no campus da Ufam.

Por José Dantas Cyrino Jr.

A morte, essa cretina,
da vida não entende nada,
toda vez que vem buscar alguém,
imagina, leva sempre a pessoa errada.


Nunca gostei de discursos em velórios ou enterros, artigos em homenagens póstumas e todas essas formas plangentes de carpideiras. As vezes me parecem um pouco cabotino, pelo menos quando trazem elogios exagerados aos que já não estão mais em condições de apartear o orador ou redargüir o articulista para pedir moderação.

Mas quando recebi a notícia da morte do professor e jornalista Narciso Julio Freire Lobo essa crítica inabalável aos emocionalmente incorretos começou a me abalar e me torturar profundamente porque na mesma hora bateu uma vontade intensa, incontrolável, de fazer um discurso no seu velório ou escrever, como faço agora, algumas linhas em sua homenagem. Não, essa máxima politicamente correta não se aplica ao Narciso. Então assumo a cabotinagem, se assim parecer. Que se danem os politicamente corretos e suas críticas de comportamento.

Mas não quero fazer homenagens óbvias por seus currículos acadêmicos e profissionais – isso todos conhecem: Doutor em Ciências da Comunicação, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia e do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ocupante de uma cadeira de imortal na Academia Amazonense de Letras, membro do conselho do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Autor de obras de Ficção e política. E tantas coisas mais.

Quero falar do Narciso como um ser humano para revelar um segredo: o Narciso Lobo, como era conhecido, não era Narciso Lobo.

O Narciso não era Lobo, era um homem, um ser sensível à dor de seus semelhantes. Um homem doce e dócil, avesso a todas as formas de violência. Um homem solidário, fraterno, um socialista na mais ampla acepção da palavra. De Lobo só o sobrenome - e por essas contingências da vida, porque (com permissão de seus pais) deveria ter por sobrenome cordeiro. Cordial, terno. Sabia escutar. Diferentemente dos lobos que são sanguinários e cruéis, ele possuía uma das maiores qualidades de um verdadeiro democrata: a tolerância com os diferentes. Narciso Lobo não era um Lobo. Não devorava os seres diferentes como Lobos que vivem em Manaus.

E Narciso não era Narciso. Era uma pessoa simples no modo de viver, sem luxo, sem ganas nem ostentações materiais, modesto, normal como um José, um Antonio ou um Julio qualquer. Não possuía vaidades, não se entorpecia por ser um professor universitário respeitado, não tinha arrogâncias por ser um doutor, um escritor e até mesmo por ser um imortal. Um Narciso sem vaidades... sem narcisismos...

Diferente da mitologia grega, não era um herói de Téspias, famoso por seu orgulho, mas um herói de Manaus, herói por sua resistência às cretinices e mediocridades de uma cidade perversa e infecunda no trato com a inteligência local, uma cidade que em seu poema Cantos Deslizantes, ele cantava assim: “Manaus, meu porto / meu aeroporto / meu penúltimo e (in) definitivo pouso”.

Narciso Julio Freire Lobo, como se viu, não era Narciso, nem Lobo, mas um simples Julio. Ah, e também não era imortal. Julio, um simples mortal poeta agora repousa em definitivo no seu próprio poema. Mas ainda resta a flor amarela com pétalas brancas.

terça-feira, julho 28, 2009

As voltas que o mundo dá...


Recebi este e-mail do Edilson Martins no dia 22 de julho, mas como o mocó estava fora do ar, só agora estou postando. So sorry! (SP)

Ontem, terça-feira, 21 de julho, eu e a torcida do Flamengo, tomamos conhecimento, via todas as mídias, da chegada ao país, do último exilado político do Brasil, o ex-marinheiro Antônio Geraldo da Costa.

Membro da Aliança Libertadora Nacional (ALN), criada por Carlos Marighela, Antônio, hoje com 75 anos, fazia parte da tropa de choque da organização. Tropa de choque, o chamado grupo armado, era o pessoal da pesada, das ações de desapropriação, do recolhimento de recursos - assaltos a banco -.

Até aí nada de novo. Novo é a cobertura que a mídia, tanto nacional como a estrangeira, está dando a esse retorno, e por uma curiosa singularidade; apesar de decorridos 40 anos desde sua fuga do Brasil, e tendo a Ditadura acabado há quase 25 anos, ele se recusava a retornar por temer não ter ela acabado. Leitura imediata; louco de carteirinha. Nada mais correto; aparentemente.

Ele pode alegar, caso venha a ser indagado, e não são poucos os que o farão, que “gato escaldado tem medo de água fria”. Os anos de clandestinidade devem lhe ter ensinado essa dura verdade.

Antônio pode, ainda na mesma linha de defesa, recordar que “o seguro morreu de velho, mas o desconfiado está vivo.” Só que vai, em verdade, enfatizar mais ainda a desconfiança geral. A opinião pública, hoje classificada em a,b,c, e d, de certo modo, nunca foi generosa e nem perdoa nada.

Seus companheiros de luta no passado, os que sobreviveram, podem até mesmo recorrer ao militar japonês que até recentemente mantivera-se escondido, pelas mesmas razões, acreditando não ter acabado a 2a Grande Guerra.

De tal forma que se amenize essa leitura, e não venha Antônio a ser classificado simplesmente como um paranóico transitado em juízo, um perseguido eterno, um maluco fora dos eixos, recorrendo a esta redundância.

Como um ex-marinheiro, pode-se questionar, depois das formas mais abomináveis de covardia humana que é a tortura, da qual ele foi vítima exponencial, consegue escapar do trucidamento, vai para a Suécia, em l969, casa, tem filhos, constitui família e 40 anos depois continua vivendo sob o terror da perseguição?

Terror tão cruel que mesmo tendo sido dobrado, vamos reconhecer que de forma definitiva nunca, continua dobrando sua alma, sua espinha, toldando seus sentimentos. Não vamos nem mencionar Frei Tito, porque aí essa história fica perversa demais.

A leitura do cidadão comum, do sujeito que na esquina comprou o jornal hoje, leu a notícia, ou do outro surpreendido pelo telejornal não pode ser diferente; esse cara virou maluco de carteirinha.

O que eles não sabem é que Antônio, como tantos outros companheiros de seu tempo, apostaram, alguns morreram, outros como ele ficaram eternamente marcados, apostaram no fim do terror. E não foi luta em vão, como querem alguns.

E nos deram este o país maluco de hoje, onde apesar de todos os percalços, dos Sarney, dos Romero Jucá, dos Collor, dos Renan Calheiros, da corrupção impune e generalizada, de um PT que nos faz corar, mesmo assim se respira e pratica a Liberdade. E só sabem o que isso significa os que viveram sua interdição.

E onde entro eu na porra dessa história? É que vendo a foto fui picado pelo diabo da memória, memória cruel, tantas vezes.

Paro de escrever veleidades literárias, não tenho feito outra coisa ultimamente, e com tanto prazer, e o diabo da foto volta a infernizar os meus olhos, e já agora minha memória.

Caramba, matei a charada. Antônio Geraldo da Costa era o Tigre, seu codinome de guerra, um Neguinho moleque, ruidoso, que hospedei, melhor dizendo homiziei em meu conjugado da rua Sousa Lima, em Copacabana, nos idos de 68 e 69, e todo o seu grupo.

Eu era um abestado estudante da Filosofia, da Universidade do Brasil, atual UFRJ, com os olhos abertos e nenhuma história para contar, como faço agora, perplexo diante do mundo, recém-chegado dos confins da Amazônia, Acre, onde o vento fazia a curva e o diabo teimava sempre aparecer.

Apesar de toda essa alienação, estupidez e caipiragem, tive o privilégio de hospedar Tigre e seu grupo, que passavam os dias realizando assaltos armados, elaborando mapas, estudando rotas de fuga, enfim, infernizando a vida homens que faziam a ditadura existir e merecer esse nome.

À noite dormia com eles todos, não enxergando, nem entendendo direito em que tudo aquilo iria dar. Dos riscos eu sabia, só não sabia a estupidez que é a tortura, onde logo depois de me despedir de Tigre e sua animada gente, eu também conheceria.

Enfim, só pra terminar. Ninguém tem o direito de rir da loucura de Tigre. Ela é loucura de Dom Quixote, do Rei Lear, a loucura dos visionários, a loucura que torna o homem possível, enfim, a loucura que ajudou a libertar o país.

Sem ela talvez tivéssemos, quem sabe, até hoje, uma ditadurazinha amena, com alguns direitos, que o mundo já tanto nos mostrou, mas sem nunca deixar de ser Ditadura.

Só pra terminar; não vale a pena, não é honesto, rir da loucura do Tigre.

Edílson Martins

Uma semana pra ser esquecida


O professor universitário e poeta Narciso Lobo

O mocó ficou fora do ar por uma semana em virtude de um vírus classe 2F (de fuderoso fodão!) ter se instalado sorrateiramente no meu PC e praticamente corrompido metade do HD em menos de 48 horas. Até agora ainda não descobri de que pen drive fuleiro ele saiu.

Se não bastasse essa desgraceira toda, mais dois queridos amigos atravessaram o espelho de Alice quase ao mesmo tempo, na semana passada: os poetas Narciso Lobo, 59, e Marcos Figueira, 48. Que merda!

Conheci o Narciso Lobo no início dos anos 80, quando fundamos o PDT e ele se tornou um dos militantes mais orgânicos do partido, participando ativamente de todas as reuniões semanais.

Eu já o conhecia da antologia “Ebulição da Escrivatura – 13 poetas impossíveis” (Editora Civilização Brasileira, 1978), em que ele, Salgado Maranhão, Sergio Varela, Gil Savalho, Marcos Athayde e outros realizaram a suprema façanha de curtir a “poesia marginal” sendo publicada, pela primeira vez, por uma grande editora.

Eram do Narciso esses versos: “amigos, atenção, não sei mais/ o que pretendia dizer./ por certo um poema/ sintético direto simples urbano./ então me vem à lembrança:/ está em cima da hora. devo ir à cidade/ vou enfrentar engarrafamentos / inclusive de ordem política.”

Em uma das reuniões do PDT, ali na Lobo D’Almada, ao lado do Bar Construção, ele me presenteou com o livreto “Amazona” (capa branca, com a palavra “Ama” em vermelho chapado, e “zona”, em vermelho vazado), de sua autoria. Foi por meio dele que conheci a poesia de Samaral, Touchê, Lucia Villares e mais uma pá de gente.

Em 1985, eu, ele, Antonio Paulo Graça, João Bosco Ladislau e Rogelio Casado começamos a editar o jornal “Caboclo”, do escritor Rui Sá Chaves, e, posteriormente, nos tornamos colaboradores full time do Suplemento JC, do Jornal do Comércio, que passou a ser editado pelo Narciso, a partir de 1987, com a direção de arte sob os cuidados do cartunista J. Rosha. A fuzarca durou até 1989, quando nos bandeamos para o Amazonas em Tempo.

Nos anos 90, continuamos a nos ver com uma certa freqüência, principalmente durante os inesquecíveis “sabaníbal”, na casa do poeta Aníbal Beça, mas, depois da morte do Antonio Paulo Graça, em 1998, Narciso entrou numa espécie de hibernação voluntária. Deixou de circular pelos bares por onde eu andava e dedicou-se à sua carreira acadêmica na Ufam.

Nessa nova década, falei com ele apenas duas vezes: nas posses do Aníbal Beça e do Aldisio Filgueiras na Academia Amazonense de Letras. Apesar de nosso distanciamento involuntário, ele continuava o mesmo sujeito afetuoso, cordato, bem humorado e solidário de sempre.

Há uns três meses, logo após a morte do jornalista Sebastião Reis, perguntei a respeito dele pro psiquiatra Rogelio Casado. Rogelio me falou que Narciso havia sofrido um AVC e que estava muito debilitado, na clínica Santa Júlia.

Durante o tributo ao Joy Division, na Livraria Valer, em junho, perguntei do poeta Tenório Telles como estava a situação dele. Tenório explicou que Narciso havia saído da clínica e estava na casa de uma irmã, mas que ela impedia qualquer visita ao doente.

Soube depois, por terceiros, que ele estava muito amargurado por causa da aids e que definhava a olhos vistos. Talvez, de repente, a morte tenha sido um alívio.

Se a morte do Narciso me chocou pelo absurdo, a do jornalista e poeta Marcos Figueira me chocou pelo inesperado. Segundo o poeta Zemaria Pinto, que o acompanhou em suas últimas semanas de vida, ele tinha um tumor cerebral há quase um ano – sem sequer suspeitar da existência do maligno. A operação foi realizada na quinta-feira, no hospital João Lúcio. No pós-operatório, seu coração não resistiu.


Marcos Figueira (de camiseta branca) durante o preparo do vegetal no CEUDV

Há vários anos, Marcos apresentava o programa “Nossa Cultura”, nas manhãs de domingo, na rádio Rio Mar, dedicado exclusivamente aos ritmos regionais, que tinha audiência até na Espanha. Ele também participava voluntariamente de oficinas de radiojornalismo nas comunidades mais carentes da cidade com o intuito de “dar voz àqueles que não tem vez” por meio de rádios comunitárias.

No final de junho, ele esteve aqui em casa para discutir a captação de novos patrocínios para o programa de rádio, que era sua verdadeira paixão, mas acabamos conversando longamente sobre uma nova religião huasqueira surgida em Cuiabá (MT), que propõe a junção dos ensinamentos das três religiões principais: UDV, Santo Daime e Barquinha.

Marcos era mestre huasqueiro da UDV e foi com ele que, no começo do ano passado, tive minha primeira experiência com o vegetal, aqui em casa. Depois, voltei a tomar mais uma vez, no hotel São Marcos, em Manacapuru, onde passamos dois meses juntos, trabalhando na campanha pra prefeito do deputado Ângelus Figueira.

Eu o conheci no início dos anos 90, durante uma feira de poesia no Espaço Cultural Mar Azul, ali na Alvorada. Depois, quando fui trabalhar no Amazonas em Tempo, como editor de Cultura, em 1995, ele se transformou em meu braço direito – até porque era o único repórter da editoria.

Sai do jornal no final de 1996, mas aquele convívio diário nos havia transformado em bons amigos. Em 2000, quando fui trabalhar na campanha de reeleição do Ângelus, em Manacapuru, levei o Marcos junto, para fazer os programas de rádio.

De lá pra cá, em todas as campanhas políticas de que participei sempre dava um jeito de colocá-lo na equipe de rádio. Simultaneamente, ele fazia “frilas” para as revistas que eu editava. Sua última matéria, publicada na revista Amazônia Viva, era sobre o Centro Espiritualista União do Vegetal (CEUDV), criado por Mestre Asplinger, do qual ele fazia parte.

O jornalista Mário Dantas, que também participou da campanha do Ângelus em Manacapuru, disse que ouviu uma duas vezes o Marcos Figueira se queixando de uma estranha “dor de cabeça”, mas que supôs tratar-se de efeitos de alguma “ressaca mal curada”. Pra mim, particularmente, ele nunca falou nada. Nem pro radialista Renato Pitanga, que era seu chefe direto na produção dos programas de rádio.

A morte deles dois, sinceramente, me deixou meio baqueado. Ainda não tive coragem de fazer um inventário definitivo, mas estou quase convencido de que já tenho mais amigos do lado de lá do que do lado de cá. Que merda!

terça-feira, julho 21, 2009

Alguns esclarecimentos sobre o Manual do Canalha


Tenho recebido um monte de e-mails (e comentários no mocó) perguntando sobre onde é possivel adquirir o Manual do Canalha. Para ser sincero, não faço a menor idéia.

A primeira edição do livro foi publicada em 1994, aqui em Manaus, pelo Coletivo Gens da Selva, e se esgotou em seis meses. Não encontro um exemplar nem pra guardar em casa.

A segunda edição foi publicada em 1996, no Rio de Janeiro, pela editora Topbooks e também se esgotou. Consegui um único exemplar no Sebo do Messias, em Sampa, por obra e graça do Edilúcio - que ainda tirou uma foto do vendedor exibindo a mercadoria. E foi só.

A boutade do Millor Fernandes - que devia estar de bobeira no seu estúdio, viu o livro na estante, pegou pra ler de novo e escreveu aquela simpática notinha na revista Veja - pode ter dado a falsa idéia de que o livro voltou a entrar em circulação. Não voltou.

Aliás, isso nem depende de mim. Escrevam pra Topbooks (topbooks@topbooks.com.br) pedindo um exemplar que é bem capaz de eles publicarem uma 3ª edição. É isso!

sexta-feira, julho 17, 2009

Michael Jackson vira livro de mangá


Depois de inúmeras homenagens a Michael Jackson, chegou a vez de a comunidade japonesa fazer a dela. O professor de mangá Fabio Shin prepara um livro de 180 páginas para contar a vida e a trajetória artística do Rei do Pop. A ideia já existia antes da morte do cantor porque comemoraria a sua volta aos palcos e o novo disco, que estava sendo gravado.

"A produção de um mangá seria a melhor forma de homenagear o artista que influenciou uma geração inteira de pessoas e a mim, particularmente. Suas músicas sempre me dão força para lutar pelos meus anseios e muitas vezes me espelho nas suas atitudes para tomar decisões pessoais”, contou Shin, que descobriu que o cantor era um grande fã da cultura japonesa, pesquisando sobre a sua vida. O Rei do Pop teria arriscado até alguns traços de mangá.

Os desenhos serão assinados por Fabio Shin e Rafael Kirschner e o roteiro por Ledo Vieira, um dos organizadores do maior fórum sobre Michael no Brasil, o MJ Beats. A história será lançada em 2010 pela editora Seoman.

PS: Ontem de madrugada, zappeando na Vivax, assisti sem querer uma parte do “Top Top - Anos Definitivos da Música”, na MTV. Os apresentadores estavam falando sobre 1986, o ano em que o hip hop atingiu o primeiro lugar na Billboard, com o LP Lincesed To Ill, do Beastie Boys, e explicavam porque hoje de cada 10 discos vendidos nos EUA, nove são de rap. Na apresentação da matéria, eles repetiram praticamente tudo que já postei aqui neste mocó. So sorry, Xandico e Edmar!

Mas não fiquem tristes porque os três primeiros lugares da parada eram sobre o legítimo rock’n’roll: 3) 1954 – Ano em que Elvis grava “That’s All Right, Mama!” e inicia a revolução sonora. 2) 1981 – Ano de fundação da MTV, com a apresentação da primeira vinheta da emissora (um astronauta abrindo uma bandeira com o logotipo da MTV e anunciando: “Ladies and gentlemen, it’s only rock and roll!”). 1) 1967 – Ano em que saíram os LPs que influenciaram todas as gerações subseqüentes: o primeiro do Jimi Hendrix, o primeiro do Pink Floyd, o primeiro do The Doors, os desbundados “Sgt. Peppers...” (Beatles), “Disraeli Gears” (Cream), “Sell Out” (Who), “Their Satanic...” (Rolling Stones), etc.

Aliás, uma galera da pesada participou do disco dos Stones: John Paul Jones (futuro Led Zeppelin), que atuou como arranjador, Ronnie Lane (Small Faces, depois The Faces), Steve Marriott (Small Faces, depois Humble Pie), os lendários tecladistas Nicky Hopkins e Ian Stewart, Eddie Dramer, e fazendo vocais de fundo nas faixas 1 e 5, dois amigos dos Stones, John Lennon e Paul McCartney. Interessa?

Tributo a Billie Holiday em Porto Alegre


Nessa sexta-feira, dia em que uma das maiores cantoras da História completa 50 anos de morte, a peça “Lady Day” estreia em Porto Alegre. Todo o talento e a podreira de Billie Holiday (1915 - 1959) devem aparecer no monólogo, às 22h, no Porão do Beco (Avenida Independência, 936, R$ 12).

Dirigido por Marco Mafra, o espetáculo é interpretado pela atriz e cantora Melissa Arievo – na foto, encarnando Billie com a tradicional gardênia no cabelo. Além de encenar a perturbada trajetória da cantora, Melissa cantará a capela clássicos do jazz imortalizados por Billie.

***

Abaixo, deliciem-se com a excelente contribuição que o Carlos André Moreira – crítico literário de Zero Hora e comandante do blog Mundo Livro – preparou para o Remix sobre Billie Holiday:

Popstar antes do pop


Cantora com uma vida de excessos, bebidas, relacionamentos abusivos física e emocionalmente, doses cavalares de droga pouco antes dos shows e ainda assim uma voz e uma presença de palco que transformavam a audiência em uma massa amorfa, galvanizada e sedenta por mais.

Não, não estamos falando de Amy Winehouse, ou de Maysa, ou de qualquer uma das encarnações mais ou menos recentes da diva doidaça e torturada. As palavras acima referem-se a Billie Holiday, Lady Day, uma legítima popstar antes de existir o pop.

O espetáculo que entra em cartaz em Porto Alegre é baseado na autobiografia da cantora, escrita oficialmente em colaboração com o jornalista William Dufty (ele funcionou como o ghost writer da cantora, na verdade), mas uma boa pedida para conhecer um pouco mais a vida da artista é o perfil de cerca de 20 páginas produzido por Ruy Castro para seu livro Saudades do Século 20, lançado em 1999 (sim, sim, sempre tem um corneta cibertecnológico que acha que pode conseguir o mesmo na Wikipedia, mas eu, jurássico assumido, prefiro o texto do Ruy Castro ao do de 90% dos atualizadores de qualquer coisa comunitária ou “wiki” da rede – e estou sendo bem generoso).

O título do perfil, indicando que Lady Day foi uma das primeiras cantoras da modernidade suplantadas pelo próprio mito é “Aos pés da própria lenda”, e sua história dramática de pobreza, fama, vitórias e derrotas sempre espetaculares é o primeiro do livro, um ótimo cartão de visitas para uma série que ainda reúne, entre outros, Frank Sinatra, Glenn Miller, Humphrey Bogart, Hitchcock, Dashiell Hammett, Raymond Chandler, todos apresentados sob a luz majestosa da prosa precisa e musical de Ruy Castro.

Sobre Lady Day, escreve o jornalista:

“Billie Holiday cantava como uma deusa e sabia disso. Uma deusa não arranha sua divindade com movimentos prosaicos diante dos mortais. Sua voz deve bastar. Por isso Billie cantava imóvel, quase como uma estátua.

Não deixava que seu corpo se entregasse à canção. Com os braços retos em direção ao chão, dava, no máximo, tapinhas de leve na coxa com a mão direita, estalava silenciosamente os dedos da mão esquerda e marcava o ritmo de forma quase imperceptível com o pé. À luz azulada da boate, era como se estivesse plantada sobre um pedestal. Às vezes inclinava suavemente a cabeca — não para dirigir-se à platéia, mas para comunicar-se com seus músicos pelo olhar.

Eles entendiam esse olhar: podia ser de aprovação, de prazer, até de gozo supremo. Ela era um deles e falavam uma linguagem de adoração mútua

Se uma mesa de estranhos, não iniciados no culto, conversasse ou perturbasse a música com seus drinques e talheres, o garçom se aproximava e sussurrava ao ouvido do que parecesse o maioral: ‘Lady lamenta que os senhores não estejam gostando. Por favor, paguem e saiam...’

Lady era Billie Holiday. Lady Day…”

A postura distante da cantora no palco, portanto, estava longe do carisma do “entertainer” – Lady Day entrava em cena exigindo ocupar seu lugar de direito, o centro de uma atenção silenciosa e reverencial (Ruy também conta que certa vez Sinatra, sentado na plateia, incomodado com um inconveniente que não parava de falar durante o show, nocauteou o indivíduo repetindo o mantra: “ninguém fala quando Lady canta”.

Lady sabia desde o início seu tamanho, gigantesco, perante seu público – contrastando, Ruy ressalta, com sua estatura de 1m65cm. Também o mito no palco era maior e mais glorioso que muitos dos episódios da sua vida real: filha de um casamento problemático, pais que se casaram quando ela já havia nascido (e daí, dirão alguns? Daí que isso fazia diferença em 1915), prostituição na juventude, errância por espeluncas até ser descoberta cantando no Harlem em 1933. Foi nesse ano que gravou seu primeiro disco – como crooner de um grupo, como a maioria dos intérpretes do período – no caso dela, o grupo era o do clarinetista e futuro rei do suingue Benny Goodman.

Depois de já ser “a” Lady, cantando no palco temas que poderia ter vivido – Ruy conta que na época as comparações entre ela e Aretha Franklin eram cruéis para esta última: Aretha cantava músicas sobre homens que a abandonavam. Billie Holiday parecia ser abandonada no palco a cada canção. Sua interpretação para Strange Fruit é até hoje, em qualquer contexto, uma das coisas mais impactantes já escritas sobre o drama da escravidão negra:

“Lady cantava devagar, arrastando a voz em relação ao andamento do piano, sem pressa de acompanhá-lo. Quando cantava Strange Fruit, a canção que falava de negros pendurados nas árvores como frutos para os corvos – tema de encerramento de seus shows desde 1939 – o silêncio esmagava a sala.

O serviço era interrompido, os garçons postavam-se nos cantos, o barman pousava a coqueteleira.

As luzes se apagavam, exceto por um spot sobre sua cabeça e as lágrimas que ela invariavelmente produzia escorriam-lhe como prata sobre o rosto. Sua platéia também chorava, mas engolia o choro.

As palmas explodiam, mas Lady ignorava os gritos de bis e não se curvava para agradecer. Virava-se e saía devagar em direção ao camarim, tão devagar quanto cantava, caminhando com imperial dignidade.

As luzes se acendiam aos poucos, mas o ambiente ficava impregnado de Strange Fruit – e de Lady Day.

Lady mesmo, da cabeça aos pés.”

quinta-feira, julho 16, 2009

A onda que levantou no South Bronx


Via e-mail, o economista Edmar Silveira, atualmente morando em Ji-Paraná (RO), faz uma nova provocação:

“Insigne e muy querido poeta, eu também concordo com o Xandico Bad Boy de que o rock continua superior ao rap. Apelar para o lance de Top 5, Top 100, Top Top, é sacanagem! O rock nunca foi mainstream nem na época do Led Zeppelin.

Tirando “Stairway to Heaven”, qual foi a outra música deles que tocou em rádio? Nenhuma. Programador musical de rádio, com raríssimas exceções, é tudo bicho ignorante e reflete quase sempre o conhecido (mau) gosto da patuléia. Xapralá!

Tirando isso, achei muito legal os toques que você deu sobre a parada lá dos mano e das mina. Tenho baixado quase tudo que você falou pelo site Pirate Bay e preciso de mais informações tipo quais as músicas de preto mais fodidas dos anos 80?

É que, por experiência prática, as cachorras daqui gostam mais desse tipo de som do que de rock – principalmente como trilha sonora de amasso dentro do carro. No mais, tenho acompanhado suas divertidíssimas histórias daqui desse adorável fim de mundo. Quando é que você vem me visitar? Soube que o Antonio Carlos Maciel está aí, pra fazer umas lambanças no congresso da SBPC. Se falar com ele, dê-lhe um amplexo. Abração.”

Porra, Edmar, você e o Xandico devem estar lendo meus posts usando o tradutor Babylon... Eu nunca falei que o rap era superior ao rock (se bem que, sejamos francos, esse rockinho de hoje, com raríssimas exceções, não passa de uma grande bosta) e tampouco me transformei em um renegado do tripé baixo-guitarra-bateria.

Das cerca de 20 mil músicas que tenho no HD, mais da metade é de rock. Papo sério. Dos anos 90 pra trás, tudo que saiu de interessante no gênero eu dei um jeito de “downloadar”. De funk clássico, devo ter umas 2 mil. De rap e hip hop, no máximo, umas 1.500. Mais umas 1.500 de reggae (incluindo dub, rock steady, dancehall e reggaeton). O resto é dance music – de disco clássico a deep techno.

Aliás, pra quem gosta de escrever, a melhor trilha sonora continua sendo dance music “no úrtimo”. Ela ajuda o sujeito a se concentrar e não deixa essa nossa solitária atividade se transformar em um velório. No meu caso, sou transportado invariavelmente para a época das “brincadeiras” e a memória começa a se exercitar. Calibrado com o velho escocês, então, sou capaz de amanhecer o dia.

O ó do borogodó é que os anos 80 foram a década em que o som dos bumbos veio à frente das mixagens junto com as mais graves freqüências de baixo sintetizado: o groove, a levada rítmica, imperou suprema e a pista de dança tornou-se santuário e sacramento de toda uma geração. Do hip hop à house music, a música negra ocupou seu lugar de direito depois de décadas de saque e pilhagem por atravessadores brancos

“Vidro quebrado por toda parte, gente mijando nas escadas / Você sabe, eles não estão nem aí / Eu não suporto o cheiro, eu não suporto o barulho / Não tenho dinheiro para me mudar, acho que não tenho escolha / Ratos na sala da frente, baratas na sala dos fundos / Viciados no beco com um taco de beisebol...”


Assim rappeava Grandmaster Flash, à frente de seus Furious Five, dando o tom realista das ruas do South Bronx, em Nova York, em “The Message”, um compacto que marcou o ano de 81.

O rap nasceu praticamente em 79, quando a Sugarhill Gang chupou a levada de “Good Times”, do Chic, para fazer “Rapper’s Delight” – dois milhões de cópias vendidas, Top Five nas paradas do Reino Unido, Canadá, África do Sul e Israel (rock que tocava nas rádios? “Another Brick In The Wall”, do Pink Floyd, e olhe lá...).

“O que você está ouvindo não é um teste / Estou rappeando sobre a batida / Eu, o balanço e os meus amigos / Vamos tentar fazer você mexer os pés”, convocava Henry Jackson, o MC Big Bang Hank, secundado pelos rappers Guy “Master Gee” O’Brien e “Mike “Wonder Mike” Wright, três moleques em situação de risco social oriundos da caipiríssima New Jersey. Ficaram milionários da noite pro dia.


A abertura da música (“I said a hip hop the hippie the hippie to the hip hop, a you don’t stop the rock it to the bang bang boogie say up jumped the boogie to the rhythm of the boogie the beat”) era uma ladainha quase intraduzível cantada pelas gangues em praticamente todas as festas do South Bronx.

No Brasil, o que tivemos mais próximo disso foi o grito de guerra “Uh, tererê!” (corruptela do refrão “Whoomp! There it is”, de uma música do grupo Tag Team, surgido inicialmente como grito de guerra dos torcedores do time de basquete Los Angeles Lakers significando algo como “Ah! É isso aí!”).

Poucos meses depois do estouro da boiada da Sugarhill Gang, era a vez de Kurtis Blow - inaugurando a tagarelice na linha “eu sou o maior” -, com “Christmas Rapping”. Um novo estilo estava criado. No ano seguinte, ele seria o primeiro MC a aparecer em um programa de televisão em rede nacional (“Soul Train”) cantando “The Breaks”, que vendeu mais de um milhão de cópias.

Mas quando é que o canto falado do rap deságua no chamado hip hop com sua explosão rítmica e eletrônica? Os pais da matéria são Afrika Bambaataa e o produtor Arthur Baker, que, em 82, surrupiam a melodia de “Trans-Europe Express”, do Kraftwerk, como base para um rap propondo total integração / comunhão de todos os povos, etnias, tribos e credos da Terra.


O compacto em questão, “Planet Rock”, vendeu mais de 600 mil cópias só no formato doze polegadas e é, sem dúvida, a cristalização do gênero que botaria a garotada break dancing pelas ruas dos grandes centros urbanos.

Em 83, era a vez do Run DMC, com “Sucker MCs”, e, através da agregação dos hip-hoppers nova-iorquinos em torno do produtor Rickie Rubin e seu selo Def Jam, o mapeamento da música pop incorporava um novo gênero, pisando na fronteira imprecisa entre rap, hip hop, e go-go de Washington (tendo à frente o Trouble Funk), todas as variantes entre o casamento da sensibilidade “ritmológica” com a nova tecnologia musical.


Em 84, o DJ Frankie Knuckles transformava o Warehouse Club, em Chicago, em um laboratório de mixagens inovadoras. A abreviação do clube batiza a house music - uma das últimas mutações do funk eletrônico nos anos 80 e a mais radical, por sua ênfase em ritmo puro, o som do bumbo e o som da caixa dando as coordenadas das intervenções sonoras. O groove em sua essência, sem necessidade de uma canção. A dança pela dança, produção de proveta dentro de um estúdio: o produtor assume não só os controles como os créditos e a concepção. Manipulação e colagem, com grande débito à discothèque dos anos 70.

Quando o duo local Phuture lançou seu LP Acid Trax - outros afirmam que a fonte é a expressão acid burnin’ para a chupação de músicas alheias via sampler -, estava dado o primeiro passo para o que os lançadores de modas londrinos carimbassem Aciiid!, uma volta à movimentação coletiva numa neopsicodelia de estampas multicoloridas, bandanas e o bonequinho Smiley.

A febre durou um verão - o de 88 - e produziu algumas preciosidades locais, como o Bomb the Bass, de Tim Simenon. Hoje, 20 anos depois, é muito difícil que alguma canção escolhida para ser editada em compacto não tenha sua versão em mixagem acid. Enquanto isso, os produtores reagiram ao desgaste e à pasteurização com o deep house, trazendo seus tecnomantras mais próximos da canção, com estrofes e refrão.

Bom, meu querido Edmar, na minha modesta opinião, os dez compactos racha-assoalho da década são os seguintes (se a meninas rondonienses não derem pra você depois de uma trilha sonora dessas, leia com fervor quase religioso o “Alô, Doçura!”, que estou enviando pelo Antonio Carlos Maciel):


KISS – Prince
A música dos 80, fato confirmado por ter gerado já duas regravações: a primeira, mais hard e guitarreira, com o Age of Chance, e a segunda - mais bem-sucedida comercialmente, ressuscitando o vocal “clássico-canastra” de Tom Jones embalado com toda a elegante sofisticação hi-tech do Art of Noise. Mas, como sempre, o original é imbatível: uma profusão de guitarras rítmicas, desdobrando um riff infeccioso, cantos e contra cantos do mestre se divertindo a valer em cima de uma letra sacana, inteligente, perfeita. “You don’t have to be beautiful...”

SEXUAL HEALING – Marvin Gaye
Programação rítmica quase humana de tão sinuosa, um riff de guitarra sinuoso como uma serpente e a mais doce voz da soul music. Assim como “Kiss”, uma grande canção de amor que é também um grande estímulo dançante. O destino quis que se tornasse o réquiem de um gênio do pop.

PLANET ROCK – Afrika Bambaata & The Soul Sonic Force
Hip hop no berço, mamando na finesse melódica-eletrônica do Kraftwerk e gerando transes coletivos sob seu groove seco e sintético, numa explosão que justifica um dos maiores clichês da década: “pop tribal”.

GENIUS OF LOVE – Tom Tom Club
O casal-cozinha dos Talking Heads, Chris Frantz e Tina Weymouth, em férias no Caribe com um punhado de convidados pega o rap ainda embrionário (entre 80 e 81) e faz uma suave declaração de amor à música negra, citando Bob Marley, Bohannon, Sly & Robbie, Kurtis Blow e, é claro, James Brown (a edição brasileira do compacto trazia na capa: “Melô do James Brown”). Em seu primeiro LP, o próprio Grandmaster Flash a utilizaria como base para um de seus raps. Logo na seqüência, lançavam “Wordy Rappinghood” - a mesma perfeição rítmica-melódica-singela - e, juntos, os dois compactos venderam muito mais que tudo que os Talking Heads haviam lançado até então.

THE MESSAGE – Grandmaster Flash & The Furious Five
O rap como retrato da vida no gueto, cru, nu, duro, seco. Não teve, nas paradas americanas, o mesmo sucesso de “Rapper’s Delight” da Sugarhill Gang, mas foi votado “melhor compacto de 81” por todos os críticos da Inglaterra, viciando irreversivelmente a ilha da Donzela de Ferro no novo som dos 80.

TOUR DE FRANCE – Kraftwerk
Os legítimos pais do tecnopop não poderiam ficar de fora e quebraram uma de suas hibernações para surgir com esta preciosidade de hipnose melódica, o seqüenciador como um coração lânguido. Inspirados na maratona ciclística que anualmente percorre a Europa, presentearam produtores de TV do mundo inteiro com um fundo sonoro ideal para tomadas em movimento.

BLUE MONDAY – New Order
Quase simultânea ao LP Power Corruption Lies, esta canção - verdadeira locomotiva rítmica, identificável pelas primeiras socadas do bumbo - bateu até recordes de vendagem: é o comparto de doze polegadas mais vendido na Grã-Bretanha até hoje. Com sua síntese Kraftwerk / Eurodisco, livrou finalmente a banda do estigma Jov Division e chegou a influenciar a house music de Chicago e, por extensão, a acid house.

WALK THIS WAY – Run DMC
A partir do original do Aerosmith, o Run DMC sintetizou o cruzamento branco-metálico com negro-rap’n’hop que influenciou meio mundo, dos Beastie Boys a grupos de heavy propriamente ditos. Um dos sons mais pesados que já se ouviu e dançou na face do planeta.

RELAX – Frankie Goes to Hollywood
O selo ZTT fabricou a imagem, reciclagem debochada do disco gay, o produtor Trevor Horn sampleou o bumbo de John Bonham em Led Zeppelin II e fez cascatas sintetizadas simulando uma ejaculação estereofônica para um refrão muito sutil – “Relaxe! Não faça isso quando quiser gozar” - e a BBC vetou em sua programação, enquanto o compacto pulava para o primeiro posto das paradas. No fim, “Relax” rendeu até uma divertida ponta para o grupo no filme Dublê de Corpo, de Brian De Palma.

PUMP UP THE VOLUME – M/A/R/R/S
A colagem desenfreada desencadeando processos judiciários e gerando a acid house britânica. O sampler, misto de gravador digital com instrumento musical, se consagrava definitivamente como a arma mortífera (nas pistas de dança) número um da década. Seu estouro mundial entupiu os cofres do 4AD, selo independente inglês que até então era mais conhecido pelos sobretons gótico-etéreos de grupos como Bauhaus e Cocteau Twins. Pra ouvir no volume máximo.

Diálogo com artistas do Amazonas na reunião da SBPC


Nesta sexta, 17, das 12h às 14h, no Hall da Faculdade de Direito, acontece o “Diálogo com os artistas do Amazonas”, como parte da programação da 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC.

Estarão participando da mesa debatedora a cantora Inês de Oliveira; o cantor e compositor José Augusto Rodrigues; o ator Sérgio Uchoa; Eliberto Barroncas artista plástico e músico, integrante do grupo Escada sem Degraus, e o bailarino Augusto Domingos.

Os debatedores pretendem levar para o palco da SBPC temas de grande relevância para a classe artística do Amazonas, tais como:
Análise crítica do Movimento Cultural no Estado do Amazonas;
Breve histórico da MPB produzida no Amazonas;
Valorização da Arte e da Cultura Amazônica;
Leis estaduais e municipais de incentivo à Cultura e as Políticas Públicas;
Fomento e difusão da produção artística no Amazonas.

Esta discussão será aprofundada no Fórum Permanente de Debates sobre Cultura Amazônica, lançado recentemente pelos artistas, que será realizado no mês de agosto.

Outras informações pelos telefones 9112-3481 (Inês) ou 8409-6481 (Taniouska).

terça-feira, julho 14, 2009

Alegria, alegria, ainda que tardia


Eu estava devendo as fotos do evento sobre o Joy Division porque o Jorge Bandeira, "pai" da criança, havia se mandado pra Minas Gerais e só retornou esta semana. Somente agora recebi as fotos. Serve como registro de que é possível fazer as coisas acontecerem em Manaus sem precisar esmolar junto à SEC ou à SemCult.

1º dia – Exibição do documentário do Grant Gree e mostra de fotografias sobre a banda:





2º dia - Lançamento do folder "Unknow Pleasures", do Genecy Silva, e apresentação da banda Joy, de quem só consegui saber o nome da exuberante vocalista-avião Naiara (os outros músicos também são bons pra caraco):





Como o Jorge Bandeira ainda não me deu uma cópia do DVD "Control", segue uma resenha da Sabrina Leal, de Campo Grande (MS), sobre o filme. Curtam:

“Control”, de 2007, é um filme-biografia que conta a trágica história de Ian Curtis, vocalista do Joy Divison, que além da vida conturbada, cometeu suicídio há 29 anos. O filme é baseado no livro "Touching from a distance", de Deborah Curtis, mulher de Ian. O longa, como era de se esperar, foi extremamente aplaudido em Cannes, ganhando vários elogios de crítica e público, além de três prêmios. Apesar de o filme ser de 2007, não foi exibido nos cinemas da capital, mas chegou recentemente nas locadoras.

O filme se centrou na vida sofrida e angustiante de Curtis, não focando tanto no cenário musical da época. Ian ficou famoso mundialmente como o enigmático vocalista do Joy Division, e também por sua coreografia bastante peculiar apresentada no palco. Apesar de sua carreira ter durado pouco (a banda lançou apenas dois discos), clássicos como “Love will tear us apart”, “She’s lost control” (que inspira o título do filme) e “Transmission” foram eternizados e fazem parte da trilha sonora.

A história mostra Curtis ainda no colégio, quando conhece Deborah, que até o momento é namorada de seu amigo. Pouco tempo depois eles começam a namorar, e se casam, precocemente. Em suas saídas, ele conhece uma banda que procura um vocalista. Eis que surge a oportunidade que sempre quis. A banda começa a se apresentar, e em pouco tempo, conseguem sucesso. Eles gravam dois discos, e começam a fazer turnês. Ao mesmo tempo, Deborah está grávida, impedida de acompanhar as viagens da banda. Com todo o sucesso, Curtis mal tem tempo para a família.

Não demora muito para Ian fazer sucesso com o público, principalmente feminino. É aí que entra Annik Honore, uma jornalista francesa que procura pelo vocalista após um show. De uma entrevista surge um romance, que estremece a relação de Curtis com sua família. A princípio, não causa grandes problemas, mas com o passar do tempo, e com a descoberta do caso por sua esposa, Curtis se vê sem saída. Além dos problemas afetivos, o conturbado vocalista ainda precisa lidar com sua doença, epilepsia, que o faz ter convulsões aflitivas, inclusive durante um show.

Curtis, que já era problemático, se torna cada vez mais. Com o pedido de divórcio de Deborah, ele fica desolado. Todo o sonho de rock’n roll começa a não fazer mais sentido, e passa a se tornar um fardo. Curtis não quer mais se apresentar, deixando a banda em uma situação difícil. Mas ele não consegue se desvencilhar das coisas, nem do caso com Annik, nem do casamento com Deborah. A situação vai se tornando cada vez mais perturbadora para o jovem vocalista, até que chega ao ápice, fazendo com que ele ponha fim a tudo.

Um ponto a se destacar é a excelente atuação do ator Sam Riley, no papel de Ian Curtis. O ator, após estudos, conseguiu interpretar com maestria o enigmático líder da banda, inclusive sua diferenciada coreografia. O filme pode ser considerado como uma história de amor perturbada, aflitiva, mas de amor. O diretor Anton Corbijn conseguiu passar para a tela uma bela representação da vida de Curtis, com intensidade. É um filme extremamente válido, não só para os fãs de Ian Curtis mas para todos os fãs do rock.

sábado, julho 11, 2009

Recordando uma dupla inesquecível que hoje se diverte no Paraíso


Eu e Simona, ambos morrendo de rir, durante o aniversário da Dinari na casa da Gracioney Medeiros. Gozador nato, o "gordo" já chegava nos lugares contando alguma nova presepada

Comentando a respeito daquela nossa aventura em Autazes, recebo esse toque do valoroso advogado Beto Simonetti:

"Brodão Simão,

De fato foi uma aventura inesquecível, além de muito divertida...

Ainda me emociono todos os dias ao lembrar de meu "imorrível" pai, a quem devo absolutamente tudo que sou.

Nada é igual, as coisas já não têm o mesmo sabor. Para mim, Autazes, hoje, é só Autazes, descoloriu, azedou.

Mas nossa vida tem que seguir no trilho em que ele nos encarrilhou.

Muito obrigado por toda sua homenagem, carinho e sobretudo a salutar amizade que ficou entre nós.

Saudações e sempre às ordens.

Beto Simonetti

PS:. Um ano da passagem de meu pai se dará em 25 próximo (julho)."

Pois é, querido Beto, mas é que quando começo a lembrar do "gordo" me emociono tanto que acabo trocando as bolas. A gente tinha planejado começar a escrever seu livro de memórias e, de repente, aconteceu aquela desgraceira intraduzível...

Imagina a quantidade de casos hilários que ele tinha pra nos contar? Esse que relato abaixo considero um dos mais divertidos. Vamos curtir, porque recordar é viver.

Candidato ao Senado em 1978, Fábio Lucena foi o mais votado do pleito, mas perdeu a vaga para o radialista João Bosco Ramos de Lima, da Arena-1, cujos votados somados ao da professora Eunice Michiles, da Arena-2, deram a maioria para a legenda governista (sem o “pacote de abril”, que instituiu as sublegendas, o MDB teria destroçado a Arena no país inteiro).

O radialista mal esquentou a cadeira no Senado. Morreu alguns meses depois de tomar posse e a amazonense Eunice Michiles transformou-se na primeira mulher brasileira a ter assento na mais alta Câmara legislativa do país.

Em 1982, Fábio foi novamente candidato ao Senado, desta vez enfrentando o ex-governador José Lindoso (PDS, ex-Arena). Seus comícios iniciavam-se sempre com uma advertência velada:

– Aquele que tentar fraudar a minha eleição será chamado pelo Pai Eterno e prestará contas no Tribunal do Inferno!...

Fábio foi novamente o mais votado do pleito, só que desta vez se elegeu senador do Amazonas. Seu passado combativo como articulista de A Crítica era um atestado de que os políticos corruptos não iriam ter vida mansa no Congresso.

Nos anos 70, com o apoio de Umberto Calderaro (timoneiro-mor do jornal A Crítica, é sempre bom lembrar), Fábio havia travado uma guerra sem quartel contra o contra-almirante Roberto da Gama e Silva, chefe do SNI no Amazonas, a quem o jornalista acusava de contrabandista.

No governo Figueiredo, o militar estava lotado na Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional e era presidente do Grupo Executivo para a Região do Baixo Amazonas (GEBAM).

Fábio avisou pela imprensa que seu primeiro ato no Senado seria disparar um torpedo na quilha de Gama e Silva. Depois, disse que não ia sossegar enquanto não afundasse o militar no seu (dele) mar de lama e corrupção.

Recém-eleito pela segunda vez, o governador Gilberto Mestrinho, que tinha uma audiência marcada com o presidente Figueiredo após sua posse, em março de 1983, percebeu logo o tamanho da encrenca e pediu ao deputado estadual Félix Valois, então secretário de Justiça, que intercedesse junto ao jornalista para “maneirar” nas acusações.

O deputado, que como advogado havia defendido Fábio inúmeras vezes em processos movidos por Gama e Silva, sentiu-se impedido de fazer um pedido daqueles e transferiu a incumbência para seu sócio, Alberto Simonetti, com quem dividia o famoso escritório jurídico “Paiva, Simonetti & Valois”.

Simonetti viajou para Brasília. Dois dias de conversas do “gordo”, desarmaram o espírito belicista de Fábio:

– Em homenagem a você, meu irmãozinho, vou guardar meu silêncio sepulcral sobre aquele verme! – garantiu o senador.

No dia da audiência do governador, que seria às três horas da tarde, Fábio faria seu primeiro pronunciamento no Senado. Ele mostrou a Simonetti o texto que iria ler, chumbo grosso sobre o momento econômico do país. Nenhuma linha sobre o almirante.

Como Simonetti tinha uma audiência em Manaus, no mesmo horário, Fábio e seu motorista, o famoso “Onça”, foram deixar o advogado no aeroporto por volta das 11h da manhã. Enquanto esperava o vôo, Simonetti insistiu no assunto:

– Porra, Fábio, pela nossa amizade, não vai me mudar o discurso. Esquece a porra daquele almirante. Procura evitar beber...

– Prometi à minha mãe, dona Otília, que não colocaria mais uma gota de álcool na boca! – garantiu o senador.

– E esse negócio aí que você está bebendo nessa garrafinha plástica? Isso é suco de groselha? – insistiu o advogado.

– Não, meu querido, isso é um remédio amargo pra chuchu. Como estou no período de desintoxicação alcoólica, meu médico receitou uma dose de Campari de seis em seis horas. Mas isso não deixa ninguém de porre! É amargo que só a moléstia! – explicou.

Simonetti se despediu dos dois e embarcou para Manaus, onde realizou a sua audiência. Por volta das cinco da tarde, recebeu um telefonema de Félix Valois, que estava puto da vida:

– Porra, gordo, você não falou com o Fábio não?...

– Falei, demônio, claro que falei! – explicou Simonetti. “Ele até me mostrou o texto que ia ler no Senado... Era um negócio sobre economia, esculhambando o Fundo Monetário Internacional...”

– Puta que pariu, gordo, ele fez a maior cagada. O governador estava no meio da audiência quando entrou um ajudante-de-ordens do presidente Figueiredo e cochichou alguma coisa no ouvido dele. O general se virou para o governador e disse: “Olha, governador, infelizmente eu vou ter que suspender a nossa reunião. Tem um sujeito lá do seu partido esculhambando com um oficial superior da Marinha no plenário do Senado, dizendo que o sujeito cometeu crime de contrabando. O ministro da Marinha, almirante-de-esquadra Maximiano da Fonseca, está irritadíssimo porque as acusações atingem a Marinha. Assim não dá!”. Dito isso, ele levantou-se e foi embora. O governador Mestrinho está uma fera até agora. Porra, isso não é coisa que se faça...

Foi a vez de Simonetti enlouquecer de raiva. Ele passou o resto da tarde telefonando para o apartamento de Fábio Lucena, em Brasília. Conseguiu falar com o senador por volta das 10h da noite.

– Bonito, né, meu senador? Você me promete uma coisa e faz outra... – disparou o advogado.

Com a voz enrolada, de quem havia entornado todas, Fábio resolveu se explicar:

– Olha, meu irmãozinho, não foi nada disso. Eu te deixei no aeroporto e vim pra casa, para rever minhas anotações, mas aquele remédio não estava fazendo nenhum efeito. Aí, eu resolvi mudar pro uísque. Na hora em que o Onça chegou, para me levar para o Senado, tive uma visão. Meu falecido pai apareceu diante de mim e disse “Fábio, não perdoa esse homem!” Eu não ia desobedecer meu honrado pai, né, não, meu irmãozinho?...

No dia 25 de março de 1983, Fábio retornou ao Senado e fez um novo pronunciamento, mais incisivo do que o primeiro, que resultou no livreto “Nas águas do contrabando”.

Ele provou, com documentos, que Roberto Gama e Silva, em 1973, quando era capitão-de-fragata e servia na Comissão Naval Brasileira de Washington, adquiriu por compra, na Alemanha, um automóvel Mercedes Benz, tipo 230/6, no valor de U$$ 7,834.94, e o transportou para o Brasil sem pagar os impostos devidos. Mais tarde, depois de uma série de maracutaias envolvendo os Detrans do Rio de Janeiro, Brasília e Manaus, o carro foi “nacionalizado” e vendido pelo referido militar à Coencil, em dezembro de 1980. Fábio exigia uma punição exemplar para o militar.

No dia 12 de março de 1984, conforme publicado no Diário Oficial da União, o general Figueiredo dispensou Gama e Silva de servir na Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional e o exonerou da presidência do Grupo Executivo para a Região do Baixo Amazonas (GEBAM). Em maio do mesmo ano, Gama e Silva foi transferido para a reserva.

A nova geração pode não saber ou intuir a perda, mas o saudoso senador Fábio Lucena era pop e não poupava ninguém. Se existir mesmo o outro lado do espelho, ele e Simonetti devem estar morrendo de rir e recordando essas e outras presepadas.

Carta aberta ao governador Eduardo Braga


Por Armando de Paula (*)

Senhor Governador do Amazonas, Eduardo Braga:

Apelo à força política aglutinada democraticamente em suas mãos, como última instância na busca de ver estabelecer-se definitivamente em nosso Amazonas, pelo menos o nascimento oficial de sua própria cultura, uma vez que ela ainda não foi sequer reconhecida como existente, de modo a ser tratada como tal.

Faço isso na esperança de não precisar “queixar-me ao bispo” como tenho sido ironicamente aconselhado a fazer, como se o Amazonas fosse terra de ninguém, ou ainda estivéssemos no começo do século e a borracha, a ópera, os coronéis de barranco e as prostitutas parisienses ainda estivessem na moda.

Não é de hoje que observo o vai e vem das ambições mais diversas correndo célere em seu fazer daninho e, como vampiros, ano a ano, a sugar a vitalidade singular de nossa cultura legitimamente amazonense, nascida dos anseios culturais da população, através de seus artistas, sensíveis antenas e arautos que, captando o momento psicológico das multidões e se expressando livremente, contribuem grandemente para sua evolução e progresso, isso desde que a civilização existe.

Muito se tem esperado do Amazonas em termos culturais, no Brasil e no mundo. Quem somos nós pelo que expressamos? Qual é nossa verdadeira identidade? Quem poderá dizer?

Alguns anos atrás, certo governador, por ignorância ou indiferença, afirmou que no Amazonas não havia arte e cultura, que a única coisa que reconhecia era o Festival de Parintins como expressão cultural. Menos mal, considerando-se que os tambores desse movimento já encontravam eco no coração de nossa gente. Assim, ele, em sua “macro visão”, iria promover a grande revolução cultural.

Desse modo resolveu sem nenhuma consulta, nenhuma pesquisa, nenhuma investigação aos legítimos valores culturais da nossa terra, importar o que havia de mais imponente e pomposo na cultura européia, e implantá-lo verticalmente no juízo da população, como quem pretende a golpes de machado abrir caminho para novas idéias. É o velho método “goela abaixo”, bastante popular no Amazonas entre os que chegam ao poder. Será que ninguém ainda pensou no descabimento de um festival de samba na Chechênia?

Quero deixar claro que não sou contra nenhum tipo de manifestação cultural, pois, como artista, busco constantemente evoluir para uma compreensão mais elevada, que me conduza a uma superior apreciação da vida, o que inevitavelmente me leva a um profundo respeito ao papel que cada um desempenha em cada canto de nossa imensa aldeia global.

Serão sempre bem vindas, para nosso deleite e crescimento espiritual, toda e qualquer expressão cultural de qualquer parte do Mundo, que, como aves viajantes visitem sempre nosso quintal, em alegre algazarra por nossos pomares.

O que não deve acontecer por uma simples questão de coerência é permitir que tais aves numa forçosa migração predatória façam seus ninhos em todos os galhos de todas as árvores comendo todos os frutos de nosso viveiro, impedindo até que possam cantar nossos passarinhos.

Questiono, com isso, inclusive a falta de equilíbrio da balança do direito social, constitucionalmente estabelecido, sabedor que de que o Amazonas possui não apenas uma vasta biodiversidade, mas também uma enorme sociodiversidade.

Menciono o acontecimento, simplesmente porque desde então, a Expressão Amazonense sofreu um golpe ainda maior que a indiferença já praticada, que foi o prejuízo de uma comparação desleal aos olhos de nossa gente.

De um lado, a “pomposidade” dos elementos alienígenas importados, ancorados na aparência de grandes e cintilantes eventos, que não traduzem sentimentos de empatia e senso de identificação necessárias, própria da arte produzida e nascida dos anseios do próprio povo, sendo que tais manifestações ganharam o direito de ter milhões de reais à disposição para sua inteira realização.

Do outro a, aparência tímida e acanhada de nossos melhores esforços em nossas manifestações culturais, que não parecem atingir sequer o status de diversão casual, devido à falta do glamour que só o dinheiro pode patrocinar, o que justamente a Expressão Amazonense não tem, desde tempos que já se perdem.

O que é oferecido como forma de apaziguar os ânimos (uma espécie de “cala boca”), enquanto vai se empurrando a cultura com a barriga, se compara às migalhas atiradas de uma lauta mesa, que além de não saciar a fome e sede do pedinte, ainda o aprisiona na humilhante situação de mendigo.

Ora, que elemento vigoroso é esse que brota do seio povo e explode numa canção popular, levando todos a cantar pelas ruas da cidade sua alegria e orgulho de pertencer a uma determinada cultura, como faz por exemplo o povo baiano? Trata-se neste caso da “expressão baiana”! Com cara e jeito de baiano!

Como não poderia deixar de ser, é o artista baiano celebrando sua liberdade de expressão, plenamente identificado com os anseios culturais de sua gente, num transbordamento cultural tão intenso que subjuga fronteiras, a ponto da mesma ser exportada, estudada e até imitada em diversos lugares do mundo! E qual a diferença desta para a expressão amazonense? P R I O R I D A D E !!!

Senão por algumas iniciativas demagógicas ao longo desta insólita trajetória, o artista amazonense sempre encontrou grandes obstáculos ao seu fazer artístico. Além do desprezo do qual falamos, ele tem que remar muito para atravessar o rio volumoso da burocracia, colocado ali como uma ameaça perene a testar as últimas fibras de sua resistência.

Ele compete duramente para conseguir uma mísera pauta para exercitar seu labor artístico, mostrando seu trabalho em algum canto desprestigiado e sem a publicidade adequada, ou até em lugar mais sofisticado, porém sem poder realizar com um mínimo de condições a apresentação de sua arte por falta de recursos.

Essa situação produz uma constante e angustiosa frustração geral, tanto nele que produz, como em quem assiste, dando largas à visão de que o artista amazonense é preguiçoso e incompetente, e a expressão amazonense é uma quimera; o que significa ainda dizer que no Amazonas realmente não tem arte e cultura: “Necessário importar!”

Depois de realizar seu show, ele é obrigado a transitar em diversos departamentos para por em dia a papelada, para receber a ninharia imposta por uma tabela aviltante, que ele é obrigado a aceitar se quiser continuar vivo como gente e como artista, tendo ainda que esperar ansiosamente por meses até receber. Louvo o profundo heroísmo desses corações intrépidos, pura inspiração para mim!

Todo esse comportamento surpreendentemente rude dos setores no comando do Estado à nossa prata da casa, se choca escandalosamente com o tratamento dispensado à quem vem de fora patrocinado pelo governo, quando a coisa lhe interessa.

O artista já chega com um bom cachê garantido, imediatamente pago, sem burocracia ou qualquer embaraço, numa demonstração clara quanto ao senso de prioridades de quem hoje conduz o leme desse barco sem quilha, há muito navegando ao sabor das conveniências pessoais de uns e outros.

E para provar vou narrar aqui o mais recente episódio onde as máscaras caíram e não é possível mais ignorar a declarada posição do governo em relação à nossa cultura: há dois na SBPC de Belém, o senhor, como autoridade máxima em nosso Estado, convidou a SBPC para se reunir no Amazonas que aceitou e escolheu para esta reunião, o tema “Amazônia – Ciência e Cultura”, realçando a importância da atividade cultural como parte inalienável do evento deste ano.

Mas aí entrou a politicagem, a vaidade, as intrigas, a sabotagem e o desprezo pelos artistas locais e tudo foi “por água abaixo”, carregado pela enchente do descaso governamental, conforme já foi amplamente denunciado pelo pesquisador do INPA William Nazaré.

O Governo do Amazonas tem o dever moral de pelo menos dar uma explicação aos artistas e à sociedade amazonense do porque dessa discriminação absurda contra os nossos valores culturais legítimos colocando em xeque até o bom-senso, senão à própria sanidade de quem nos governa.

Incrível, mas tudo isso acontece justamente quando o governo se prepara no maior descaramento para gastar a rodo num descabido festival importado de Jazz, dizendo que não tem dinheiro para apoiar nossa cultura.

Aqui expresso meu desabafo, impelido pela mais pura necessidade, na esperança de um dia poder livre e consubstancialmente oferecer meu trabalho a apreciação geral e dele viver com dignidade, distante do perigo de descambar pelo caminho do alcoolismo e da auto-destruição como tenho visto nos meus 30 anos de fazer artístico na vida de muitos hoje à margem do caminho. Ou até quem sabe ser passível de coisa pior: transformar-me em funcionário público e esquecer de vez meu sagrado compromisso com a arte, ilhado geográfica e culturalmente nesse imenso rincão.

Assim, se para mais nada servir este manifesto, expressão legítima de uma dor, seja ele um marco histórico no desenvolvimento cultural de nossa tribo. Que todos saibam que um dia alguém disse não a esse estado de coisas, especialmente às futuras gerações que ávidas de desenvolvimento haverão de questionar o atraso.

Possa ele por outro lado sinalizar a luz da aurora de um novo tempo. Tempo de resgate e sedimentação de nossa legítima expressão amazonense, que nada mais é do que nossa voz alegre e consciente, potente e vibrante, partindo a plena confiança de nossos saudáveis corações, anunciando ao mundo que no Amazonas existe vida inteligente, criativa, responsável e competente, apta a administrar o imenso patrimônio natural do qual é dona, em benefício de suas gentes, as gentes de todo mundo, e assim poder dizer sem os artifícios da propaganda demagógica, sim, eu tenho orgulho de ser amazonense!

(*) Armando de Paula é compositor, cantor, músico, produtor fonográfico e agitador cultural – além de meu amigo de infância

quinta-feira, julho 09, 2009

Barrados no baile ou a vitória da estupidez, da mediocridade, da ignorância, da pequenez, da insensatez, da desfaçatez, whatever


Recebo este e-mail indignado do competente William Nazaré, atual presidente da Associação dos Pesquisadores do Inpa (ASPI), que desde já tem a minha solidariedade irrestrita. A esculhambação rouberiana, dessa vez, passou dos limites. Um nojo, simplesmente, um nojo!

Sintam o drama:


A partir da próxima segunda-feira, Manaus será, por uma semana, a capital da Ciência e da Cultura do Brasil. Isto porque estará sendo realizada no campus da Ufam a 61ª. Reunião Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), evento que reunirá cerca de 15 mil pessoas diariamente e dezenas de sociedades científicas do Brasil e Exterior.

A SBPC é uma entidade sexagenária e conhecida por ser “uma sociedade com princípios” e dela podem participar cientistas, técnicos, profissionais, amigos da ciência, estudantes, pessoas dos mais diversos interesses, mas que acreditam na importância da ciência. A entidade publica a revista “Ciência e Cultura”, a mais antiga revista científica do Brasil. Durante a ditadura militar, as reuniões da SBPC foram palco privilegiado para classes, entidades e pessoas que não podiam se manifestar livremente.

Há dois anos, na SBPC de Belém, o Governador do Amazonas, Eduardo Braga, convidou a SBPC a se reunir em Manaus. A SBPC aceitou o convite e colocou como tema desta reunião “Amazônia – Ciência e Cultura”, refletindo a importância da atividade cultural que é o segmento da economia que mais cresce em todo o Mundo, bem como dado o fato de que a Amazônia e seus 25 milhões de habitantes sempre são vistos na mídia associados ao desmatamento, queimadas, garimpo, prostituição infantil e pobreza.

Dentro das reuniões anuais da SBPC existem diversos fóruns e atividades dentre as quais se destaca a SBPC Cultural que tem o objetivo de mostrar a cultura do Estado anfitrião. Pois bem, este ano, na reunião de Manaus, quando o tema é justamente “Amazônia – Ciência e Cultura”, a SBPC Cultural foi simplesmente cancelada.


Por que a SBPC Cultural foi cancelada?

Desde janeiro os dirigentes do Movimento Cultural Uakti (da Associação dos Pesquisadores do INPA - ASPI), tomaram conhecimento de que a reunião da SBPC este ano seria realizada em Manaus, com o tema “Amazônia – Ciência e Cultura”. Vislumbraram aí uma ótima oportunidade para que os artistas do Amazonas (e da Amazônia) pudessem apresentar seus trabalhos a um público altamente qualificado (formadores da opinião pública).

A ASPI não é leiga no assunto: há 20 anos mantém um movimento cultural denominado Projeto Cultural Uakti (que reúnem no mesmo palco diversas artes: música, poesia, artes plásticas, cênicas, dança, artesanato, expressões afro-brasileiras, entre outras) que tem o objetivo de unir Ciência e Cultura.

Desde 2006, a ASPI mantém o “Projeto Memória da Ciência e da Cultura na Amazônia”, que já produziu oito documentários em vídeo e reuniu um dos maiores acervos fotográficos de artistas e cientistas da Amazônia.

Assim, com a colaboração de professores da Ufam e de muitas cabeças e mãos de artistas, produtores e profissionais ligados à cultura, a ASPI, como contribuição ao enriquecimento do evento, elaborou uma grade de programação digna de receber os visitantes e a própria população do Amazonas.

Alguns dirigentes da SBPC se apaixonaram pela programação e inclusive ofereceram passagens aéreas para trazer um representante de cada Estado da Amazônia para interpretarem canções de suas terras (foram convidados e aceitaram participar do evento: Sebastião Tapajós, Nilson Chaves, Sérgio Souto, Zé Miguel, Eliakin Rufino. Só faltou convidar o Bado, de Rondônia). A direção geral seria do premiado diretor de teatro e cinema, Darci Figueiredo (SP).

O que norteou a programação proposta foi: 1) Mostrar a diversidade e a riqueza da produção cultural dos artistas amazonenses; 2) Propiciar uma reflexão sobre a situação dos artistas da Amazônia e de seus ofícios. Essa programação, que reúne mais de 500 artistas, chegou a constar na página da SBPC na Internet e 10 mil folderes estavam sendo impressos para constar nas pastas distribuídas aos participantes do evento.

Era a “Semana de Cultura da Amazônia” que pretendia reunir diariamente alguns dos melhores músicos instrumentistas (inclusive indígenas); dança contemporânea; música popular (shows “Encontro das Águas e dos Poetas” e “Os rios da minha Aldeia”); performances teatrais; teatro de bonecos; apresentação de corais; expressões afro-brasileiras (capoeira, Tambor de Crioula, côco, afoxé, samba-de-roda); resgates culturais (música de beiradão, carimbó); mostra de toadas dos bois de Parintins; sambas-de-enredo (o INPA e a UFAM já foram temas das escolas de samba. Homenagem à Banda da Bica); uma mostra dos melhores grupos do 43º. Festival Folclórico do Amazonas (quadrilha, cangaço, ciranda, boi-bumbá de Manaus, dança internacional palestina); coletiva de artes plásticas, exposição de fotografias (“Os trabalhadores da Amazônia”); mostra de filmes e documentários; homenagem e releitura da obra do compositor Chico da Silva (o pandeirista lá de cima, no traço inconfundivel do Elvis).

Além disso, 10 performances diárias seriam apresentadas nos intervalos do almoço nas cinco faculdades onde estão concentrados os eventos da SBPC, mostrando a arte e os instrumentos musicais indígenas, grupos instrumentais, performances de teatro e expressões afro-brasileiras.

Mas aí entrou a politicagem, a vaidade, as intrigas, a sabotagem e o desprezo pelos artistas locais e tudo foi por terra. Nem vale a pena relatar quem deixou de fazer o que, pois muitas das autoridades públicas envolvidas nem merecem ser citadas.

O certo é que o governo do Amazonas se omitiu, permitindo que a oportunidade fosse perdida, deixando a arte e a cultura local, mais uma vez, do lado de fora de uma das mais importantes reuniões da América Latina realizada aqui na nossa casa.

Nesse momento, os responsáveis pela exclusão dos artistas da programação da SBPC Cultural estão contatando os artistas de Manaus para que trabalhem de graça aviltando a profissão. Dizem que eles poderão ganhar seus “cachês” vendendo seus CDs.

Por que então não convidam grandes estrelas como Gilberto Gil para virem cantar de graça e ganharem apenas com a venda eventual de seus CDs? Os artistas precisam se valorizar. Artista também come, fica doente, paga conta de luz.


Lançamento do Fórum de Cultura da Amazônia

Diante dessas circunstâncias, a ASPI e o Movimento Cultural Uakti estão convidando todos os artistas, produtores e promotores da cultura e a mídia amazonense a comparecerem para o lançamento do Fórum Permanente de Debates da Cultura da Amazônia (Fórum Amazônia de Cultura) a se realizar amanhã, sexta-feira, a partir das 18h na sede da Associação dos Servidores do INPA – Assinpa (Rua da Lua, Conjunto Morada do Sol, aleixo).

Todas as entidades de classe, artistas, produtores e grupos ligados à cultura estão convidados. Os músicos Sérgio Souto (Acre), Nilson Chaves (o violonista aí de cima, do Pará), Zé Miguel (Amapá) e o poeta e músico Eliakin Rufino (Roraima) já estão confirmados.

Depois da criação do Fórum, haverá o show de lançamento do CD “Palco Brasil”, às 21h00, do radialista Sousa, um dos que mais prestigiam a música amazônica em Manaus.

No blog do Rogelio Casado você pode tecer considerações a respeito da cultura da Amazônia e do cancelamento da SBPC Cultural (http://rogeliocasado.blogspot.com/2009/07/amazonas-exclusao-cultural.hmtl)

Alguns dos artistas que ficaram do lado de fora da SBPC Cultural

É longa a lista dos artistas que vão deixar de mostrar seus ofícios na SBPC Cultural. Alguns ainda sequer tinham sido contactados devido à insegurança trazida pela falta de apoio do Governo Estadual, mas eles certamente iam fazer bonito.

Música Instrumental – Clélio Diniz, George Jucá, Cláudio Abrantes, Grupo B Quadro, Grupo Remanso; Grupo Instrumental indígena Dessana, Grupo Indígena Saterê; Maestro Adelson Santos; Maestro Élson Johnson.

Dança Contemporânea – Grupo de Dança do Amazonas (GEDAM), Cia de Dança Balé da Barra; Grupo Uaetê; Grupo Índios.com; Experimental Cia de Dança; Núcleo de Dança do IEA.


Show “Encontro das Águas e dos Poetas” – Show em três dias apresentando 27 canções com a temática água com letras de poetas da Amazônia. Poetas, compositores e intérpretes: Alcides Werk, Aníbal Beça, Élson Farias, Luiz Bacelar, Eliakin Rufino, Thiago de Melo, Liduína Moura, Celdo Braga, Chico da Silva, Natasha Andrade, Regina Melo, Arnaldo Garcez, Eliberto Barroncas, Armando de Paula, Torrinho, Antonio Pereira (o menestrel aí de cima), Célio Cruz, Gonzaga Blantez, Roberto Dibo, Mário Jackson, Candinho e Inês, Décio Marques, Lucilene Castro, Fátima Silva, Márcia Siqueira, Salomão Rossy, Cristina Oliveira, Lucinha Cabral, Maca, Jr. Rodrigues, Zezinho Cardoso, Ketlen Nascimento, Serginho Queiroz, Zezinho Correia, Lúcio Bahia, Jorge Edu, Vitor França, Shirley Sol, Jeol, China, Ítalo Gimenez, Stanley, Dino, Gilson, La Bamba, Jadão, Gaúcho, Valdez, Léo Pimentel, Mariozinho, Jr. Do Sax.

Show “Os rios da Minha Aldeia” – Nilson Chaves, Sebastião Tapajós, Sérgio Souto, Bado, Zé Miguel, Eliakin Rufino, Neuber Uchoa, Aroma, Zeca Preto.

Boi de Parintins – David Assayag, Arlindo Jr. (mais banda e dançarinos)

Samba de Enredo – Bateria Jovem da Vitória Régia (mais puxadores e abre-alas)

Teatro/Bonecos – TESC, Nonato Tavares, Coia, Adrine Feitosa, Delson Mota, Denis Sales, Paulo Mamulengo

Expresões Afro-Brasileiras/Reggae e Rock – Mestre Castro (Mestre Nacional de Cultura - Tambor de Crioula); Grupo Pela Margem, Grupo do Caroço, Grupo Cileno e Banda, Grupo Escada sem Degrau, Grupo Casulo, Movimento Muiraquitã, Jonh Jack Mesclado, Essence, Banda Basic.

Danças Folclóricas – Cinco grupos ficaram de fora.

Homenagem a Chico da Silva – Cinco intérpretes e uma banda base deixarão de trabalhar na SBPC Cultural.

Resgates Culturais – Cinco músicos trabalhavam no resgate da música de beiradão que faria uma releitura das obras de Teixeira de Manaus, Cheiro-Verde, Chico Caju e Pinduca.

Mostra de Corais – Três corais trabalhavam obras do Maestro Waldemar Henrique.

Artes Plásticas – 20 artistas plásticos novos e consagrados iriam expor suas telas.

Exposição de Fotografias – Duas exposições “Os trabalhadores da Amazônia” e “Biodiversidade dos arredores de Manaus”.


Agora, respondam sinceramente: é ou não é de dar nojo?