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sábado, dezembro 19, 2009

A odisséia do Murrinhas do Egito no 2º Peladão - 1974 (Final)


Irecê (no centro) e Silene (primeira à direita): a batalha final

Na segunda-feira da semana da grande final, a Silene amanheceu se queixando de umas estranhas manchas vermelhas na pele. No dia seguinte, as manchas evoluíram rapidamente para pústulas horrorosas.

A sacana havia contraído catapora. Dá pra imaginar uma desgraceira maior?

As benzedeiras, mães de santo e médicos mais chegados (incluindo o Dr. Sebastião, que morava em frente de casa) desenvolveram todo tipo de ungüentos, pomadas, simpatias e banhos de descarrego, para contornar o problema, sem resultados.

Silene resolveu encarar o desfile daquele jeito. O Salão de Beleza da Joelma que desse os seus pinotes para disfarçar as intempéries.

Portando bandeiras, faixas de pano, caixas de foguetes e dezenas de litros de batida do Caxuxa, os moradores da Cachoeirinha lotaram o anfiteatro do Parque Dez , para torcer pela Silene. O pessoal de Flores fez o mesmo, para torcer pela Irecê.

Quando, depois do desfile das candidatas, o apresentador anunciou a Silene como primeira Rainha do Peladão, a galera explodiu de alegria. O vereador Fábio Lucena fez a saudação da nova rainha em nome do jornal A Crítica. A Miss Amazonas, Suzana Pires, fez a entrega da faixa.




Minha primeira reação foi correr para confortar a Irecê, que chorava copiosamente com o desmoralizante segundo lugar – ainda mais perdendo para uma rainha com visíveis marcas de catapora pela pele.

As pernas não obedeceram. Foi quando percebi que não devia ter tomado tanta batida de tamarindo do Caxuxa. Eu estava a um passo de entrar em coma alcoólica.

Voltamos para o bairro em carreata, onde a celebração virou uma zorra infernal, quase um carnaval fora de época. A Cachoeirinha em peso estava comemorando a vitória.

O Murrinhas do Egito já tinha cumprido metade da tarefa a que se propunha (ganhar os dois títulos em disputa). O resto era com nossos talentosos craques de futebol.

Numa quarta-feira pela manhã, Dia de Natal, no campo da Coca Cola, quando começou oficialmente a disputa da chave “Pelo Amor de Deus”, nossos piores pesadelos se concretizaram.

Na nossa chave estavam Estalo, Arranca Toco e Bancrévea. A gente ia enfrentar o Estalo, depois jogariam Arranca Toco e Bancrévea. A chave seria decidida entre os vencedores das duas partidas.


O timaço do Arranca Toco. Em pé, da esquerda pra direita, o radialista Waldir Corrêa é o terceiro, e Enedino Major, o quarto. Agachados, Folhinha abraçando João Cará (sentado sobre a bola), uma dupla infernal que aterrorizava os zagueiros adversários

Meu brother Enedino, o famoso “Major”, volante do Arranca Toco (e com quem eu trabalharia seis anos depois na Philco), explicou porque haviam sido desclassificados no “mata-mata” da fase normal da competição.

A Comissão do Peladão marcou o jogo pra domingo de manhã. Todo mundo cheio de mé, só apareceram oito para jogar. Levaram de um a zero, do Rener. Comecei a acreditar que aquela era a chave dos “cachaceiros”.

Pra mim, foi um dia inesquecível. No primeiro jogo (dois tempos corridos de quinze minutos), o Estalo fez um gol no início da partida (num vacilo do Petrônio Aguiar, que escorregou na hora de isolar a bola) e foi todo pra defesa.

Os sacanas chutavam a bola pro matagal ao lado do campo, onde funcionava uma pista de motocross, a gente levava uma eternidade tentando encontrar a bola para reiniciar o jogo e o tempo correndo.

Faltando pouco mais de um minuto pra terminar a partida, eles cometeram uma falta na lateral esquerda do campo, nas proximidades da grande área.

Capitão da equipe, eu mandei todo mundo ir pra dentro da área (inclusive o goleiro Mário Adolfo), que eu ia meter um “chuveirinho” e fosse o que Deus quisesse.

Se o Estalo armasse um contra-ataque e metesse a bola no gol vazio, era o de menos. A gente já ia ficar de fora mesmo.


O brilhante time do Estalo quis fazer graça e acabou pagando caro pela gaiatice

Áureo Petita enrolou a beira do calção (toda vez que estava nervoso, ele fazia esse gesto), posicionou a bola no local apontado pelo juiz e falou pra mim:

– Presidente, deixa comigo, que eu vou colocar essa bola na cabeça do Luiz Lobão!

Concordei e fui lá pro meio do “bolo”. No mínimo, com os meus 1,78 cm e 80 quilos (é, já fui mais magro), eu ajudaria a atrapalhar a visão do goleiro.

Aí, o filho da puta do Áureo, em vez de levantar a bola na área como a gente havia combinado, meteu uma trivela de três dedos por cima da barreira.

A bola fez uma curva e se alojou no ângulo direito do goleiro Akel, que ficou parado embaixo da trave. Simplesmente uma pintura. Petita acabara de fazer um gol de placa histórico.

Nos pênaltis, Mário Adolfo defendeu duas cobranças e despachamos o Estalo, time do meu querido professor Bar, com que eu também trabalharia na Philco na década seguinte.

No segundo jogo, o Arranca Toco meteu 2 a zero no Bancrévea (gols de Lindemberg e Osmar) no primeiro tempo e passou o segundo tempo apenas tocando a bola de pé em pé, se poupando visivelmente para a partida decisiva contra o nosso time. O toque de bola dos filhos da puta era de encher os olhos.

Para enfrentar aquele toque de bola infernal, armei a única tática possível: nada de o nosso time ir pro ataque. Iríamos ficar o tempo todo na defesa e, toda bola que a gente tomasse teria que ser isolada no matagal.

Era um anti-jogo, evidentemente. E daí? O poderoso Estalo quase nos tirara da competição fazendo aquela mesma papagaiada. Íamos nos envergonhar de que?...

Dito e feito. Enfrentamos a pressão absoluta do Arranca Toco durante meia hora, com o nosso time inteiro (e o deles) dentro do nosso campo, chutando a bola para o matagal e o Mário Adolfo fazendo milagres embaixo do gol.

Arrancamos um heróico zero a zero. Nos pênaltis, Mário Adolfo defendeu uma bola e despachou o timaço do Arranca Toco.


Tuna Luso: Bosco, de cabelo black power, é o quinto dos que estão em pé, enquanto Preto Fernando, hoje treinador do Zaire, é o último. Entre os agachados, o fabuloso colored Manuel Maravilha, um cracaço

Na noite do dia seguinte, no campo do Bancrévea, enfrentamos a Tuna Luso, dos meus brothers e ex-companheiros de ETFA: o atacante Bosco, hoje dono do restaurante “Três Porquinhos”, e o lateral esquerdo Preto Fernando, atualmente professor do Cefet.

Pra chegar até ali, a Tuna havia derrotado o Banik e depois o JAP, que tinha como credenciais ter sido campeão da competição em 73 e campeão do torneio início de 74. Quer dizer, a Tuna não era nenhum time de manés.

Foi um jogo catimbado, do começo ao fim. No primeiro tempo, zero a zero. No começo do segundo tempo, o Bosco fez um gol de cabeça usando a mão. Todo mundo viu. Quer dizer, todo mundo não. O juiz validou o gol.

Foi uma confusão do cacete. Quando os ânimos se acalmaram, depois de uns dez minutos, a gente só estava com nove: Luiz Lobão e Nilton haviam sido expulsos.

Em vez de ir pra cima e resolver logo a parada, o time da Tuna se acovardou e foi todo pra defesa, esperar o tempo passar. Foi o erro deles.

Faltando uns cinco minutos, o Áureo Petita driblou três marcadores e serviu de bandeja ao Wilson Fernandes, que driblou o goleiro e entrou com bola e tudo. A partida estava empatada.

Na decisão por pênaltis, Mário Adolfo defendeu uma cobrança e nós ganhamos do time do Bosco de 5 a 4.

Nosso próximo jogo seria no domingo de manhã, dia 29 de dezembro, no campo do Oratório. Iríamos jogar contra o Juventus, da Aparecida, uma outra pedreira.

Eles tinham sido campeões de uma outra chave onde também só havia timaços: Castelinho, Grêmio Amazonense, Rener e Fast, entre outros.

O vencedor desse jogo enfrentaria na mesma tarde o Areal, time de meu brother Mário Gordinho, no campo da Coca Cola. Quem vencesse disputaria a oitava vaga com o Polônia.

Graças ao talento de Mário Gordinho e Ironilson, o Areal já havia detonado vários bichos-papões, porque caíra no grupo mais difícil da chave “Pelo Amor de Deus”.

Aeromar, Torpedo, Ponta Pelada, JARA, Academia, Grêmio Rodoviário, todos eles haviam sido despachados pelo valente time de Santa Luzia.

O Juventus nos pegou em um dia em que nada dava certo. Além de a gente perder gols incríveis, o Mário Adolfo engoliu alguns “frangos” memoráveis. Com menos de meia hora de jogo, a gente já estava perdendo de 3 a zero.

No segundo tempo, o massacre continuou, mesmo com Erivam entrando no lugar do Mário Adolfo, que reconheceu não estar em um de seus melhores dias.

Somente com a entrada de Kepelé nos 15 minutos finais, quando eles já nos ganhavam de 4 a 1, foi que a gente esboçou uma pequena reação. Mas não deu.

O Juventus nos ganhou de 5 a 3, mas infelizmente cometeu um erro primário. Fez sete substituições, quando o máximo permitido era seis.


O velho Simão e Diego Casado, filho da Silene: torcedor dos Murrinhas desde épocas imemoriais

Quem notou a presepada foi meu pai, o velho Simão, um torcedor fervoroso – e briguento! – dos Murrinhas.

Os advogados Vilson Benayon e Oásis Trindade, irmão do Olíbio Xiri, foram imediatamente denunciar a fraude na coordenação do Peladão. Ganhamos os pontos no tapetão.

À tarde, quando nos preparávamos para enfrentar o Areal no campo da Coca Cola, o Juventus e centenas de moradores da Aparecida apareceram no local e não deixaram o jogo acontecer. A partida foi suspensa.

No segundo julgamento, foi confirmada de novo a nossa vitória no tapetão. O jogo Murrinhas e Areal foi marcado para a manhã de uma quinta-feira, dia 2 de janeiro, no campo da Coca Cola.


O advogado Vilson Benayon encostando Messias Sampaio na parede. De pantalona e bolsa a tiracolo, o inesquecível Wilson Fernandes

Dessa vez, não houve apelação. Em um jogo muito disputado, mas sem catimba ou violência, o Areal nos ganhou de 2 a 1.

Naquela mesma noite, o Polônia derrotou o Areal por 1 a zero, mas o jogo foi anulado.

No novo jogo, na noite seguinte, o Areal enfiou 5 a 1 no Polônia (3 gols de Ironilson e 2 de Mário Gordinho) e conquistou o direito de ficar entre os oito melhores times da competição. Ou seja, o Murrinhas quase chegou lá.

Nas quartas de final, o Estrela derrotou o Colorado por 2 a zero. O Vasquinho empatou com o Vasco (um genérico do JAP) em 1 a 1, mas ganhou a vaga nos pênaltis.

O Areal ganhou do famigerado DEO de 2 a zero (dois golaços do Mário Gordinho).

O Bulbol empatou com o Sancol em 1 a 1. Como o campo já estava no escuro, não pôde haver disputa de pênaltis. Os capitães do time, em comum acordo com a coordenação do Peladão, resolveram fazer um novo jogo no dia seguinte. O Sancol perdeu de 2 a 1.


O Bulbol era formado basicamente pelos ex-profissionais do Fast Clube, que havia sido campeão amazonense em 1971: Marialvo, Pedro Hamilton, Casemiro, Edinho, Sé, Antonio Piola, Edson Piola, Cláudio, Santos, Paulo e Zezinho Bulbol. O ex-goleiro Marialvo jogava na linha. Quem fechava o gol do time era o goleiro Alfredo.


O Estrela também tinha alguns ex-profissionais como Paulinho (ex-ponta esquerda do Rio Negro), Torrado (ex-centroavante do América), Esquerdinha (ex-ponta esquerda do Nacional), Rubens (ex-volante do Rio Negro) e Tocaia (ex-quarto zagueiro do Olímpico), mas sua grande estrela era o grandalhão Thompson, vice-artilheiro do campeonato com 26 gols. O técnico era o Amaury, goleiro profissional do América.

Estava na cara que a final seria entre os dois times.


O Vasquinho tinha bons craques como Tadeuzinho, Eurico e Lelé, mas faltou um pouco mais de malícia, experiência e picardia para ser campeão

A exemplo do Murrinhas, o Areal e o Vasquinho eram formados basicamente por moleques vindos dos campos de várzea. Eles não seriam páreos para ex-profissionais tarimbados, muito deles ainda em plena forma física como os irmãos Edson e Antonio Piola.

Os dois jogos da semifinal foram realizados no Parque Amazonense. No primeiro jogo, o Estrela ganhou do Vasquinho de 2 a zero (gols de Paulinho e Torrado), mostrando um futebol burocrático e pouco criativo, que não empolgou ninguém.


Mario Gordinho, ainda louro, comemora o 1º gol do Areal contra o Bulbol. Depois, São Pedro resolveu estragar a festa dos moleques.

No segundo jogo, o Areal surpreendeu o Bulbol, quase enlouquecendo os velhinhos com seu apurado toque de bola e rapidez nas conclusões.

Fez 1 a zero (gol de Zé Carlos, passe de Mário Gordinho), carimbou a trave duas vezes, o goleiro Alfredo, do Bulbol, fez uma defesa inacreditável para evitar o segundo gol, enfim, o Areal estava dominando a partida e desenhando uma sonora goleada.

De repente, não mais que de repente, começou a cair um aguaceiro infernal, que não parou mais. Era uma chuva torrencial, dessas típicas do inverno amazonense.

Com o campo completamente encharcado, onde o que conta é a força física e não o toque de bola, os meninos de Santa Luzia se viram em apuros.

Dotado de um dos chutes mais fortes e precisos da história do futebol amazonense, Antonio Piola foi o verdadeiro artífice daquela virada.

Toda bola que ele pegava, em que parte do campo estivesse, o sacana levantava a esférica, metia um tirambaço, e mandava de “chuveirinho” para a área do Areal (naquela época, as bolas de couro encharcavam e ficavam pesando uns cinco quilos). Não deu outra.

O centroavante Santos fez 3 gols de cabeça, enquanto Marialvo e Zezinho Bulbol completaram a goleada de 5 a 1.

Foi uma grande injustiça. Em campo seco, dificilmente o Bulbol teria derrotado o Areal. Mas isso faz parte da vida.


A decisão do campeonato aconteceu no campo do General Osório (atual Colégio Militar de Manaus). O chute inicial foi dado pela Silene, vestida com o equipamento do Murrinhas do Egito, marrelógico.

Na disputa pelo terceiro lugar, os garotos do Vasquinho ganharam de 2 a 1 dos garotos do Areal, num jogo bastante pegado, mas sem violência.

Na grande final, o Estrela fez 2 a zero, mas o Bulbol tanto pressionou que acabou empatando o jogo. A partida ficou eletrizante, com os dois times partindo decisivamente pro ataque.

Quase no fim da partida, numa bobeada do zagueiro Pedro Hamilton, o centroavante Thompson fez o gol da vitória e garantiu o título para o time do Boulevard Amazonas.

Ainda no primeiro tempo, Paulo (Bulbol) e Torrado (Estrela) foram expulsos por trocarem amabilidades sobre as respectivas genitoras.



Na sequência, o nosso meia-armador Áureo Petita foi escolhido o craque do ano e na seleção do Peladão, além do Áureo, também estavam meus brothers Bosco (Tuna), Mário Gordinho (Areal), Orlando (Aeromar) e Gilberto (Sancol).


Seleção do Peladão: Tom (Areal), Orlando (Aeromar) e Bosco (Tuna)



A coordenação do Peladão garantiu que os 16 times melhores colocados seriam premiados com uma bola Drible e um jogo de camisas. Pela nossa contagem, a gente havia terminado atrás do Polônia e, portanto, ficaríamos em 10º lugar (o Polônia, que perdera a oitava vaga, pela lógica seria o 9º).


Áureo Petita, primeiro craque de Peladão e meu parceiro de birita até hoje

Ocorre que a coordenação preferiu levar em conta a campanha dos times antes de participarem da chave “Pelo Amor de Deus”. Acabamos no 20º lugar. Os advogados Vilson Benayon e Oásis Trindade ainda se escalaram para a gente virar a mesa no “tapetão”.

Achei melhor não. Para um time de biriteiros contumazes em seu primeiro ano de campeonato, a gente já tinha dado um passo maior do que a perna. Era melhor deixar a poeira baixar e se preparar para o próximo ano.

Bons tempos, zifio, bons tempos! E quem quiser que conte outra.

Um comentário:

Hilda Karlinja Redação disse...

Lembro quando meu pai falava da época que jogava bola, só não recordo exatamente onde jogava, mas lendo um pouco a matéria li alguns nomes muito familiar, como: "Folhinha", Bosco. Eram amigos do meu pai Francisco Carlos mais conhecido como Catita que estudou no ETFA e logo em seguida virou servidor público do mesmo.