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segunda-feira, agosto 31, 2009

Edgar Allan Poe - literatura e revelação


No próximo dia 2 de setembro, às 18h30min, a Quarta Literária da Livraria Valer promoverá um encontro especial em homenagem ao poeta, contista, crítico literário e editor americano Edgar Allan Poe, que completa em 2009 dois séculos de nascimento e 160 anos de morte. Trata-se da palestra intitulada Edgar Allan Poe - literatura e revelação, que será proferida pelo escritor Cláudio Fonseca no Espaço Cultural da Livraria Valer (avenida Ramos Ferreira, 1195 - Centro).

Edgar Allan Poe (Boston, 19 de janeiro de 1809 - Baltimore, 7 de outubro de 1849) escreveu o famoso poema O Corvo, um dos mais traduzidos do mundo e deu início ao moderno romance policial com Os crimes da rua Morgue. Sua influência se estendeu à poesia simbolista, à ficção científica, ao realismo fantástico e ao romance policial moderno e psicológico.

Poe escreveu novelas, contos, poemas e crítica literária, exercendo larga influência em autores fundamentais como Baudelaire, Verlaine, Borges, Maupassant e Dostoievski. Os contos de horror ou góticos apresentam invariavelmente personagens doentias, obsessivas, fascinadas pelo mistério, dominadas por maldições hereditárias, seres que oscilam entre a lucidez e a loucura, vivendo numa espécie de transe, como espectros assustadores de um terrível pesadelo.

Entre os contos, destacam-se O gato preto, Ligeia, O coração delator, A queda da casa de Usher, O poço e o pêndulo, Berenice e O barril de amontillado. Os contos analíticos, de raciocínio ou policiais, entre os quais figuram os antológicos O mistério de Marie Roget, Os crimes da Rua Morgue e A carta roubada, ao contrário dos contos de horror, primam pela lógica rigorosa e pela dedução intelectual que permitem o desvendamento de crimes misteriosos.

Em seus contos, Poe se concentrava no terror psicológico, vindo do interior de seus personagens ao contrário dos demais autores que se concentravam no terror externo, no terror visual se valendo apenas de aspectos ambientais. Geralmente, os personagens sofriam de um terror avassalador, fruto de suas fobias e pesadelos, que quase sempre eram um retrato do próprio autor, que sempre teve sua vida regida por um cruel e terrível destino.

Em seus relatos, o delírio do personagem se mistura de tal maneira à realidade que não se consegue mais diferenciar se o perigo é concreto ou se trata apenas de ilusões produzidas por uma mente atormentada.Em quase todos os contos, sempre há um mergulho nas profundezas da alma humana, em certos estados mórbidos da mente, em recônditos desvãos do subconsciente. Por esses aspectos a psicanálise estudou a obra de Poe, uma vez que ela possui uma grande leva de exemplos que ilustram suas demonstrações.

Independentemente desse aspecto, sua obra é lembrada pelo talento narrativo impressionante e impressivo, pela força criadora monumental e pela realização artística invejável, fazendo com que Edgar Allan Poe seja considerado um dos maiores autores de contos de mistérios de todos os tempos e o primeiro verdadeiro crítico literário americano.

O palestrante

Cláudio Fonseca é economista, administrador e professor universitário. É pós-graduado em História e Crítica da Arte, Gestão da Qualidade e Gestão Estratégica Empresarial. Escreveu a peça de teatro Borges - A linguagem do Sonho, ganhadora do Prêmio Governo do Estado, em 2003. Na quarta literária já apresentou a obra de Mário Quintana, Jorge Luis Borges, Baudelaire e Franz Kafka. Cláudio Fonseca estará autografando a segunda edição de seu livro de poemas VITRAL, lançado pela Editora Valer.

sexta-feira, agosto 28, 2009

Parece que foi ontem...


César Abu, Jaques Castro e esse vosso escriba

No último sábado, meu brother Jaques Castro completou 55 anos bem curtidos. No cardápio, uma suculenta feijoada brasileira preparada no capricho pela quituteira Ângela Castro. Pro pessoal da diretoria – todos apreciadores da gastronomia de caça –, ensopado de tatu canastra, veado-mateiro assado na folha de bananeira e queixada (“porco do mato”) ao molho de vodka, todos preparados pelo chef Nelson Beruri. Não deu pra quem quis.

Entre os velhos amigos que prestigiaram o evento estavam Marcão, Menandro, Eliana Feijó, Renan Freitas Pinto, Stones Machado, Dermilson Chagas, Mestre Pinheiro, César Abu, Gigio Bandeira, Laerte Aguiar, Zé Guedes, Mario Dantas, Áureo Petita, Simas Pessoa, Miltinho, Cachito, Paulo Sérgio, Elesbão, Jurandir e Toinho. A banda Raio da Silibrina garantiu o alto astral do fuzuê, com seu repertório calcado no mais legítimo forró pé de serra nordestino.

Lá pelas tantas, depois de sete garrafas de cachaça de cabeça (tira gosto preferencial: caju e careta!), cinco garrafas de Red Label e umas sete grades de cerveja, bateu uma nostalgia disgramada e o aniversariante começou a se lembrar do tempo em que éramos todos jovens.


Zé Guedes, Stones Machado, eu e Jaques Castro

Filho do saudoso comerciante Humberto Castro, um dos mais poderosos ticoons de Cruzeiro do Sul (AC), Jaques era um playboy das antigas, que adorava destruir carros do ano em “pegas” alucinados e se aproveitar das donzelas incautas da cidade. Seu pai resolveu dar-lhe um corretivo e o despachou para Manaus. Ele foi trabalhar comigo e Engels Medeiros no Controle de Qualidade da Sharp do Brasil.

O papel do Jaques era pilotar um carrinho hidráulico de mão e levar os produtos (chassis da Fiação, chassis da Revisão Elétrica, chassis da Calibragem e aparelhos do Acabamento) para a gente analisar em busca de possíveis defeitos de fabricação. Essa tarefa era feita a cada uma hora, das 7 da manhã às 17h.

Como a gente apenas indicava o aparelho que queria analisar e cabia ao Jaques a tarefa de recolhê-lo (às vezes, ele precisava retirar 60 chassis de um lote até encontrar o escolhido e depois recolocar os 59 chassis de volta no lugar), os chefes de setores começaram a desconfiar que o aloprado acreano estava danificando os produtos.

Com uma semana na empresa, Jaques Castro já era o cara mais odiado pela produção, das montadoras aos chefes de setores. Só não foi demitido porque a gente tinha a última palavra e ele, realmente, era um trabalhador incapaz de se queixar dos xingamentos sofridos e das tentativas de agressão (que não foram poucas). Pra conhecer detalhes dessa história, clique aqui.

Depois de alguns meses, Jaques fez amizade com o César Abu, responsável por pilotar a jurássica máquina de telex da empresa e gerenciar uma das máquinas de xérox do setor administrativo, e os dois acabaram dividindo um “apartamento” no bairro da Glória. Por sugestão deles, algum tempo depois também acabei me incorporando à “república”, que, aliás, já possuía dois outros inquilinos.

O “apartamento” não passava de um ridículo quarto-e-sala, localizado em cima do forno de uma padaria, na Rua do Matadouro, no bairro da Glória, o que garantia uma temperatura ambiente constante em torno dos 35 graus, mesmo em dias de dilúvio.

Além de nós três, moravam no pardieiro o Ruy Johnny Mathis, funcionário da FUA, e “seo” Manoel Vicente, um comerciante português de 70 anos. Como o português passava a noite administrando um boteco nas imediações da igreja da Glória, a gente só se encontrava nos finais de semana.


Sharp do Brasil: do lado esquerdo, a fábrica de televisores. Do lado direito, o almoxarifado e o setor administrativo

Estávamos em 1975. Na época, a Sharp do Brasil era a maior empresa de produtos eletroeletrônicos do Distrito Industrial, com cerca de 5 mil funcionários distribuídos em quatro plantas: fábrica de calculadoras, fábrica de aparelhos de som, fábrica de televisores e almoxarifado central, onde ficavam, também, os setores administrativos e os departamentos auxiliares de produção.

Dos 5 mil funcionários, 4.500 eram mulheres. Dos 500 machos, 400 eram operários. Os demais eram técnicos eletrônicos (uns 50), pessoal administrativo (uns 30) e chefias e gerentes (uns 20). Em termos de precedência hierárquica para abater lebres, nós, os técnicos eletrônicos, só estávamos abaixo das chefias e gerentes. Quer dizer, era que nem pescar em bilha.

O ritual era quase sempre o mesmo. Por volta das 4h da tarde da última sexta-feira do mês, o Chefe de CQ da Sharp do Brasil, o engenheiro egípcio Ali Ahmed, nos chamava em sua sala, nos entregava um envelope pardo e a gente assinava uma folha de pagamento. Dentro do envelope, em dinheiro vivo, os rendimentos mensais de cada um com a descrição detalhada de créditos e débitos.

No dia de pagamento, invariavelmente, nós três saíamos da fábrica diretamente para um supermercado da Casas do Óleo (o saudoso “CO”) e enchíamos três carrinhos de compras: o primeiro apenas com garrafas de destilados (uísque, gim, vodka, cachaça, pisco, rum, etc), o segundo, apenas com garrafas de fermentados (cerveja, catuaba, vinho Raposa, sidra, etc) e o último, apenas com latas (salsichas, almôndegas, sardinha, azeitona, etc). Era esse o nosso cardápio básico.

Por volta das 8h da noite, as fêmeas – nunca menos de seis e nunca repetidas – começavam a chegar ao apartamento. Birita vai, papo vem, César Abu atacava de DJ e as mais saidinhas começavam a dançar entre elas. Daí a pouco, um de nós entrava na roda. Mais meia hora de birita e o quarto se transformava em uma ruidosa muvuca.

Em virtude da temperatura ambiente, a gente normalmente ficava em casa sem camisa e trajando apenas aqueles imensos calções de futebol sem nada embaixo (cueca era coisa de viado!). Pra incrementar a “boate”, alguém começava a apagar e acender a única lâmpada do quarto. Os intervalos entre “claro” e “escuro” iam aumentando. De repente, sem nenhuma combinação prévia, a gente aproveitava um dos intervalos da escuridão para se livrar dos calções, mas continuávamos dançando.

Quando a luz era acesa de novo, havia duas situações: ou as meninas se assustavam com aquela aparição intempestiva dos “bráulios”, davam um grito horrorizado e saíam correndo pelas escadas (a gente morava no segundo andar) ou aproveitavam a deixa pra também se livrarem de suas roupas – o que quase sempre acontecia. E a noite estava apenas começando.


Simas, César, Jaques, Gigio e eu. Lá atrás, de camiseta preta, Laerte Aguiar jogando canastra.

Pra recordar aqueles tempos heróicos (parece que foi ontem), eis a música favorita do DJ César Abu, de preferência na voz da Thelma Houston:

Don’t leave me this way
(Não me deixe desse jeito)

I can’t survive, I can’t stay alive
(Eu não posso sobreviver, eu não posso continuar viva)

Without you love, oh baby
(Sem o seu amor, oh baby)

Don’t leave me this way
(Não me deixe desse jeito)

I can’t exist, I will surely miss
(Eu não posso existir, eu certamente vou sentir falta)

Your tender kiss
(Dos seus beijos suaves)

So don’t leave me this way
(Então não me deixe desse jeito)

Oh baby, my heart is full of love and desire for you
(Oh, baby, meu coração está cheio de amor e de desejo por você)

So come on down and do what you’ve got to do
(Então fique esperto e faça o que você tem que fazer)

You started this fire down in my soul
(Você começou esse incêndio em minha alma)

Now can’t you see it’s burning, out of control
(E agora você não pode ver que está pegando fogo, fora de controle...)

So come down and satisfy the need in me
(Então fique esperto e satisfaça essa minha necessidade)

Cos only your good loving can set me free
(Porque só o seu bom amor pode me libertar)

Don’t leave me this way
(Não me deixe assim)

I don’t understand how I’m at your command
(Eu não entendo como estou à sua disposição)

So baby please don’t leave me this way
(Então, baby, por favor, não me deixe assim)

Don’t leave me this way
(Não me deixe desse jeito)

Cos I can't exist
(Porque eu não posso existir)

I will surely miss
(Eu com certeza vou sentir falta)

Your tender kiss
(Dos seus beijos suaves)

So don’t leave me this way
(Então não me deixe desse jeito)

Oh baby, my heart is full of love and desire for you...
(Oh, baby, meu coração está cheio de amor e de desejo por você)

Don’t leave me this way
(Não me deixe assim)

I can’t survive, I can’t stay alive
(Eu não posso sobreviver, eu não posso continuar viva)

Without you love, oh baby
(sem o seu amor, oh baby)

Don’t leave me this way
(Não me deixe assim)

I can’t exist, I will surely miss
(Eu não posso existir, eu com certeza vou sentir falta)

Your tender kiss
(Dos seus beijos suaves)

So don’t leave me this way
(Então não me deixe assim)

Oh baby, my heart is full of love and desire for you...
(Oh, baby, meu coração está cheio de amor e de desejo por você)

quinta-feira, agosto 27, 2009

Altamont Free Concert e o fim de uma era


No dia 6 de dezembro de 1969, os Rolling Stones resolveram encerrar sua excursão americana de forma apoteótica com um grande concerto grátis no autódromo de Altamont Speedway, na Califórnia e, quem sabe?, ofuscar o recente festival de Woodstock, ocorrido em agosto, em Nova York.

Cerca de 300 mil pessoas se reuniram para ver os shows – em ordem de apresentação – de Santana, Jefferson Airplane, The Grateful Dead, The Flying Burrito Brothers, Crosby, Stills, Nash & Young e The Rolling Stones. Alguns diziam que este festival de música seria o “Woodstock do oeste”.

Albert e David Mayles e Charlotte Zwerin filmaram o evento e o incorporaram ao documentário Gimme Shelter, sobre a turnê dos Rolling Stones nos Estados Unidos. Problemas de logística como barracas médicas e banheiros insuficientes e um palco de apenas 1, 20 cm de altura cercado por Hell’s Angels bêbados e liderados por Ralph “Sonny” Barger tornou o lugar perfeito para acontecimentos como atropelamentos, um afogamento, brigas e até um homicídio. Os Stones tiveram de parar o show diversas vezes por causa das brigas.


Alguns dizem que a idéia de contratar os Hell’s Angels para a segurança foi dada aos Rolling Stones pelos membros do Grateful Dead. Eles ja haviam feito a segurança de shows do Grateful Dead sem que houvesse notícia de violência. O tour manager dos Stones, Sam Cutler, disse que o único acordo era que “os Angels garantiriam que ninguém fodesse com os geradores”.

Um dos membros dos Hell’s Angels, Sweet William, lembra-se da conversa que teve com Cutler antes do show:

– Nós não policiamos as coisas. Nós não somos uma força de segurança, porra! Nós vamos aos shows para se divertir...

– Bem, e sobre ajudar as pessoas... Você sabe dar toques simpáticos e coisas do tipo?...

– Claro, essas paradas aí nós podemos fazer...

Quando Cutler perguntou como eles gostariam de ser pagos, William respondeu: “Olha, bicho, nós gostamos mesmo é de cerveja”. 500 dólares em cerveja foi o pagamento.


Lá pelas tantas, o escritor Ken Kesey, um dos papas da contracultura, convidou os Angels para fazerem alguns testes de ácido e a merda começou a dar no meio da canela. Conforme o dia foi passando, os membros do Hell’s Angels foram ficando mais agitados e violentos. Abastecidos com álcool e ácido, armados com tacos de bilhar, atropelando brigões e causando sérios ferimentos, era desse jeito que eles controlavam a multidão.

Depois que um membro deles foi nocauteado durante uma briga com uma gangue hispânica, os Hells ficaram mais violentos ainda, atacando até mesmo os músicos que se apresentavam no palco.

Após uma discussão com um membro dos Hell’s Angels, o guitarrista Marty Balin, do Jefferson Airplane, foi nocauteado e ficou inconsciente. O Grateful Dead se recusou a tocar e, capitaneados por Jerry Garcia, os músicos abandonaram o palco, sob vaias da platéia que não estava entendendo nada.


Os organizadores esperavam aliviar as tensões fazendo com que os Rolling Stones se apresentassem mais cedo. Mas os Stones só se apresentaram muitas horas depois. Alguns dizem que Mick Jagger não queria subir ao palco enquanto ainda não tivesse escurecido totalmente, mas no documentário Gimme Shelter foi relatado que o baixista dos Stones, Bill Wyman, estava tendo dificuldades em chegar ao local por causa do engarrafamento de trânsito nas ruas de acesso.

A morte de Meredith Hunter


Meredith Hunter antes de ser morto. Alan Passaro pode ser visto com uma faca pouco antes de atingir Hunter.

Quando os Rolling Stones estavam terminando “Under My Thumb”, Meredith Hunter, um rapaz negro de 18 anos, se envolveu em uma briga com os Hell’s Angels. Hunter estava aproximando-se do palco e sacando um revólver, para atacar ou se defender, ninguém sabe, quando Alan Pássaro, dos Hell’s, o impediu de sacar a arma com a mão esquerda e com a mão direita o esfaqueou na parte superior das costas. Hunter foi esfaqueado cinco vezes, espancado com tacos de bilhar e chutado até a morte. Isto tudo ocorreu perto do palco e foi gravado pelas câmeras.

“Vimos um tipo vestido de verde dançando alegremente e depois uma grande confusão”, explicou o cinegrafista que filmou o crime sem perceber o que se passava. Os Rolling Stones, sem saber que Hunter estava morto, decidiram continuar o show para evitar maiores tumultos. Sam Cutler pode ser visto no palco sussurrando nos ouvidos de Mick Jagger e Keith Richards sobre a morte de Meredith Hunter e depois retornando ao palco para convencer a banda a recuar.



Quando o show terminou, quatro pessoas estavam mortas: duas atropeladas, uma afogada e uma esfaqueada. Foi um choque violento no mito pacífico e revolucionário que Woodstock tinha ajudado a criar em torno dos festivais. E houve quem atribuísse as desgraças ao satanismo dos Stones que, por via das dúvidas, nunca mais dedicaram canções ao diabo.

Em 1972, Alan Passaro foi preso e julgado pelo assassinato de Meredith Hunter, mas absolvido depois de o júri concluir que ele agiu em defesa própria porque Hunter portava uma arma de fogo. Passaro acabou tendo morte acidental por afogamento.

Ainda hoje, o festival de Altamont é comparado com o festival de Woodstock, que ocorreu quatro meses antes. Enquanto Woodstock é representado como um festival de “paz e amor”, Altamont veio a ser visto como o fim da era hippie. Ninguém fez estardalhaço em torno do vigésimo aniversário do Altamont Concert. Vamos ver o que acontece quando dezembro chegar.

O Woodstock tupiniquim – Versão do Diretor, with a little help from my friend Rogelio Casado


Outubro de 1969. Dois meses depois do festival de Nova York, os músicos locais mais antenados resolveram dar uma resposta aos organizadores do Festival Universitário de Música, patrocinado pelo Governo do Estado, que havia limado dezenas de canções inscritas sob o argumento de que se tratava de “lixo subversivo”.

– Resolvemos fazer um festival só com as músicas descartadas, ou melhor, censuradas pelos guardiões da moral e dos bons costumes –, recorda Aldisio Filgueiras. “Eu mesmo tinha uma música classificada no FUM, intitulada ‘Malária’, mas retirei a mesma para apresentá-la no festival alternativo”.

Se as músicas do FUM eram exibidas para um público aristocrático, pero provinciano, no palco engalanado do Teatro Amazonas, a escolha do local para o improvável festival alternativo foi a praia da Ponta Negra, que gozava de péssima reputação por ficar fora da zona urbana da cidade.

A estrada da Ponta Negra, para quem não se lembra mais daqueles anos de chumbo, era uma autêntica trilha de rally no meio da selva. Do quartel do Cigs, onde ficava a barreira rodoviária, até um simpático boteco no formato de um Chapéu de Palha, que ficava localizado nas proximidades de onde hoje está o restaurante da Charufe Nasser, não havia nenhum sinal de civilização. Era somente a estrada de piçarra, cercada de árvores por todos os lados.


Durante a semana, a praia de areia fina e águas límpidas (o Tropical Hotel ainda não havia transformado o aprazível logradouro em um esgoto a céu aberto), o simpático boteco – especializado em vender peixe frito, Cocal, Ron Merino e cerveja XPTO – e as modestas barracas de praia eram ponto de encontro quase que exclusivo de jovens bem nascidos, que possuíam condução própria, e de garotas prafrentex, dispostas a ir fundo (e bota fundo nisso) na nascente revolução sexual. Afinal de contas, ninguém ia se aventurar naquele fim do mundo apenas pra ficar bebendo cachaça, olhar o rio e jogar conversa fora...

Nos finais de semana, uma alegre profusão de gente humilde com seus teréns, trecos e pandarecos (meio de transporte preferencial: caminhões e ônibus alugados) invadia o local, trazendo galinha assada (o ubíquo “galeto”, vendido no “Canto do Galeto”), maionese enfeitada com rodelas de ovo cozido, arroz branco, farofa de farinha seca (de preferência, torrada na manteiga Aviação), garrafas térmicas contendo ki-suco de groselha ou guaraná Baré, pencas de bananas-maçã, sacolas de laranjas e, os mais abonados, algumas vistosas melancias japonesas, e transformava a então deserta Ponta Negra em um ruidoso parque de diversões.

Na seqüência, as águas do rio Negro ficavam coalhadas de câmaras de ar para a garotada boiar em pneumáticas performances e, na praia (as 15 barraquinhas não agüentavam a primeira leva de “farofeiros”), as comidinhas eram dispostas em toalhas de banho, ao lado do rádio portátil, da esteira de cipó ou estopa pra não melar o fundilho na areia e dos frascos de azeite doce misturado com beterraba para pegar aquele bronzeado carioca. Na falta de “chapinha”, os meninos de cabelo “ruim” esfolavam o miolo da casca de melancia na cabeça, para supostamente alisar os cabelos.


Bom, mas tirando essa aglomeração que se passava unicamente aos sábados e domingos, no resto da semana a Ponta Negra era o grande mocó dos amantes, onde levar a paquera às novidades da praia deserta e suas possibilidades eróticas fez parte da iniciação sexual de centenas de adolescentes. Dizem que muito cabaço foi perdido ali. Sem falar de pregas-rainha.

De qualquer forma, assim que a mídia impressa e radiofônica tomou conhecimento da pretensão daqueles jovens rebeldes de realizar um festival alternativo para se contrapor ao festival oficial, o cu da cotia assobiou.

– Diariamente, o editorialista do jornal A Notícia, Farias de Carvalho, em editoriais apocalípticos e raivosos, dizia que aquilo seria um encontro de maconheiros para a prática do sexo livre e exigia providências urgentes das forças policiais para reprimir o evento. O tiro acabou saindo pela culatra –, diz Aldisio. “De repente, a cidade inteira tomou conhecimento do nosso festival”.

Na sexta-feira 13 de dezembro do ano anterior, a “ditadura disfarçada” havia se transformado em “ditadura escancarada”, mediante a edição do AI-5, e a caça às bruxas estava na ordem do dia. Qualquer manifestação artística teria que ser aprovada previamente pelos órgãos da repressão que combatiam o “inimigo interno” – nome genérico para designar qualquer cidadão que não estivesse integrado ao sistema, dos aloprados guerrilheiros de esquerda aos pacíficos hippies bonachões.

Por conta desse clima pesado, a Polícia Federal e o Dops vetaram o nome “Festival do Lixo”, por soar meio subversivo. A solução foi batizar o festival de 1ª ExposiSom de Manaus.

Aos 22 anos e já Chefe de Reportagem do jornal A Crítica, Aldisio Filgueiras se aproveitou do espírito rebelde do jornalista Umberto Calderaro para se licenciar do batente durante uma semana, sem prejuízo no salário, a fim de fazer as coisas acontecerem.

– A turma que estava organizando o festival era formada basicamente por cineclubistas, escritores diletantes, músicos em início de carreira, poetas existencialistas e estudantes universitários, ou seja, todo mundo era liso e confiado. Como não havia nenhum tipo de ajuda oficial, a gente teve que fazer o festival só com a cara e a coragem! –, recorda o poetinha.

O arquiteto Mário Toledo projetou um palco flutuante, que ficaria a dez metros da praia. Com a ajuda de um jeep Land Rover que havia servido na 2ª Guerra Mundial, eles – Aldisio, Noval, Cezinha, Joaquim Marinho, Wanderlaine, Manuel Batera, Mario Toledo, etc – começaram a levar diariamente o material de construção do palco (taboas, ripões, pernamancas, tabiques) das serrarias da cidade para a Ponta Negra.

Eram inevitavelmente parados na barreira rodoviária, duas, três, quatro vezes ao dia, para explicar os motivos daquela presepada. Os militares desconfiavam que algum tipo de subversão estava em curso, ali nas suas barbas. Quem iria acreditar naquela história de que aquela turma de cabeludos estava construindo um palco flutuante para um suposto festival de música? Ninguém.

O hoje advogado Wanderlaine Caldas arranjou um gerador elétrico para suprir a falta de energia e emprestou os instrumentos – guitarras, baixo, violão, bateria, flauta, gaita de boca, metais – da banda Black Cats, onde ele tocava. Fernando Peninha descolou um imponente e centenário piano de cauda, imaculadamente branco, cujo transporte para o palco flutuante se transformou em uma aventura épica. (no verão, a praia tinha uns 500 metros de extensão)

Na sexta-feira, o palco estava concluído, mas faltava o fundamental: os equipamentos de som. O empresário José Azevedo, da Importadora TV Lar, havia se comprometido em emprestar os equipamentos, mas queria uma garantia financeira de que eles seriam devolvidos depois do evento. Como estavam matando cachorro a grito, a dois dias do festival os organizadores se viram encalacrados numa belíssima sinuca de bico.

Na tarde daquele dia, Aldisio estava matutando na praia à espera de um milagre, quando um moleque de cabelos nos ombros se apresentou. Queria saber quando custava para se apresentar no palco durante o festival.

– Ah, é de graça, porra! Basta se inscrever até na hora, que sua apresentação vai estar garantida –, explicou o poetinha.

– Porra nenhuma! Eu faço questão de pagar porque quero me apresentar com a minha banda completa –, devolveu o moleque, que devia ter, no máximo, uns 17 anos.

– Bom, sendo assim, você vai ter de pagar 50 mil cruzeiros novos! –, detonou Aldisio, querendo se livrar do moleque o quanto antes. (em valores de hoje, algo como R$ 5 mil).

– Por mim, tudo bem. Amanhã eu trago a grana! – avisou o moleque, que montou na sua motocicleta Honda sessentinha e foi embora.

No sábado, por volta das 5 da tarde, o moleque reapareceu, trazendo um cheque no valor combinado. Seu pai era dono de uma empresa de ônibus e não ia ser por causa de algumas merrecas que iria impedir o filho caçula de se apresentar em um festival de música...

Aldisio quase não acreditou no que viu. Imediatamente, os organizadores do festival aboletaram-se no jeep Land Rover e se mandaram pra cidade, para falar com o empresário José Azevedo.

Na casa do empresário, a empregada explicou que ele e a esposa haviam ido assistir a “Sessão das 8” no cine Politheama. Sim, homeboys, naquela época os homens de bem costumavam levar as esposar para uma prosaica sessão de cinema, nas noites de sábado.

O Politheama ficava na rua Getúlio Vargas canto com a Sete de Setembro, e tinha portas de saída pelas duas ruas. Metade da curriola ficou em uma porta, metade na outra, esperando o empresário sair.

Quando ele foi abordado, tomou um susto.

– Pô, Aldisio, são 10 horas da noite...

– Pois é, doutor Azevedo, mas se o senhor não fornecer os equipamentos, o festival desanda. A gente já conseguiu o mais difícil, que era o dinheiro da caução. Agora, só depende do senhor...

Ouvindo aquilo, o empresário foi pessoalmente até o depósito da Importadora TV Lar, abriu as portas, esperou pacientemente que os equipamentos fossem escolhidos, escreveu a mão uma caução com a relação dos equipamentos cedidos, guardou o cheque no cofre e se despediu dos moleques. Se não fosse ele, o festival do lixo tinha ido pro lixo. Infelizmente, já não se fazem mais empresários como o José Azevedo.

De volta à Ponta Negra, Aldisio e companhia vararam a madrugada instalando os equipamentos e fazendo a passagem de som. No domingo, sabe-se lá como, 20 mil pessoas se acotovelaram nas areias da praia para escutar cerca de 80 músicas, numa maratona que se iniciou às 8h da manhã e terminou às 5h30 da tarde. A apresentação das músicas era feita pela saudosa Elaine Ramos.

Apesar do farto consumo de dirijo, cachaça e Ron Merino, não houve qualquer incidente durante o festival. A turma da repressão (Polícia Federal, Dops, Polícia Militar, Polícia Civil, arapongas do SNI, Cenimar e Ciex, etc.), presente na platéia, fez questão de parabenizar os organizadores pelo transcurso ordeiro do evento.

A “geração paz & amor” manauara fazia seu début em grande estilo. Nenhum jornal cobriu o evento, daí que as poucas fotos feitas no local foram registradas pelo saudoso guitarrista Hilton Oliveira, que depois foi morar na Alemanha. O resto, conforme se diz, é história.

Na realidade houve um acidente fatal durante o Festival do Lixo, sem que coubesse alguma culpa aos organizadores. Pilotando uma pequena voadeira, um exibicionista de ocasião começou a demonstrar para a platéia seus dotes de piloto radical, como se estivesse participando de um Freestyle Jet Game da vida, realizando suas manobras por trás do palco flutuante.

Ele foi advertido várias vezes pelos organizadores do festival de que as ondas que estava levantando colocavam em risco tanto a vida dos músicos – a água é um excelente condutor de eletricidade – quanto a vida útil dos equipamentos. O sujeito não deu a mínima e continuou a fazer suas gracinhas, cada vez mais perto do palco.

De repente, ao tentar fazer um 360º, o exibicionista foi “cuspido” da voadeira. Desgovernada, a embarcação começou a rodar em círculos em sua direção e ele acabou tendo uma das coxas atingida pela hélice, nas proximidades da virilha. Apesar de imediatamente socorrido pelo Corpo de Bombeiros, o exibicionista não sobreviveu ao corte da veia femoral e morreu de hemorragia a caminho da cidade.

Dois meses depois do Festival do Lixo, um outro incidente fatal ocorrido na Califórnia, durante o Altamont Free Concert, decretaria o fim da era “paz & amor”. Até nisso, nós fomos periféricos: quando a gente achou que a festa estava começando, os garçons já estavam recolhendo os pratos...

terça-feira, agosto 25, 2009

Morre o poeta Anibal Beça


Aníbal foi se encontrar com o pajé da etnia Tukano Gabriel Gentil, uma das principais lideranças políticas dos indígenas do Amazonas e seu amigo particular, que faleceu em 2006


Apesar da luta titânica empreendida, o poeta Aníbal Beça não resistiu ao abraço da Dama de Negro e faleceu na manhã desta terça-feira na Beneficente Portuguesa. Estou tão puto que nem vou entrar em detalhes.

Acabo de chegar do velório do poeta. Falei com a Eugênia e com os meninos (Nibito, Ricardo e Sasha). Anibal morreu ontem, por volta da meia-noite, mas a família só foi avisada hoje pela manhã, por volta das 6h.

Anibal contraiu uma bactéria contra a qual nenhum dos antibióticos disponíveis no mercado funciona. Para combater a maldita infecção hospitalar, Ricardo, que é médico, acionou na Justiça o Plano de Saúde do poeta, que queria tirar o corpo fora. Localizaram um antibiótico nos Estados Unidos, cuja ampola custa R$ 1.800,00. O remédio estava previsto para chegar hoje, por volta das 14h. Não deu tempo.

O enterro será às 17h, no cemitério São João Batista. Por sugestão do Anibal, a bateria da Sem Compromisso vai fazer uma despedida sambística. Por sugestão do Rogelio Casado, nós vamos tomar um porre federal para relembrar o "brujo".

sexta-feira, agosto 21, 2009

Roqueiro dinamarquês usa slogan nazista contra proibição do cigarro


Leis antitabagismo são coisa de "fascistas da saúde", diz Larsen


Um dos artistas mais famosos da Dinamarca lançou uma campanha a favor do cigarro, usando um conhecido slogan nazista. A pequena comunidade judaica do país diz não sentir-se agredida.

Como vocalista da Gasolin’, uma influente banda de rock que teve seu apogeu nos anos 70, Kim Larsen sempre foi um dos bad boys do rock dinamarquês. E como qualquer “mau rapaz” que se respeite, sempre foi veementemente contra o establishment.

Como todo bom roqueiro, ele é também um fumante inveterado. E não por acaso, não gosta das leis antitabagistas da União Européia, introduzidas na Dinamarca um ano atrás, que proíbem o fumo em bares e restaurantes.

Fascistas da saúde

Do tipo que não gosta de ser mandado, Larsen recentemente ajudou a lançar uma campanha publicitária com o slogan “Tillykke med rygeforbudet – Gesundheit macht frei!!!”

A primeira parte significa “boa sorte com a proibição ao fumo”, em dinamarquês. O slogan em alemão, “Saúde liberta”, é uma óbvia alusão ao slogan nazista “Arbeit macht frei” ou “O trabalho liberta”, presente na entrada de vários campos de concentração nazistas, como Auschwitz e Dachau.


De Auschwitz para Copenhague: “Saúde liberta”

“As pessoas que introduziram a proibição ao fumo são fascistas da saúde”, teria afirmado Larsen.

Ele disse que a referência ao Terceiro Reich é pertinente, pois os nazistas introduziram uma proibição nacional contra o cigarro, como parte de sua busca pela pureza corporal e racial.

“Hitler foi o primeiro a banir o tabagismo”, disse o cantor. Larsen, que tem muitos álbuns best-sellers em seu país natal, também já foi escolhido para representar a Dinamarca no concurso Eurovisão. Neste, artistas de vários países passam por seletivas nacionais, competindo depois em nível europeu.

Anti-semitismo?

Supõe-se que Larsen não tenha sido a única celebridade a fazer doações ao fundo Himmelbla, que organiza a campanha publicitária espalhada pelos outdoors de Copenhague. “Não é uma defesa ao cigarro”, argumenta Larsen. “Trata-se de uma defesa da democracia e da liberdade”.

A comunidade judaica do país, por sua vez, está optando por enxergar a campanha como um mero protesto de mau gosto contra a interferência governamental sobre as liberdades individuais.

“É estúpido, simplesmente estúpido”, disse Stefan Isaak, presidente da comunidade judaica dinamarquesa, à DW-World.DE. “Eu não vejo ligação alguma com qualquer tipo de anti-semitismo – é somente uma estupidez”.

Explicando porque os pôsteres de Larsen foram amplamente ignorados, ele indicou que a Dinamarca tem poucos sobreviventes do Holocausto, já que a maioria dos judeus do país escapou para a Suécia durante a Segunda Guerra Mundial.

“Os sentimentos das pessoas podem ser atingidos, mas o slogan é tão idiota; não dá nem para começar a associá-lo a Auschwitz”, ele afirmou.

Mau gosto

Arne Rolighed, da Sociedade Dinamarquesa do Câncer, principal instituição de pesquisa oncológica no país, sente-se mais ofendido. “É de extremo mau gosto”, disse ao jornal dinamarquês Politiken.

A analogia não é inédita. Na Alemanha, onde alusões ao nazismo não são ignoradas com tanta facilidade, um protestante lançou uma linha de camisetas, no começo deste ano, estampadas com uma estrela de David, e abaixo a palavra “fumante”.

As camisetas foram rapidamente retiradas do mercado, após objeções de grupos judaicos, que protestaram contra a comparação entre a pressão sobre os fumantes e a perseguição sofrida pelos judeus durante o nazismo.

Isaak, da comunidade judaica dinamarquesa, é mais discreto. “Quanto menos comentarmos, melhor”, disse.


Post Scriptum:

Recebi essa matéria em setembro do ano passado. Só estou postando agora, porque a nossa macaquice em copiar as imbecilidades do primeiro mundo não tem limites. De repente, Wilker Barreto, Luiz Alberto Carijó, Belão, Adjuto Afonso, Marcos Rotta e Sinésio Campos resolveram surfar na onda do politicamente correto e iniciaram uma cruzada para proibir o consumo de cigarros em ambientes de uso coletivo. É o roteiro típico de uma cafajestagem “BO” (“boa pra otário”).

Fumante desde os 17 anos, concordo em gênero, número e grau com Kim Larsen: “As pessoas que introduziram a proibição ao fumo são fascistas da saúde”. Dizem que um dos benefícios de deixar de fumar é ficar com a aparência saudável de Drauzio Varela e José Serra. Si non é vero, é bene trovatto, mas ainda prefiro a aparência de fumantes de respeito, como Humprhrey Bogart e Lauren Bacall. Questão de gosto.

Um dos riscos constitutivos da democracia é permitir que o poder estatal seja usado pela maioria para perseguir os valores e os hábitos das minorias. Em outras palavras, o sujeito que quer educar seus filhos em sua religião – ou sem religião – precisa começar a se preocupar quando o governo proíbe o seu vizinho de fumar. Hoje é a liberdade dele que está indo embora. Amanhã, pode ser a sua. O resto é coisa de viado.

Paulo José Cunha lança suas epopéias em poesia


Além de primo do saudoso poeta Torquato Neto, o também poeta PJC é autor dos livros “Vermelho, um Pessoal Garantido” e “Caprichoso, a Terra é Azul”, sobre a Festa dos Bumbás de Parintins e, quando está em Manaus, sempre bate o ponto no Bar do Armando


Por Eugenio Rego

Para publicar suas memórias - em poesia, frize-se - o jornalista e escritor piauiense Paulo José Cunha levou uma rasteira de um objeto que é sinônimo dos tempos atuais: o computador. Depois de ter escrito páginas e páginas de “O Perfume de Resedá”, um bug levou todas as suas lembranças de infância, registradas na memória virtual da máquina. Depois de uma saga tecnológica, PJC conseguiu recuper as linhas do seu passado. O jornalista, radicado em Brasília, esteve em Teresina no final do mês passado para lançar o livro. Confira rápida entrevista exclusiva para o blog.

Por que escrever memórias em forma de poema? Não seria mais fácil fazê-lo em prosa mesmo?

Sim, poderia escrever em prosa, mas sempre me pareceu que infância e memória são dois substantivos que pertencem à natureza da poesia. Preferi escrever dessa forma, aliás numa tradição de contar histórias em versos que remonta aos clássicos como Homero com sua Ilíada e sua Odisseia; Camões com Os Lusíadas; e mais recentemente, por aqui, Melo Mourão com O País dos Mourões e nosso Ferreira Gullar com seu Poema Sujo. O livro nasceu assim, espontaneamente. Se poderia sair em prosa? Sim, poderia. Mas não saiu.

A resedá é conhecida também com suspiro. Tudo a ver com seu livro, né?

Não sabia que resedá também se é conhecida como suspiro. Belo nome, ótima descoberta. Sim, tudo a ver com meu livro, na verdade cada linha dele é um suspioro de saudade de um tempo em que os meninos tinham asas e caminhavam sobre as nuvens. Todos os meninos daquele tempo - e eu fui um deles - sabe do que estou falando, e se identifica com o livro por causa disso. A recuperação das memórias se situa na linha do resgate presente em obras clássicas como “À la recherche du temps perdu” (Em Busca do Tempo Perdido), de Proust. O que fiz foi apenas registrar, como fez Proust, para não perder para sempre, alguma lembrança da infância perdida. Clarice Lispector dizia que escrevia pra não morrer. Eu digo que escrevo para não deixar a minha memória morrer. Com um detalhe: pouco me incomoda a edição (meu editor, Cineas, sabe disso, e a responsabilidade pelas edições de meus livros é dele. Por mim, não lançar ia livro algum). O que gosto mesmo é de escrever, de registrar. Imprimir, botar na rua, fazer lançamentos é a parte chata do ofício. Escrevo para que as memórias não se percam. Publico porque dizem que se tem de partilhar a produção. E lanço em noites de autógrafos para rever os amigos e permitir que eles tomem conhecimento do que ando fazendo. Mas bom mesmo, cachaça mesmo - é escrever.

Que período cronológico de sua vida o livro cobre?

Não seu precisar, até porque são memórias reais e memórias inventadas, além das memórias que me foram relatadas ou de que me apropriei lendo os livros de história, como as aventuras e atrocidades de bandeirantes, entre eles Domingos Jorge Velho, o desbravador das terras do Piauhy. Há coisas no livro que ouvi de minha avó. Há outras que nunca ouvi, apenas imaginei (e quem disse que as coisas imaginadas, principalmente as coisas inventadas, também não constituem parte importante da s nossas memórias? Federico Fellini, em Amarcord, faz exatamente isso).

Depois de recuperar os arquivos do livro de memórias, quando achou que era hora de publicá-los? Não é ainda um homem jovem para publicar memórias?

Só depois de recuperar os arquivos percebi sua importância para mim, para o resgate da minha infância, da minha vida. Não sabia a hora de publicá-lo. Até mostrar os originais ao Cineas, que o levou ao Dobal (que se adiantou e escreveu o prefácio, talvez o último texto que tenha escrito na vida), eu não pensava em publicar nada. Sempre achei (ainda acho) que o texto está incompleto, carecendo de revisão. Já o revisei umas trezentas vezes, conforme os registros do computador, mas toda vez que releio acho que o texto poderia ficar melhor, aí acrescento uma coisinha aqui, um detalhe ali e assim vai. Sim, talvez seja muito jovem para publicar memórias. Melhor assim. Pelo menos, se morrer muito jovem as terei deixado prontas (nem sei bem pra quê, mas já que escrevi, que fiquem aí). Esperar a velhice para publicá-las não me parece o melhor conselho. E não sou tão jovem assim, estou com 58, já venci mais de meio século. Hora de abrir o embornal e ver o que se guardou lá dentro, durante a caminhada...

Acredita que, do jeito como as coisas vão, as próximas gerações de escritores ainda publicarão suas memórias em livros?

Não posso prever. Talvez terminem fazendo-o no cyberespaço. Mas ainda acredito muito na permanência do objeto-livro. É plástico, bonito, prático, agradável ao tato, portátil, não consome energia, é biodegradável e - o que é melhor - permite uma série de intervenções visuais que a telinha do computador jamais conseguirá registrar. E tem cheiro, cheiro de tinta, cheiro de papel novo. Isso é insubstituível. Se pegar o meu livro, com a bela arte do Antonio Amaral, vai confirmar o que estou falando. Da capa às ilustrações do miolo, passando pelas páginas de guarda das duas contracapas, o livro inteiro é uma pequena obra de arte. O Amaral é foda, um dos maiores e mais completos artistas do Brasil.

Ainda guarda suas memórias recentes no computador?

Não. Não confio nele. Imprimo tudo, principalmente os poemas. Papel pode sofrer com traças, não com vírus. Na dúvida, guardo vários back-ups em disquetes e pen-drives. E imprimo em papel. Se perder um, tenho o outro. Se perder o outro, tenho o outro-outro. Se quer saber, acho que estou ficando velho (portanto na hora de escrever memórias). Velho e... desconfiado.

quinta-feira, agosto 20, 2009

Três dias de paz e amor, bicho!


Se nunca mais você saiu à rua em grupo reunido, o dedo em V, cabelo ao vento, amor e flor, como dizia a música “Velha roupa colorida”, de Belchior, não se avexe: para celebrar os 40 anos do Festival de Woodstock, o Galvez Botequim vai exibir nesta quinta-feira, a partir das 20h, o filme “Woodstock – 3 Days of Peace & Music (The Director’s Cut)” de Michael Wadleigh, uma nova versão do documentário que ganhou o Oscar em 1994.

Durante cerca de quatro horas, vão desfilar no telão do botequim as principais atrações musicais do festival que marcou a história do rock & roll e reuniu mais de 500 mil pessoas em uma fazenda na cidade rural de Bethel, Nova York, Estados Unidos, entre 15 e 18 de agosto de 1969. O Galvez Botequim fica na Rua Aldair Severiano Nunes, 8, Conjunto Eldorado, em frente à Utam. Não será cobrado couvert.

O advogado H. Dias se lembra bem daquele ano que marcou o apogeu da contracultura. “Eu tinha 23 anos, morava em Belém, era pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré, mas sonhava com o que estava acontecendo em Nova York”, diz ele. “Pra mim, aquilo foi um divisor de águas, tanto para a música pop, como para a mudança dos costumes, do comportamento. Tudo que veio depois – movimento ecológico, revolução sexual, luta pelos direitos civis – teve seu marco zero em Woodstock.”


O jornalista e agitador cultural Joaquim Marinho, um dos pioneiros da geração roqueira em Manaus, também acompanhou a efervescência a distância. “Os maiores artistas daquela época morreram uns dois ou três anos depois – Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison. Em compensação, outros, como Sly Stone, Carlos Santana, Joe Cocker, Joan Baez e Country Joe saíram de Woodstock consagrados”, relembra. “Em termos de comportamento, se a doutrina americana ainda pregava o prende e arrebenta, a partir da geração Woodstock começou o liberou geral, em todos os níveis.”

Pra Joaquim Marinho, a grande sensação do festival foi a interpretação de Joe Cocker no hit “With a little help from my friends”, dos Beatles. “Pouca gente sabe que o baterista daquela apresentação era o Richard Bryant, que depois veio morar em Manaus, casou com a Ana Amélia Omena e é pai do Ricardo Bryant, dono do Empório da Pizza”, diz ele. “E apesar das dezenas de regravações da música ao longo das décadas seguintes, nenhuma delas chegou aos pés daquela apresentação sublime do Joe Cocker”.

Na época Chefe de Reportagem de A Crítica, o poeta Aldisio Filgueiras solicitou (e conseguiu) do saudoso Umberto Calderaro uma semana de licença para organizar, na Ponta Negra, uma versão tupiniquim do fuzuê, que entrou para a história como “Festival do Lixo” (v. box). “O Festival de Woodstock foi decorrência do ressentimento da classe média americana com aquela educação extremamente puritana da sociedade de consumo”, explica Aldisio. “Como basta ser jovem para ser do contra, a geração paz & amor deu uma chacoalhada no estilo de vida ianque, que repercutiu em escala planetária. Foi o primeiro sinal de que o mundo acabaria mesmo globalizado”.

Os quatro cavaleiros do Apocalipse

O Festival de Woodstock surgiu dos esforços de Michael Lang, John P. Roberts, Joel Rosenman e Artie Kornfeld. Roberts e Rosenman, que entrariam com o dinheiro, colocaram um anúncio sob o nome de Challenge International, Ltd., no New York Times e no Wall Street Journal (“Jovens com capital ilimitado buscam oportunidades de investimento legítimas e interessantes e propostas de negócios”). Lang e Kornfeld responderam o anúncio, e os quatro reuniram-se inicialmente para discutir a criação de um estúdio em Woodstock, mas a idéia evoluiu para um festival.

Mesmo considerado um investimento arriscado, o projeto foi montado tendo em vista possibilitar um bom retorno financeiro. Os ingressos passaram a ser vendidos em lojas de discos na área metropolitana de Nova York, ou via correio, pelo preço de 18 dólares (aproximadamente 75 dólares em valores atuais). No dia do evento, eles custariam 24 dólares.

Aproximadamente 186 mil ingressos foram vendidos antecipadamente, e os organizadores estimaram um público de aproximadamente 200 mil pessoas. Não foi isso que aconteceu. Mais de 500 mil pessoas atenderam ao convite, derrubando cercas e tornando o festival um evento gratuito. O resultado? Enormes engarrafamentos que transformaram Bethel em “área de calamidade pública”. As instalações do festival não haviam sido equipadas para providenciar saneamento ou primeiros-socorros para tal multidão, e centenas de pessoas tiveram que lutar contra o mau tempo, o racionamento de comida e as condições mínimas de higiene.

Embora o festival tenha sido reconhecidamente pacífico, dado o número de pessoas e as condições envolvidas, houve duas fatalidades registradas: a primeira, resultado de uma provável overdose de heroína, e a outra, após um atropelamento por um trator. Houve também dois partos registrados (um dentro de um carro preso no trânsito e outro num helicóptero) além de quatro abortos. Ainda assim, em sintonia com as esperanças idealistas dos anos 60, Woodstock satisfez a maioria das pessoas que compareceram ao evento. Mesmo contando com uma qualidade musical excepcional, o destaque do festival ficou por conta do comportamento harmonioso e da atitude solidária de seu imenso público jovem, naquele que foi considerado o “canto de cisne” do movimento hippie.

Naquela época, também há 40 anos, quatro cabeludos de Liverpool finalizavam seu último trabalho juntos e atravessavam a rua para outra era. O álbum Abbey Road chegava às lojas no fechar das portas da criativa e revolucionária década de 60. E o Festival de Woodstock surgia, despretensiosamente, como um novo começo ou como a cara do novo mundo que se descortinaria pelo resto da década de 70. “O Woodstock foi muito mais importante que o Abbey Road porque mudou o modo do mundo pensar. Gerou uma cultura da cooperação e não mais da competição”, opina Aldisio Filgueiras. E conclui: “Infelizmente o capitalismo engoliu aquele sonho hippie”.


Curiosidades

A banda Grateful Dead tocou debaixo de chuva. Alguns membros da banda sofreram choques elétricos durante a sua apresentação. O baixista Phil Lesh captou o rádio de transmissão de um helicóptero através do amplificador de seu contrabaixo enquanto tocava.

The Doors inicialmente concordaram em tocar, achando que o festival fosse ocorrer no Central Park, mas cancelaram a apresentação em cima da hora quando souberam que o festival ocorreria na zona rural da cidade. Especula-se que o vocalista Jim Morrison estava com medo de que alguém o assassinasse a tiros quando pisasse no palco.

Jimi Hendrix estava agendado para tocar no domingo, mas, por ocorrências inesperadas, acabou por tocar na manhã de segunda-feira, quando restavam apenas 35 mil pessoas no evento. Mesmo assim fez história, ao incendiar o hino americano em sua guitarra dissonante.

Apesar de o festival ter abrangido uma multidão de 500 mil pessoas, com uma grande parte estando sob os efeitos das drogas recreativas (maconha e LSD), apenas 200 pessoas foram presas no local por ofensas ou badernas.

Apresentações canceladas

The Jeff Beck Group estava agendado para tocar no festival, mas seu show foi cancelado em virtude de a banda ter sido desfeita uma semana antes. O Iron Butterfly não compareceu ao evento porque ficou preso no aeroporto.

A banda canadense Lighthouse estava escalada para tocar no festival, mas acabou desistindo, temendo que aquela celebração hippie fosse criar uma imagem negativa para eles. Mais tarde, alguns membros do grupo disseram que se arrependeram amargamente da decisão.

O Led Zeppelin foi chamado para tocar no festival, mas o empresário da banda, Peter Grant, deu pra trás: “Eu vetei a apresentação porque em Woodstock nós seríamos apenas uma outra banda qualquer no meio de dezenas de bandas”.

Os promotores entraram em contato com John Lennon, pedindo para que os Beatles tocassem no festival. Lennon disse que os Beatles só tocariam se a Plastic Ono Band, de Yoko Ono, também pudesse tocar. Os promotores recusaram.


O Woodstock tupiniquim

Dois meses depois do festival ianque, os músicos locais resolveram dar uma resposta aos organizadores do Festival Universitário de Música, patrocinado pelo Governo do Estado, que havia limado dezenas de canções inscritas sob o argumento de que se tratava de “lixo subversivo”. “Resolvemos fazer um festival só com as músicas descartadas”, recorda Aldisio Filgueiras.

A escolha do local para o improvável festival foi a praia da Ponta Negra, que gozava de péssima reputação por ficar fora da zona urbana da cidade. Basta lembrar que, na época, a barreira rodoviária ficava em frente ao atual Cigs. Dali em diante, o acesso à praia era feito por uma estrada de piçarra no meio do mato.

“Diariamente, o editorialista do jornal A Notícia, Farias de Carvalho, dizia que aquilo seria um encontro de maconheiros para a prática do sexo livre e exigia providências urgentes das forças policiais para reprimir o evento. O tiro acabou saindo pela culatra”, diz Aldisio.

A Polícia Federal e o Dops vetaram o nome “Festival do Lixo”, por soar meio subversivo. A solução foi batizar o festival de 1ª ExposiSom de Manaus. O empresário José Azevedo, da Importadora TV Lar, emprestou os equipamentos de som. O arquiteto Mário Toledo desenvolveu um palco flutuante, que ficava a dez metros da praia. O hoje advogado Wanderlaine Caldas arranjou um gerador elétrico para suprir a falta de energia. Os músicos das bandas locais forneceram os instrumentos, incluindo um imponente e centenário piano de cauda, cujo transporte para o palco flutuante se transformou em uma aventura épica.

No domingo, sabe-se lá como, 20 mil pessoas se acotovelaram nas areias da Ponta Negra para escutar cerca de 80 músicas, numa maratona que se iniciou às 8h da manhã e terminou às 5h30 da tarde. Apesar do farto consumo de dirijo, cachaça e Ron Merino, não houve qualquer incidente. A “geração paz & amor” manauara fazia seu début em grande estilo. O resto, conforme se diz, é história.



Post Scriptum: eu havia enviado esta matéria ao Rodrigo Araújo, editor de A Crítica, na última terça-feira, para ser publicada no jornal, mas entre os 40 anos de Woodstock e os 20 anos de morte do Raul Seixas, ele preferiu a segunda opção. Deve ser aquilo que os teóricos descolados chamavam de “conflito de gerações”. Fazer o que?

terça-feira, agosto 18, 2009

Poesia na Cidade Maravilhosa




Clique na foto para ampliar

Boca livre movida a samba de raiz


Recebi do radialista Ivan Oliveira essa simpática intimação:

A Escola de Samba Reino Unido da Liberdade, tem a honra de convidar você, e os demais profissionais da imprensa de nossa cidade, para participarem do coquetel de lançamento de seu Enredo para o Carnaval de 2010.

O evento acontecerá nesta sexta-feira, dia 21 de agosto, a partir das 20h30min, em sua quadra de ensaio no Morro da Liberdade.

Na ocasião será distribuída, para a ala de compositores, a sinopse do enredo que virá com o título: “O MORRO CANTA, O AMAZONAS SE ENCANTA, COM A SAGA DO BOTO QUE NAVEGOU SEM MEDO” - uma homenagem ao ex-governador Gilberto Mestrinho, falecido recentemente.

Contamos com sua presença.

Contato: Ivan de Oliveira (Diretor de Comunicação da Escola)
Tel. 9966.9758

segunda-feira, agosto 17, 2009

Casal-símbolo lembra de Woodstock: cansados, molhados e apaixonados


Amauri Stamboroski Jr.
Do G1, em São Paulo

Nick e Bobbi Ercoline são protagonistas de uma das histórias mais românticas do movimento hippie. O casal que virou ícone da geração Woodstock ao figurar na capa do álbum e no pôster do documentário sobre o festival, lançado em 1970, está junto até hoje e ainda mora próximo a Bethel, cidadezinha no estado de Nova York, onde há 40 anos (entre 15 e 17 de agosto) centenas de milhares de pessoas se reuniram para celebrar “3 dias de paz e música”.

“Acho que a nossa foto resume bem a ocasião. Ela simboliza todo o evento por traduzir a paz que reinava por lá. É uma foto de um casal de jovens, que estavam cansados e molhados, mas também calmos, em paz e profundamente apaixonados”, lembra Nick, em entrevista ao G1 por telefone. “E estamos juntos até hoje. Você pode nos ver na rua andando de mãos dadas e nos beijando. Não mudou nada, ainda somos daquele jeito.”

Eles estavam namorando havia três meses quando foram ao festival. Nick conheceu Bobbi através de um colega de trabalho, namorado dela. Um dia ele foi para o litoral com os amigos sem avisar Bobbi e o namoro acabou. Quem se deu bem foi Nick, que tinha virado amigo dela e acabou se apaixonando pela garota.

Apesar do congestionamento para chegar a Woodstock no segundo dia de festival (16 de agosto de 1969, um sábado), eles conseguiram chegar à fazenda em Bethel por conhecerem os atalhos das estradas próximas. Àquela altura, sem controle sobre quem ia e vinha, Woodstock já era um festival gratuito, e Nick e Bobbi não tiveram que pagar suas entradas.


“Minha impressão mais forte de Woodstock foram todas aquelas pessoas agindo pacificamente”, lembra Nick. “As pessoas que vieram de todas as partes dos EUA e de cada canto do mundo. As pessoas se juntaram e cooperaram entre si, dividiram o que tinham uns com os outros e curtiram toda a experiência daquele fim de semana”.

As apresentações favoritas da dupla foram os shows de Janis Joplin, Sly & The Family Stone e do Grateful Dead. “Elas ficaram na minha memória até hoje”, explica Nick.

A foto clássica foi tirada por Burk Uzzle, mas o casal não estava posando. “Nós nem vimos ele nos fotografando. Foi uma surpresa nos vermos na capa do disco”.

Quem também não sabia da foto era a mãe de Bobbi – e muito menos que a filha havia ido a Woodstock. “Bobbi tinha 21 anos, trabalhava e morava sozinha quando nos conhecemos. Quando sua mãe descobriu sobre a foto não ficou brava, e sim com um sorriso no rosto”, conta Nick.

Nick diz que outra impressão importante foi o clima de liberdade que havia tomado Woodstock, com suas camisetas e vestidos tingidos em tie-dye e rodas de violão em torno das fogueiras. “Você via coisas acontecendo que normalmente não veria. A polícia estava lá com uma atitude de não mexer com as pessoas. Ou seja, as coisas que fazíamos, legais ou ilegais, eram toleradas por eles – e por nós também. Existia a liberdade de fazer basicamente o que se quisesse, e nós fizemos”.

O único inimigo parecia ser a chuva que castigou a fazenda constantemente durante o fim de semana e a consequente lama. Mas nem isso afastou o jovem casal. “Nós ficamos desconfortáveis com a lama, e outras pessoas também – algumas ficaram incomodadas ao ponto de tirar a própria roupa. Nós tínhamos vinte anos de idade, quem se importava com uma chuvinha?”.

O sonho não acabou


Nick, que hoje é funcionário público no Condado de Orange, em Nova York, acha que o legado de Woodstock permanece vivo. “A minha geração mostrou para as pessoas que era possível questionar as autoridades. Você não tem que aceitar que o que você acredita é errado. Nós fizemos isso nos anos 60 contra a Guerra do Vietnã. Aquilo mudou a maneira que vemos a política hoje.”

A música é um dos elementos mais importantes na opinião de Nick – é ela que faz os jovens de hoje conhecerem o que aconteceu nos anos 60, os movimentos políticos (direitos civis, feminismo, pacifismo) e artísticos da época que pavimentaram o caminho para a eleição de um presidente como Obama. “Não acho que os ideais da minha geração desapareceram. Nós somos orgulhosos das conquistas que tivemos – olha para o nosso presidente atual”.

Ao mesmo tempo ele não acha que seja fácil aparecer um Woodstock para as novas gerações. “Woodstock aconteceu, não foi planejado daquele jeito. E recriar aquele evento é virtualmente impossível. Pode voltar a acontecer, mas não será planejado, vai ser de uma hora para outra”.

Fama inesperada



Virar a imagem “oficial” do festival garantiu ao casal uma fama inesperada, até mesmo em outros países. “Nós estávamos na Alemanha e as pessoas nos reconheciam na rua. No hotel nós nem precisamos dizer nossos nomes para o atendente, ele sabia exatamente quem éramos.”

Mas Nick diz que sabe lidar bem com o status de “celebridade hippie”. “Na maior parte das vezes é divertido, mas às vezes ficamos com vergonha”. Além disso, eles recebem centenas de pedidos de autógrafos pelo correio, que costumam responder quando têm tempo.

“As pessoas mandam as capas do disco, artigos de jornal (para autografar), mandam pequenos pedaços de papel e pedem para que desenhemos algo. Também sempre temos universitários e colegiais nos ligando e pedindo para fazer entrevistas por telefone, para seus cursos de ‘Estudos dos anos 60’. Ficamos felizes com isso”.

Se tivesse de resumir Woodstock para um desses estudantes de hoje, Nick diria: “a principal mensagem de Woodstock foi: ‘olhe, nós somos jovens, é isso que fazemos. Nos juntamos e ficamos mais fortes para protestar contra o que estava acontecendo naquele momento, e também nos divertirmos e nos curtirmos. Ajudamos uns aos outros, e fomos embora em paz’”.

sexta-feira, agosto 14, 2009

High Noon: a solidão da coragem


Nei Duclós

A morte chegará no trem do meio dia. À sua espera estão seus aliados: o medo, o egoísmo, a fuga. O facínora que sai da prisão para acertar contas tem apenas um adversário: o velho xerife solitário que o prendeu e agora vai enfrentá-lo sem ninguém ao seu lado. A Justiça se retira, a cidadania se omite, a religião se fecha, o casamento escapa das mãos, a noiva se separa. A comunidade é incapaz de reagir, sob a justificativa de que aquela briga não lhe pertence, está confinada ao homem que representa a lei, culpado de ter cumprido seu dever e que agora se vê abandonado pelo que acumulou ao longo da vida.

Que tesouro acumulado é esse? O reconhecimento dos cidadãos, que se esvai logo que chega a notícia do tiroteio próximo; a honra de quem viveu e lutou honestamente, e que, apesar da determinação, chega a entrar em pânico diante do desenlace; o amor da jovem esposa Quaker, avessa a qualquer tipo de violência, que o deixa por não ter escapado a tempo da armadilha. A hora e meia de tempo real em que transcorre a obra-prima de Fred Zinneman, High Noon (Matar ou Morrer, 1952, com Gary Cooper e Grace Kelly) é o baú do xerife que se esvai minuto a minuto. A decisão de se aposentar depois de ter desempenhado bem de sua missão revela-se inútil quando a pressão do destino o convoca para o último duelo.

Não há, no universo hostil, ninguém mais solitário do que Gary Cooper e sua estrela de lata, debaixo do sol que castiga com luz e calor insuportáveis. Vejam como, desesperado, procura quem o apóie e é recebido com a porta na cara, cinismo, voluntários incapazes de lutar (o bêbado e o adolescente). Veja como quase cede diante da possibilidade de sair a galope dali. Mas ele sabe. Viver é adiar o inevitável. Chega o momento em que não é possível mais escapar desse confronto. Velho, machucado, com apenas um revólver e algumas caixas de balas, o herói dividido palmilha a rua que lhe servirá de jazigo. Ele carrega o mundo nos ombros. Mas não por muito tempo.

A morte que chegará de trem é bem-vinda para os habitantes da pequena cidade. Os vagabundos do bar, o vendedor de bebidas, o recepcionista do hotel querem o mesmo movimento que existia antes de o bandido ser trancafiado. O facínora faz bem para os negócios. A vida pacata instaurada pela eficiência do xerife cansa a cidade perdida no mapa. Eles recebem com alegria o irmão do malfeitor e debocham da solidão do xerife. Num clima diferente, mas com os mesmos resultados, os piedosos e aparentemente indignados pais de família reunidos na igreja dizem que já pagaram pela segurança e não cabe a eles arrostarem com o perigo.

Só resta ao xerife o enfrentamento, decidido numa seqüência memorável e curta. A briga, no fundo, não importa. O que está em foco é a ligação entre a sociedade estabelecida e o crime. São faces da mesma moeda: o Mal é confundido com prosperidade e aventura, o Bem é jogado na vala comum da indiferença. O sub-xerife que cobiça o cargo agora vago e que se recolhe à bebida no momento decisivo representa essa covardia que se quer justa, essa decadência alimentada por boas intenções que se revelam falsas.

Feito o serviço, onde o herói contou não apenas com a coragem, mas com a sorte e a experiência de guerreiro, é hora de jogar a estrela na cara de quem o abandonou. São eles que agora estão sós, abraçados aos bandidos acolhidos por sua conivência. Estes estão mortos, mas outros virão. E foi o que aconteceu. Mais de meio século depois de o filme ter sido lançado, estamos todos às voltas com o poder crescente da criminalidade. Fomos omissos e, mesmo que contássemos com um herói para resolver o impasse, isso não era suficiente. Sabíamos que o destino iria se cumprir. Bastava que ficássemos à sua espera na estação, armados com aquilo que sobrou no xerife de High Noon: a coragem, essa certeza de que, pelo menos uma vez na vida, temos chances contra o que já está decidido.

Nosso medo inventa a tirania. Só poderemos derrotá-la se nos convencermos que não há fuga possível. O tempo – todos os nossos pertences e conquistas - escoou pelo ralo. Quando o trem apitar, é chegada a hora.


Leia outros textos do Nei Duclós clicando aqui

Morre Les Paul, um dos inventores da guitarra elétrica, aos 94 anos


Da BBC

Les Paul, um dos inventores da guitarra elétrica, morreu aos 94 anos em Nova York, em decorrência de complicações causadas por pneumonia, declarou nesta quinta-feira um comunicado da Gibson, empresa que vendia seus instrumentos.

O modelo Les Paul da Gibson é considerado um dos mais icônicos da história da música moderna e é associado à imagem de alguns dos guitarristas mais importantes do rock, como Jimmy Page do Led Zeppelin, Pete Towshend do The Who e Slash do Guns N'Roses.

"Les Paul foi um exemplo brilhante de como a vida de uma pessoa pode ser intensa. Ele era tão brilhante e cheio de energia positiva. Estou honrado por ter podido tocar com ele algumas vezes nestes anos", disse Slash.

O presidente da Gibson Guitar, Dave Berryman, disse que "como pai da guitarra elétrica, ele não foi apenas um dos maiores inovadores do mundo, mas uma lenda que criou, inspirou e contribuiu para o sucesso de músicos em todo o mundo".

Inovador

Descontente com as limitações dos violões, Les Paul começou a experimentar com a amplificação de guitarras aos 13 anos, em 1928, ao colocar um receptor telefônico sob as cordas do instrumento.

Ele criou seu primeiro protótipo de guitarra em 1941. Mais tarde declarou: "levei o instrumento a uma casa noturna e a toquei. Obviamente, todos me rotularam de maluco".

A guitarra elétrica propriamente dita chegou ao mercado em 1952, época em que o rival, Leo Fender, estava terminando de desenvolver a Telecaster.

A estrutura da guitarra mudou pouco desde os anos 50.

Mas Les Paul criou também o gravador de multicanais, responsável pela sobreposição de pistas de gravação. A invenção criou uma revolução na indústria fonográfica.

Como músico, Les Paul chegou às paradas de sucesso em parceria com a esposa, Mary Ford, conseguindo atingir seu topo por 11 vezes nos EUA, conquistando 36 discos de ouro.

Ele ingressou no Hall da Fama do Grammy em 1978 e no Rock 'n' Roll Hall of Fame, 10 anos depois.

A poesia é necessária


eu, Anibal Beça, João Rodrigues e Celestino Neto ("Lé"), durante uma sessão de poesia falada no projeto "Poesia solta na rua", defronte à quadra da Reino Unido


Há mais de quarenta dias, meu brother Aníbal Beça trava uma luta titânica contra aquela senhora de negro. Com problemas de diabetes, hipertensão arterial e insuficiência renal, o “brujo” vem fazendo o que pode. Rezo diariamente para que ele consiga sair dessa, mas ainda não tive condições emocionais de ir visitá-lo.

As notícias que me chegam são frutos de seu fiel escudeiro, o ator Davi Almeida (que, aliás, hoje recebe seu canudo de jornalista na UniNorte), presença diária na UTI da Beneficente Portuguesa, e não são nada alvissareiras. Aníbal continua em coma induzido.

Para exorcizar essa sensação de perda (toc, toc!), publico dois poemas. Um do Thiago de Mello dedicado ao “brujo”. Outro, do “brujo” dedicado a mim. E vamos continuar rezando.

Para o livro do Anibal Beça

Thiago de Mello

Não faço prefácio. Faço
um canto de louvação.
A multidão de habitantes
da tua noite cintilante
crava estrelada alegria
nas profundezas das águas
que guardam a nossa infância.

Teu verso, vida ao reverso,
já é prefácio, anteface,
da clara felicidade
que só da poesia nasce,
é flor de nunca fechar.

Tem o vôo vagaroso,
mas de repente veloz,
de um pássaro cheio de asas
que inaugura um coração
no peito da inteligência
e planta, chuva de fogo,
a alvorada da razão
na fronte do sentimento.

Não faço prefácio. Faço
esta serena invenção:
como de açucena o brilho
contente perante a luz
da manhã que se levanta
e impregnando vai a vida
de sonora claridão.

Feliz dança, banda-de-asa,
papagaio de famão,
assim te louvo cantando
Anibal, meu claro irmão.


Ode ao poeta mordaz Simão Pessoa

Anibal Beça

A boca do poeta mordaz
Não se cala ao vento
Amordaça-o no vento
Em nó de nuvens.

Abençoada forquilha
De galho se abrindo
A língua se estica
Para a celebração
Do estilingue:

“Serpent: Penser
Present: Serpent”

Ó idolos de pés de barro
(descalços ou não)
ícones entronizados
mestres santificados
afastai vossas auras
para a passagem
das setas viperinas
(ou serão dardos de açucenas?)
yuppies-macuxis – suburucus
sintonizai vossas oiças:
todos terão trato adequado
latino-tropical
regado à
guarânia com guaraná

todos terão – sem exclusão –
a litania dos forcados
um dabacuri
um conciliábulo
de escárnio & maldizer
ao som
de guarânia com guaraná
dançada de parceria
com a vida
na sua antena em guarda
destruindo mil barreiras
e mais os cânones da província

Este Simão Pessoa
(guardem bem o seu nome)
é do meu chão
e do meu coração
e isto nada tem
com a rima fácil
e muito menos
com nenhuma solução
é apenas confissão:

se não me chamasse Anibal
me chamaria Simão

quinta-feira, agosto 13, 2009

Quatro poemas para a colombiana Isabel Rincon


Foder, foder em pé, foder deitado,
Foder no céu, no mar, foder na esquina,
Foder sobre a esmeralda do gramado
Ou sobre a tábua dura da sentina.

Foder de quatro pés, acocorado,
Dentro dos templos ou pelas campinas,
Foder no torno, velhas ou meninas,
Gozar fodendo de colhões puxado.

Foder, foder com o olhar, foder com pica.
Foder com a língua rubra que se estica
Ao contato de púbis distendido.

Foder, foder que a vida é tão somente,
Um fodalhaço dado, diariamente,
E quem não fode, irmão, está fodido.

(Ronald de Carvalho)


Depois de lhe beijar meticulosamente
O cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce,
O moço exibe à moça a bagagem que trouxe:
Culhões e membro, um membro enorme e tungescente.

Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinente,
Não pode ele conter-se, e, de um jacto, esporrou-se.
Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se
E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente.

Que vai morrer: – “Eu morro! Ai, não queres que eu morra?!”
Grita para o rapaz que aceso como um diabo,
Arde em cio e tesão na amorosa gangorra

E titilando-a nos mamilos e no rabo
(que depois irá ter sua ração de porra),
Lhe enfia cona a dentro o mangalho até o cabo.

(Manuel Bandeira)


A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
Pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
Ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
Em rotundo meneio. Anda por si
Na cadência mimosa, no milagre
De ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
Por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
Avolumam-se, descem. Ondas batendo
Numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
Na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
Rebunda.

(Carlos Drummond de Andrade)


Este teu cu, ó minha doce amada,
Voltado, assim, pras bandas do nascente,
Pareceu aos meus olhos, de repente,
Um pedaço de lua ensangüentada!

E é por vê-lo, assim, indiferente,
Às preces desta pica apaixonada,
Que me ponho a adorá-lo diariamente
Nesta minha capela de calçada.

Porém, um dia, amor, se tu quiseres
E o teu róseo botão enfim me deres,
Cheia de amor e de paixão profunda,

O mundo inteiro iria ver, tremendo,
O quarto Sputinik arremetendo
Na abóbada do céu da tua bunda!

(Farias de Carvalho)

quarta-feira, agosto 12, 2009

Fabricação Cultural no Amazonas


Em entrevista à TV Amazonas, o secretário Berinho Braga disse que "jazz é um ritmo latino". Isso dá bem a medida do nível de qualidade do Festival de Jazz que ele promove em nome do estado...

por Célio Cruz (*)

No mês passado, recebi por e-mail uma carta indignada do compositor Armando de Paula ao Governador do Estado, e, no último domingo, ouvi pelo rádio um comentário no programa Zona Franca, do Joaquim Marinho, que tinham em comum sérias, pertinentes e sinceras críticas à política de cultura do Estado do Amazonas. O primeiro denunciava a ausência de apoio da SEC (Secretaria de Estado da Cultura) à produção cultural local, especialmente na realização em Manaus da 61ª reunião da SBPC; o segundo reclamou que o Estado estava em todas, como produtor de cultura: ópera, jazz, cinema, e parece que vai produzir também um festival de dança, e que isso não seria propriamente trabalho do Estado.

Concordo com ambos, e já manifestei a minha concordância com o Armando através de resposta ao e-mail que ele enviou, e com o Marinho, pessoalmente, durante o lançamento do novo livro do Márcio Souza. Conquanto dispensem apresentação, é bom que se esclareça que tanto o Armando de Paula quanto o Joaquim Marinho têm bagagem de sobra para fazer com propriedade os comentários que fizeram sobre a nossa cultura, em momento mais do que necessário.

Não precisa muito esforço para perceber que a opção da SEC, há mais de doze anos, é pela produção de eventos de alta visibilidade midiática e política, mesmo sem lastro de movimentação cultural local. Explico: temos festival de ópera e um festival de jazz onde não se tem sequer um conservatório de música; temos um festival de cinema onde não há qualquer incentivo à produção de cinema, e por aí vai. Aliás, não há incentivo à produção artística nenhuma. Na verdade, não percebo coerência nem mesmo na própria programação dos espetáculos, nem seu viés econômico, social ou turístico. Temos eventos caríssimos destituídos de sentido realizados ano após ano e temos a principal biblioteca do Estado fechada há pelo menos três anos, por exemplo. O próprio festival de jazz amazonense é o único do mundo produzido e dirigido pelo governo, sem falar que, por mais que eu me esforce e consulte meus amigos que entendem mais de jazz do que eu, não encontro referência dos nomes dos convidados, com exceção, é claro, da nossa gloriosa Leny Andrade. De qualquer forma, não há como perceber qual é a intenção do festival, assim como dos outros eventos produzidos pela SEC.

O Estado do Amazonas se tornou um produtor de cultura. Totalmente desvinculado de sua realidade e com um indisfarçado desprezo pela produção local, pelos criadores e produtores, agentes culturais de um modo geral, sua história, sua memória, suas várias leituras da realidade, sua visão de mundo, o Estado do Amazonas, tal como no ciclo da borracha, resolveu modernizar a administração cultural para alcançar parâmetros americanos e europeus. O Estado se tornou um fabricador cultural.

O termo FABRICAÇÃO CULTURAL foi criado ou explorado pelo Professor Teixeira Coelho, em seu livro Dicionário Crítico de Política Cultural[1], o qual esclarece o seguinte sobre o significado da expressão:

Processo de mediação cultural com ponto de partida, etapas intermediárias, fim e finalidade previstos. Tem por meta, alternativa ou cumulativamente, a transmissão de conhecimentos e técnicas determinadas; a formação de uma opinião cultural específica; a conformação de um modo de percepção ou a produção de uma obra cultural previamente estipulada. Neste processo, os objetivos são predeterminados, cabendo ao agente ou mediador cultural orientar as atividades de seu público na direção estabelecida. Opõe-se, neste sentido, à ação cultural, processo de invenção e construção conjunta, entre mediadores e público, dos fins e meios culturais visados, não raro definidos apenas no decorrer do próprio processo.

O Professor ainda esclarece que o termo faz remissão à sua origem do latim, que significa “engano, artifício, dolo” e caracterizou períodos tenebrosos da humanidade, como o Estado Novo, no Brasil, o nazismo alemão e o fascismo italiano. E é exatamente o que observamos e vivenciamos no Estado do Amazonas na gestão atual da SEC, uma política pronta, arbitrária e individualista de cultura, que sequer deveria merecer este nome. Mas, como disse o Márcio Meira, atual superintendente da FUNAI, não ter política cultural é, em si, uma opção de política cultural.

O Estado deveria, tal como no tempo em que o Joaquim Marinho era Superintendente Cultural do Amazonas, ser um fomentador de cultura, agindo no apoio às manifestações culturais, na pesquisa cultural, na implantação de infra-estrutura para que as manifestações culturais legítimas aconteçam; aí se incluem a instalação e manutenção de teatros, bibliotecas, museus, escolas etc., além da divulgação local, nacional e internacional dessa produção, como também da história, da memória e dos costumes amazonenses, o jeito de ser e ver o mundo, a formação cultural. E não é só isso. O Estado deveria, tal como dispõe a Constituição Federal, franquear o acesso da sociedade às fontes de cultura, fazer com que ela se encontre consigo mesma e se veja e se ame, e, a partir daí, crie, desenvolva e fortaleça a sua própria identidade e autoestima. Isso, definitivamente, o nosso Estado não faz.

O projeto da SEC, por melhor que pareça a alguns, cansou, exauriu-se por completo e se tornou insuportável, a ponto mesmo de comprometer seriamente o nosso futuro como civilização e a sustentabilidade amazônica. É um projeto provinciano e retrógrado que reflete a falta de afinidade e de sensibilidade do Governo do Estado com relação à cultura. Temos reconhecidamente um problema de identidade e o projeto da SEC aprofunda essa crise, que se arrasta desde sempre até os dias atuais.

O recado aqui segue no mesmo sentido dado pelo Armando e pelo Marinho com relação à condução da política cultural do Estado: a força da política da SEC até pode estar correta, mas a direção está totalmente errada, o que vem a ser muito pior do que no tempo em que não havia dinheiro para a cultura. Termino com um poema do poeta Eduardo Alves da Costa, musicado pelo Armando de Paula.

Querem meu verso de nariz pro ar
Equilibrando a esfera
Enquanto alguém bate com a varinha
Para me por no compasso
(...)
Mas eu nascido num tempo de sussurros
Tenho a voz contundente
E por mais que eu me esforce
Não sirvo pra cantar no coro.


(*) Célio Cruz é advogado, escritor, cantor, compositor e Grande Sacerdote da AMOAL