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terça-feira, julho 28, 2009

Uma semana pra ser esquecida


O professor universitário e poeta Narciso Lobo

O mocó ficou fora do ar por uma semana em virtude de um vírus classe 2F (de fuderoso fodão!) ter se instalado sorrateiramente no meu PC e praticamente corrompido metade do HD em menos de 48 horas. Até agora ainda não descobri de que pen drive fuleiro ele saiu.

Se não bastasse essa desgraceira toda, mais dois queridos amigos atravessaram o espelho de Alice quase ao mesmo tempo, na semana passada: os poetas Narciso Lobo, 59, e Marcos Figueira, 48. Que merda!

Conheci o Narciso Lobo no início dos anos 80, quando fundamos o PDT e ele se tornou um dos militantes mais orgânicos do partido, participando ativamente de todas as reuniões semanais.

Eu já o conhecia da antologia “Ebulição da Escrivatura – 13 poetas impossíveis” (Editora Civilização Brasileira, 1978), em que ele, Salgado Maranhão, Sergio Varela, Gil Savalho, Marcos Athayde e outros realizaram a suprema façanha de curtir a “poesia marginal” sendo publicada, pela primeira vez, por uma grande editora.

Eram do Narciso esses versos: “amigos, atenção, não sei mais/ o que pretendia dizer./ por certo um poema/ sintético direto simples urbano./ então me vem à lembrança:/ está em cima da hora. devo ir à cidade/ vou enfrentar engarrafamentos / inclusive de ordem política.”

Em uma das reuniões do PDT, ali na Lobo D’Almada, ao lado do Bar Construção, ele me presenteou com o livreto “Amazona” (capa branca, com a palavra “Ama” em vermelho chapado, e “zona”, em vermelho vazado), de sua autoria. Foi por meio dele que conheci a poesia de Samaral, Touchê, Lucia Villares e mais uma pá de gente.

Em 1985, eu, ele, Antonio Paulo Graça, João Bosco Ladislau e Rogelio Casado começamos a editar o jornal “Caboclo”, do escritor Rui Sá Chaves, e, posteriormente, nos tornamos colaboradores full time do Suplemento JC, do Jornal do Comércio, que passou a ser editado pelo Narciso, a partir de 1987, com a direção de arte sob os cuidados do cartunista J. Rosha. A fuzarca durou até 1989, quando nos bandeamos para o Amazonas em Tempo.

Nos anos 90, continuamos a nos ver com uma certa freqüência, principalmente durante os inesquecíveis “sabaníbal”, na casa do poeta Aníbal Beça, mas, depois da morte do Antonio Paulo Graça, em 1998, Narciso entrou numa espécie de hibernação voluntária. Deixou de circular pelos bares por onde eu andava e dedicou-se à sua carreira acadêmica na Ufam.

Nessa nova década, falei com ele apenas duas vezes: nas posses do Aníbal Beça e do Aldisio Filgueiras na Academia Amazonense de Letras. Apesar de nosso distanciamento involuntário, ele continuava o mesmo sujeito afetuoso, cordato, bem humorado e solidário de sempre.

Há uns três meses, logo após a morte do jornalista Sebastião Reis, perguntei a respeito dele pro psiquiatra Rogelio Casado. Rogelio me falou que Narciso havia sofrido um AVC e que estava muito debilitado, na clínica Santa Júlia.

Durante o tributo ao Joy Division, na Livraria Valer, em junho, perguntei do poeta Tenório Telles como estava a situação dele. Tenório explicou que Narciso havia saído da clínica e estava na casa de uma irmã, mas que ela impedia qualquer visita ao doente.

Soube depois, por terceiros, que ele estava muito amargurado por causa da aids e que definhava a olhos vistos. Talvez, de repente, a morte tenha sido um alívio.

Se a morte do Narciso me chocou pelo absurdo, a do jornalista e poeta Marcos Figueira me chocou pelo inesperado. Segundo o poeta Zemaria Pinto, que o acompanhou em suas últimas semanas de vida, ele tinha um tumor cerebral há quase um ano – sem sequer suspeitar da existência do maligno. A operação foi realizada na quinta-feira, no hospital João Lúcio. No pós-operatório, seu coração não resistiu.


Marcos Figueira (de camiseta branca) durante o preparo do vegetal no CEUDV

Há vários anos, Marcos apresentava o programa “Nossa Cultura”, nas manhãs de domingo, na rádio Rio Mar, dedicado exclusivamente aos ritmos regionais, que tinha audiência até na Espanha. Ele também participava voluntariamente de oficinas de radiojornalismo nas comunidades mais carentes da cidade com o intuito de “dar voz àqueles que não tem vez” por meio de rádios comunitárias.

No final de junho, ele esteve aqui em casa para discutir a captação de novos patrocínios para o programa de rádio, que era sua verdadeira paixão, mas acabamos conversando longamente sobre uma nova religião huasqueira surgida em Cuiabá (MT), que propõe a junção dos ensinamentos das três religiões principais: UDV, Santo Daime e Barquinha.

Marcos era mestre huasqueiro da UDV e foi com ele que, no começo do ano passado, tive minha primeira experiência com o vegetal, aqui em casa. Depois, voltei a tomar mais uma vez, no hotel São Marcos, em Manacapuru, onde passamos dois meses juntos, trabalhando na campanha pra prefeito do deputado Ângelus Figueira.

Eu o conheci no início dos anos 90, durante uma feira de poesia no Espaço Cultural Mar Azul, ali na Alvorada. Depois, quando fui trabalhar no Amazonas em Tempo, como editor de Cultura, em 1995, ele se transformou em meu braço direito – até porque era o único repórter da editoria.

Sai do jornal no final de 1996, mas aquele convívio diário nos havia transformado em bons amigos. Em 2000, quando fui trabalhar na campanha de reeleição do Ângelus, em Manacapuru, levei o Marcos junto, para fazer os programas de rádio.

De lá pra cá, em todas as campanhas políticas de que participei sempre dava um jeito de colocá-lo na equipe de rádio. Simultaneamente, ele fazia “frilas” para as revistas que eu editava. Sua última matéria, publicada na revista Amazônia Viva, era sobre o Centro Espiritualista União do Vegetal (CEUDV), criado por Mestre Asplinger, do qual ele fazia parte.

O jornalista Mário Dantas, que também participou da campanha do Ângelus em Manacapuru, disse que ouviu uma duas vezes o Marcos Figueira se queixando de uma estranha “dor de cabeça”, mas que supôs tratar-se de efeitos de alguma “ressaca mal curada”. Pra mim, particularmente, ele nunca falou nada. Nem pro radialista Renato Pitanga, que era seu chefe direto na produção dos programas de rádio.

A morte deles dois, sinceramente, me deixou meio baqueado. Ainda não tive coragem de fazer um inventário definitivo, mas estou quase convencido de que já tenho mais amigos do lado de lá do que do lado de cá. Que merda!

2 comentários:

Sayonara Melo disse...

Oi, Simão... vim me solidarizar com você. Sei da dor da perda de pessoas queridas, quem não passa por isso? Sei também o que é sepultar uma parte de si mesmo, que estas mesmas pessoas amadas levam embora consigo... embora eu particularmente acredite que não para todo o sempre. Grande abraço. Com Deus.

Unknown disse...

Olá, Simão! É com lágrimas que leio esta homenagem a estes dois homens que muito contrinuiram p/ a cultura do nosso Estado. Sou Amanda, namorada do Marcos na época desta tragédia inesperada, ainda lembro-me de cada momento feliz que passamos juntos e pode ter certeza que vc era um grande amigo dele. Sempre é bom relembrar a importância desses dois homens p/ nossa cultura, resgatando as nossas raízes e enaltecendo a Amazônia. O programa Nossa Cultura era a Menina dos Olhos do Marcos, sempre se empenhou p/ levar cultura ao nosso povo; outro projeto importante dele foi o Show Quitanda de Versos e Cantoria que foi realizado no Sesc em 2008, o resgate da música de raiz. Enfim, Felizes foram as pessoas que puderam conviver e vivenciar junto com ele seus ideais, hj resta a saudade de um tempo que não volta mais.
Abraços

Por Amanda Mesquita, ex-namorada de Marcos Figueira e acadêmica de Medicina da Ufam 8º período.