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terça-feira, julho 28, 2009

As voltas que o mundo dá...


Recebi este e-mail do Edilson Martins no dia 22 de julho, mas como o mocó estava fora do ar, só agora estou postando. So sorry! (SP)

Ontem, terça-feira, 21 de julho, eu e a torcida do Flamengo, tomamos conhecimento, via todas as mídias, da chegada ao país, do último exilado político do Brasil, o ex-marinheiro Antônio Geraldo da Costa.

Membro da Aliança Libertadora Nacional (ALN), criada por Carlos Marighela, Antônio, hoje com 75 anos, fazia parte da tropa de choque da organização. Tropa de choque, o chamado grupo armado, era o pessoal da pesada, das ações de desapropriação, do recolhimento de recursos - assaltos a banco -.

Até aí nada de novo. Novo é a cobertura que a mídia, tanto nacional como a estrangeira, está dando a esse retorno, e por uma curiosa singularidade; apesar de decorridos 40 anos desde sua fuga do Brasil, e tendo a Ditadura acabado há quase 25 anos, ele se recusava a retornar por temer não ter ela acabado. Leitura imediata; louco de carteirinha. Nada mais correto; aparentemente.

Ele pode alegar, caso venha a ser indagado, e não são poucos os que o farão, que “gato escaldado tem medo de água fria”. Os anos de clandestinidade devem lhe ter ensinado essa dura verdade.

Antônio pode, ainda na mesma linha de defesa, recordar que “o seguro morreu de velho, mas o desconfiado está vivo.” Só que vai, em verdade, enfatizar mais ainda a desconfiança geral. A opinião pública, hoje classificada em a,b,c, e d, de certo modo, nunca foi generosa e nem perdoa nada.

Seus companheiros de luta no passado, os que sobreviveram, podem até mesmo recorrer ao militar japonês que até recentemente mantivera-se escondido, pelas mesmas razões, acreditando não ter acabado a 2a Grande Guerra.

De tal forma que se amenize essa leitura, e não venha Antônio a ser classificado simplesmente como um paranóico transitado em juízo, um perseguido eterno, um maluco fora dos eixos, recorrendo a esta redundância.

Como um ex-marinheiro, pode-se questionar, depois das formas mais abomináveis de covardia humana que é a tortura, da qual ele foi vítima exponencial, consegue escapar do trucidamento, vai para a Suécia, em l969, casa, tem filhos, constitui família e 40 anos depois continua vivendo sob o terror da perseguição?

Terror tão cruel que mesmo tendo sido dobrado, vamos reconhecer que de forma definitiva nunca, continua dobrando sua alma, sua espinha, toldando seus sentimentos. Não vamos nem mencionar Frei Tito, porque aí essa história fica perversa demais.

A leitura do cidadão comum, do sujeito que na esquina comprou o jornal hoje, leu a notícia, ou do outro surpreendido pelo telejornal não pode ser diferente; esse cara virou maluco de carteirinha.

O que eles não sabem é que Antônio, como tantos outros companheiros de seu tempo, apostaram, alguns morreram, outros como ele ficaram eternamente marcados, apostaram no fim do terror. E não foi luta em vão, como querem alguns.

E nos deram este o país maluco de hoje, onde apesar de todos os percalços, dos Sarney, dos Romero Jucá, dos Collor, dos Renan Calheiros, da corrupção impune e generalizada, de um PT que nos faz corar, mesmo assim se respira e pratica a Liberdade. E só sabem o que isso significa os que viveram sua interdição.

E onde entro eu na porra dessa história? É que vendo a foto fui picado pelo diabo da memória, memória cruel, tantas vezes.

Paro de escrever veleidades literárias, não tenho feito outra coisa ultimamente, e com tanto prazer, e o diabo da foto volta a infernizar os meus olhos, e já agora minha memória.

Caramba, matei a charada. Antônio Geraldo da Costa era o Tigre, seu codinome de guerra, um Neguinho moleque, ruidoso, que hospedei, melhor dizendo homiziei em meu conjugado da rua Sousa Lima, em Copacabana, nos idos de 68 e 69, e todo o seu grupo.

Eu era um abestado estudante da Filosofia, da Universidade do Brasil, atual UFRJ, com os olhos abertos e nenhuma história para contar, como faço agora, perplexo diante do mundo, recém-chegado dos confins da Amazônia, Acre, onde o vento fazia a curva e o diabo teimava sempre aparecer.

Apesar de toda essa alienação, estupidez e caipiragem, tive o privilégio de hospedar Tigre e seu grupo, que passavam os dias realizando assaltos armados, elaborando mapas, estudando rotas de fuga, enfim, infernizando a vida homens que faziam a ditadura existir e merecer esse nome.

À noite dormia com eles todos, não enxergando, nem entendendo direito em que tudo aquilo iria dar. Dos riscos eu sabia, só não sabia a estupidez que é a tortura, onde logo depois de me despedir de Tigre e sua animada gente, eu também conheceria.

Enfim, só pra terminar. Ninguém tem o direito de rir da loucura de Tigre. Ela é loucura de Dom Quixote, do Rei Lear, a loucura dos visionários, a loucura que torna o homem possível, enfim, a loucura que ajudou a libertar o país.

Sem ela talvez tivéssemos, quem sabe, até hoje, uma ditadurazinha amena, com alguns direitos, que o mundo já tanto nos mostrou, mas sem nunca deixar de ser Ditadura.

Só pra terminar; não vale a pena, não é honesto, rir da loucura do Tigre.

Edílson Martins

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