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sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Reversões à moda Acram Isper



Uma releitura beatlesca para o clássico do Led Zeppelin. Trata-se de uma brincadeira de uma banda australiana, chamada Beatnix. Apesar da aparência sixtie, a gravação é dos anos 90. Enjoy…



O mais legal dessa releitura do freak Frank Zappa é a dança coreografada da galera dos metais, no canto direito do palco. Com um pouco mais de concentração, eles fariam o rebolation.



A apresentação rockjazzística do Stanley Jordan é simplesmente desbundante!



Essa versão zeppeliana é aquela do filme The Song Remains The Same (aka "Rock é Rock Mesmo!"), que assisti no Ipiranga, no final dos anos 70, quando o velho cinema da Cachoeirinha já estava entrando em sua fase terminal.

Boca livre no Pina Chope


A Profª Drª Iraildes Caldas Torres e o escritor Evaldo Ferreira, respectivamente Diretora e Assessor de Comunicação da Editora da Universidade Federal do Amazonas (EDUA), convidam os amantes da boa literatura para o lançamento do livro “Cinema e Crítica Literária de L. Ruas”, do historiador Roberto Mendonça.

O fuzuê vai rolar no Espaço Cultural Pina Chope (altos), na Av. Joaquim Nabuco, 931 – próximo à Rua Lauro Cavalcante, a partir das 19h dessa sexta-feira. Quem perder é fedepê.

Sobre a obra, o poeta, escritor e acadêmico Zemaria Pinto (mais imortal do que o Fantasma-que-anda) escreveu o seguinte texto:

L.Ruas é um ícone da literatura amazonense. Figura controversa, suas aulas de Filosofia, no velho seminário transformado em Instituto de Ciências Humanas e Letras, ao final dos anos 70, eram das poucas a manter a audiência em alta entre os futuros economistas, no meio dos quais eu, tímido por natureza e intimado pela figura do mestre: a tez acobreada contrastando com branca e densa cabeleira, o cigarro sempre entre os dedos e língua permanentemente afiada. Diziam-se coisas do mestre: no mínimo, que era um padre comunista...

Numa ocasião, alguém ousou tecer um comentário desairoso sobre a Teologia da Libertação. Se um pombo dos muitos que voejavam errantes pelo ICHL entrasse em sala naquele instante, diria que era o próprio Espírito Santo que fora assistir ao mestre defender a luta de classes e o socialismo sob uma perspectiva cristã. Naquele momento, lamentei não ser cristão. Aliás, por muito pouco não me converto.

Mas as melhores lembranças que tenho de L. Ruas são bem anteriores ao vetusto prédio da Emílio Moreira. Seus poemas e crônicas publicados nos jornais da cidade, trazidos à noite por meu pai, eram sempre motivo de prazer, reveladores de uma cultura que eu, adolescente, desejava para mim. Debalde, desde então, tenho tentado.

Literatura, cinema, arte, política, comportamento - nada escapava ao olhar aguçado do mestre. Olhar enigmático e zombeteiro, que não dispensava uma ironia e uma boa polêmica.

Esse trabalho, organizado pelo historiador Roberto Mendonça, resgata a face cronista de L. Ruas. Gênero difícil, pois feito para consumo imediato, reconhece-se o bom cronista quando, anos depois, se lê sua obra. Se ainda mantém o interesse, se não foi tragada pelo tempo, sobressai-se a qualidade do autor.

É o caso desta coletânea, que conta um pouco da história de Manaus, pelos filmes, pelos livros, mas, sobretudo, pelas ideias que o autor coloca em pauta. Ao notável poeta junta-se agora o cronista, rigoroso e perspicaz, expressão perfeita do grande artista que foi L. Ruas.

Escolha a fantasia do Bráulio para a Banda Tira Ressaca

A espevitada Shirley Morais, frequentadora assídua do mocó, me enviou esses instigantes estudos artísticos abaixo para saber com qual deles pretendo participar na Banda Tira Ressaca, que rola amanhã, lá no Sambódromo.

Como devo viajar para Silves nesse final de semana e, portanto, não participarei dessa derradeira folia de Momo, transfiro o abacaxi pra vocês. Divirtam-se.


Bombalá e os loucos foliões


José Ribamar Bessa Freire

É carnaval. Milhões de brasileiros caem na folia. No Rio de Janeiro, em todos os bairros, pululam centenas de blocos de rua. Um deles é o ‘Tá Pirando, Pirado, Pirou’, que nasceu no Instituto Pinel, na Urca, em 2005, e hoje é formado por usuários, familiares e funcionários de todas as instituições de saúde mental da rede pública, além de simpatizantes da causa. No ano passado, recebeu o prêmio ‘Loucos pela Diversidade’ do Ministério da Cultura. Neste ano, desfilou pela Av. Pasteur, com o enredo “Ser maluco é fácil, difícil é ser eu”, animado pela Bateria Batuque de Bamba.

Esse enredo, que nos convida a uma reflexão sobre a identidade e a exclusão do louco, foi proposto por João Batista, um portador de sofrimento psíquico. Ele sentiu na própria pele a violência do isolamento em um hospício e, com base nisso, sentenciou: “ser maluco é fácil, basta você ter sua primeira internação no manicômio e o sistema faz o resto”. Concluiu, depois de ser tratado pelos novos serviços instituídos pela Lei da Psiquiatria de 2001: “Como é difícil ser eu!”. Criou, sem querer, o mote para o enredo.

A lógica manicomial dá muito pano para fantasias e alegorias, com seu tratamento agressivo, camisa-de-força, psicocirurgia e eletroencefalograma duvidoso, que não deixam o eu ser eu. Um dos bonecos gigantes que desfilou no bloco, movido por um folião, tinha o corpo, os braços e as pernas formados por caixas de psicotrópicos. “Foi comovente ver ex-pacientes de longos anos de internação num macro-hospício participando da evolução da comissão de frente” declarou a psicóloga Rosaura Braz.

O desfile do bloco “Tá pirando” carnavalizou, dessa forma, as idéias de Michel Foucault que estudou, no seu livro História da Loucura na Idade Clássica, as diferentes formas de tratar os distúrbios mentais nos últimos séculos. O filósofo francês demonstrou que os loucos, que viviam vagando pelas cidades, passaram a ser internados não por razões médicas, mas com objetivo de vigiar, controlar e punir. O hospício, em vez de um lugar de cura, se tornou uma fábrica de loucos.

Toma limonada

O enredo do bloco toca na ferida. Hoje parece absurdo, mas antes muita gente acreditava e outros fingiam crer que a loucura era contagiante, que a doença mental podia ser transmitida através do convívio e que, por isso, o louco - um doente incurável e perigoso – devia ser internado, segregado e excluído da sociedade. Essa idéia foi tão nociva, burra e interesseira quanto a crença em ‘raças inferiores’. No caso da mulata, o racismo de Lamartine Babo dava um desconto, quando cantava: “mas como a cor não pega, mulata, eu quero o teu amor”.

Já com a loucura, que ‘pega’, não havia atenuantes. O remédio para essa espécie de ‘lepra mental’, além da discriminação, era o confinamento. Criou-se o ‘medo do contágio’ como uma justificativa ideológica para impedir que os loucos ficassem vagando nos grandes centros urbanos, alterando a ordem. No entanto, nas cidades de pequeno e médio porte, onde o poder político era, felizmente, fraco ou incompetente para organizar a repressão, a idéia não vingou. Foi o caso de Manaus.

Os loucos, alguns de famílias tradicionais, circulavam livremente pelas ruas da capital amazonense, até os anos 50/60, ainda que a convivência com a população nem sempre fosse harmoniosa. Às vezes eram escorraçados pela molecada, mas freqüentemente eram tratados com respeito e conseguiam estabelecer relações solidárias com os moradores dos bairros, que em certa medida embarcavam em suas fantasias.

O mais famoso deles - o Bombalá - foi cantado em prosa e verso por Thiago de Mello, Arthur Engrácio, Aristófanes de Castro e outros. Ele adorava desfilar, vestido com uma calça pega-marreca. Era ele quem abria os desfiles da Polícia Militar, nas festas cívicas, regendo a banda de música da PM, com uma vara na mão, que lhe servia de batuta, gesticulando e marchando com passos marciais e ritmados. De uma família com posses, residia num casarão da Av. Joaquim Nabuco, perto da Praça da Polícia.

Dizem que Bombalá chegou a estudar música. O certo é que quase nunca perdia uma apresentação no coreto da Praça da Polícia, onde a banda da PM sempre contava com a sua batuta de maestro. Cheguei a vê-lo, em minha infância, desfilando à frente do Colégio Estadual do Amazonas, na parada escolar de 7 de setembro, murmurando em forma cadenciada: toma-limonada-pra-cagar-de-madrugada, toma-limonada-pra-cagar-de-madrugada.

Cheira, Macaxeira

Bombalá é o primeiro de uma longa lista, que tem Carmen Doida, Nega Maluca, Nega Charuta, Neide Pipoca, Tom Mix, Macaxeira, Zé Bundinha, Antônio Doido, Raimundo Mucura, Professor Guilherme, Solaninho, Porca Vadia, Bonitão – primo do governador Álvaro Maia - e tantos outros. É possível mapeá-los bairro a bairro.

Cada um com sua mania. Tom Mix, o xerife, nasceu no velho oeste e entre bravos se criou. Tinha a cara bexiguenta. Nunca casou para não atrapalhar sua missão na terra. Era viciado em filme de bang-bang. Morava numa casa na esquina da Henrique Martins com Rui Barbosa, de propriedade de seu irmão, o coronel Trigueiro, que trabalhava no Palácio do Governo. A vizinhança com os cines Polytheama e Guarani alimentava seu vicio: não perdia uma sessão. Assistia todos os seriados. Pulou para dentro das telas e passou a viver lá, enfrentando índios e bandidos que assaltavam diligências.

Para isso, Tom Mix, já meio coroa, circulava pelo centro de Manaus sempre vestido de cowboy: botas country, calça de brim ajustada, camisa quadriculada com uma estrela no peito, jaqueta de couro, cinto com vistosa fivela, onde estavam penduradas duas cartucheiras com revolver de espoleta e, para completar, um chapéu cor de areia com arame embutido na aba, que ele só retirava para dar bom-dia às donzelas ou quando enfrentava ladrões de gado, montado no cavalo Champion, emprestado do Gene Autry.

A mania de Macaxeira, outro da lista, era organizar a trafegabilidade das vias. Ele era mais que um guarda, era o guardião do trânsito, capaz de identificar os pontos de engarrafamento e de agilizar o fluxo de veículos, que na época incluía até carroças. Com um giz, demarcava seu espaço riscando um círculo no asfalto, em cruzamentos importantes. De lá, apitava, gesticulava, parava ou fazia avançar os carros.

Quando alguém para molestá-lo gritava: “Macaxeira”, ele descia de suas tamancas e dava o troco, rimando: “Pega no meu pau e cheira”. Foi o que aconteceu com a então jovem Charufe Nasser, minha amiga, multada por ele quando, numa bicicleta, furou o sinal da Monsenhor Coutinho com a Ferreira Pena. Até hoje ele está traumatizada.

Há um pouco mais de três anos, Rogelio Casado, coordenador do Programa Estadual de Saúde Mental, começou a recolher depoimentos sobre os loucos de rua, em Manaus, com o objetivo de avaliar como a memória pode contribuir para a inclusão social dos loucos na cultura de nossos tempos. Ele zela pelas lembranças dos loucos como o jornalista Carlos Zamith, com seu Baú Velho, cuida da memória do futebol amazonense: com devoção, com unção.

Vários depoimentos foram publicados no blog Picica administrado por Rogelio Casado, onde podem ser encontrados também registros sobre os avanços e recuos da Reforma Psiquiátrica, notas sobre os preparativos da 4ª. Conferencia Nacional de Saúde Mental, que se realizará em julho e notícias sobre blocos pelo Brasil afora que reúnem médicos, enfermeiros, pacientes, familiares e simpatizantes.

Só no Rio de Janeiro, além do ‘Tá pirando’, tem o ‘Loucura Suburbana’, do Instituto Nise da Silveira, que já desfilou dez anos seguidos pelas ruas do Engenho de Dentro, e o ‘Tremendo nos nervos’ do Centro Psiquiátrico (CPRJ), que sai na Praça da Harmonia, no bairro da Saúde. Com seis meses de antecedência, eles começam os preparativos: fazem oficinas, escolhem um tema, estudam o enredo, selecionam o samba e trabalham a produção de fantasias, bonecos e estandarte.

A participação dos pacientes na produção do bloco já faz parte do próprio tratamento, porque ajuda na recuperação, colabora com a inclusão social e, sobretudo, enfrenta o estigma da loucura com coragem e alegria. Se, em francês, loucura é ‘folie’, então esses blocos incorporam os verdadeiros foliões, cuja alegria, essa sim, é contagiante. O Bombalá, certamente, se vivo, teria gostado de desfilar em algum deles.

P.S. – Agradecemos as informações e as fotos feitas pela psicóloga Rosaura Maria Braz.


(Publicado no jornal Diário do Amazonas, em 14.02.2010)

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Das razões para não se fiar em irmãos caçulas


O sindicalista Edivaldo Guimarães (de camisa vermelha), Adélia Barraqueth e seus colegas de trabalho da Cobil

Outubro de 2006. Eu estava em Belém do Pará há uma semana, em companhia do sindicalista Carlos Lacerda, quando pedi ao Edivaldo Guimarães, Secretário Regional Norte da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, que me levasse à casa do jornalista Lucio Flavio Pinto, pois eu pretendia adquirir alguns de seus livros para presentear alguns amigos de Manaus.

Era uma tarde de sábado, véspera do Círio de Nazaré. O jornalista nos recebeu em sua casa e foi muito atencioso. Perguntou pelo Aldisio Filgueira, conversamos sobre amenidades e, depois de alguns minutos, ele trouxe o mostruário de suas obras disponíveis.

Escolhi dez livros (R$ 300) e o Lacerda escolheu outros cinco (R$ 150). Perguntei se ele podia autografar os meus. Ele concordou. Comecei a citar os nomes: Aldisio Filgueiras, Aníbal Beça, Zemaria Pinto, Mouzar Benedito, Marco Gomes...

Quando falei Amílcar Guimarães, ele parou de autografar os livros, me olhou visivelmente puto e disparou:

– Você é amigo desse filho da puta?...

Sem saber se ele estava brincando ou não, limitei-me a responder:

– Eu ainda não o conheço pessoalmente, só falei com ele por telefone. Ele é o irmão caçula da minha mulher...

Senti que o ambiente havia ficado tenso dentro da sala.

– Porra, cara, foi esse filho da puta que me condenou no ano passado. Eu não vou autografar porra nenhuma pra ele porque ele é um escroto...

Pedi desculpas ao Lucio Flávio Pinto, meio sem jeito, expliquei que não estava sabendo de nada. Ele foi ao seu escritório, pegou dois documentos e me entregou:

– Quando você tiver tempo, lê isso aí...

Guardei os documentos junto com os livros, nos despedimos civilizadamente e fomos embora. O Carlos Lacerda estava se segurando pra não explodir de rir da minha saia-justa.


Dentro do carro, comecei a ler o primeiro texto do Lucio Flavio Pinto, datado de junho de 2005.

Era uma espécie de nota de esclarecimento destinada à opinião pública do Pará. A transcrição segue abaixo:

O Diário da Justiça do Estado, edição de hoje, 24, publica sentença de autoria do juiz Amílcar Guimarães, respondendo pela 4ª vara cível do fórum de Belém, datada do dia 27, dando ganho de causa a Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida, em ação ordinária de indenização por danos morais que moveu contra mim.

O juiz me condenou a pagar ao autor indenização no valor de R$ 8 mil, acrescidos de correção monetária pelo INPC da Fundação IBGE a partir da data da publicação da matéria considerada ofensiva, em 2000, juros de mora de 6% ao ano a partir da citação, mais 15% de honorários advocatícios sobre o valor da condenação.

Autorizou C. R. Almeida a dar publicidade à decisão, embora não me impondo a publicação.

O juiz Amílcar Roberto Bezerra Guimarães é titular da 1ª vara cível. Ele foi designado para responder pela 4ª vara, por portaria do presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, desembargador Milton Nobre, no dia 15.

Luzia do Socorro Silva dos Santos, que é juíza substituta da 4ª vara, havia pedido licença para freqüentar um curso fora do Pará.

A portaria de designação de Amílcar foi publicada no Diário da Justiça do dia 16.

No dia seguinte os autos do processo de indenização proposto pelo empresário Cecílio de Almeida lhe foi concluso.

No mesmo dia, uma sexta-feira, o juiz deu sua sentença, de seis laudas.

Na segunda-feira seguinte retornou ao seu posto, com o retorno da juíza Luzia do Socorro.

A C. R. Almeida é apontada, no “Livro Branco da Grilagem no Brasil”, editado em 2002 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, como a responsável pela mais grave tentativa de apropriação indébita de terras públicas no país.

A empresa, uma das maiores empreiteiras brasileiras, com sede no Paraná, se diz proprietária de uma área de terras que pode ter de cinco a sete milhões de hectares, no vale do Xingu, no Pará.

Essa área, que integra a chamada “Terra do Meio”, é cobiçada por ter a maior concentração de mogno, a árvore de maior valor da Amazônia e seu produto de maior cotação (cada metro cúbico pode chegar a valer 1.800 dólares).

Uma das matérias publicadas por meu “Jornal Pessoal”, quinzenário que edito em Belém há quase 18 anos, denunciou essa grilagem, confirmada por todas as instâncias do poder público, que movem ações para anular os registros e transcrições imobiliárias dessa falsa propriedade junto ao cartório de Altamira.

A base dessas ações é que jamais o Estado expediu um título sobre essas terras.

A cadeia dominial em poder da C. R. Almeida tem como origem um “título hábil”, que ninguém jamais apresentou pelo fato simples e categórico de que inexiste.

Trata-se de uma imensa grilagem sem título, enquanto a outra grilagem famosa, a de Carlos Medeiros, não tem grileiro (o personagem é fictício, um “laranja” inventado por advogados e corretores imobiliários).

Na sua sentença, o juiz Amílcar Guimarães afirma que toda a prova do dano moral perpetrado pela reportagem contra Cecílio do Rego Almeida está contida na própria matéria do “Jornal Pessoal”: “O que ali consta é suficiente para que este juízo, ou o Tribunal no julgamento de eventual recurso decida se houve ou não danos à moral do autor”, escreveu o juiz.

Para ele, “os fatos são incontroversos” e a causa “é simples”, apesar do contraditório desenvolvido pelas partes nos autos, com argumentações, documentos e provas juntados, formando um volumoso processo, com dois apensos.

Por considerar a “simplicidade da lide”, o juiz admite ter sido “obrigado a apreciar preliminares sem sentido e agora o insosso argumento da falta de nexo de causalidade e de conduta culposa ou dolosa”.

Tanto as preliminares quanto o argumento são da defesa. Nenhuma objeção ao autor da ação.

O magistrado declara que as teses foram levantadas nos autos “apenas para torturar o julgador obrigando-o a um infrutífero trabalho braçal”.

Para ele, “as duas únicas questões relevantes para o julgamento da lide” são: “A matéria publicada pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto, no seu ‘Jornal Pessoal’, tem potencial ofensivo para lesar a moral de um homem médio? A liberdade de imprensa, direito constitucional, não lhe assegura publicar suas reportagens com os exatos termos que publicou?”.

Sobre esses dois temas, o juiz garante que “poderia escrever um livro, talvez uma biblioteca inteira”.

Mas escreveu logo uma sentença, na qual conclui que a matéria do “Jornal Pessoal” era “uma narrativa jornalística sem qualquer potencial ofensivo, exceto quando o jornalista sai da linha editorial com que se conduzia e afirma; ‘Cecílio do rego Almeida é apenas o mais audacioso, esperto e articulado desses piratas fundiários’”.

Nesse ponto, segundo Guimarães, o jornalista “não está informando seus leitores (direito constitucional). Está apenas ofendendo o autor com uma afirmação grosseira, sem qualquer conteúdo jornalístico e que nada de útil acrescentou à matéria publicada”.

Esse trecho, segundo a sentença, provocou o dano, que é presumido. “E nem poderia ser diferente”, argumenta o juiz, “uma vez que a dor moral ocorre no plano interior do indivíduo sendo impossível a sua constatação”.

Por isso, considerou “irrecusável” a “reparação pelo dano moral” sofrido pelo empresário Cecílio do Rego Almeida.

Por enquanto, é o que me permito informar à opinião pública, chocado pelas circunstâncias e o conteúdo dessa decisão, que pune dessa forma (e por essa via) quem tem defendido o valioso patrimônio do Estado do Pará contra esses piratas.


Já no meu quarto no hotel, peguei o segundo texto do Lucio Flavio Pinto, datado de setembro de 2006, e comecei a ler. A transcrição segue abaixo:

Chamar o maior grileiro de terras do mundo de pirata fundiário constitui ato ilícito no Pará, obrigando quem utilizar a expressão a indenizar o suposto ofendido por dano moral.

Com base nesse entendimento, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado manteve a condenação que me foi imposta no juízo singular.

No ano passado, o juiz Amílcar Guimarães, exercendo interinamente a 4ª Vara Cível do fórum de Belém (é titular da 1ª Vara), acolheu a ação de indenização contra mim proposta pelo empresário Cecílio do Rego Almeida e me condenou a pagar-lhe oito mil reais, mais acréscimos, que resultarão num valor bem maior.

Meu crime foi uma matéria que escrevi no meu Jornal Pessoal, em 2000, comentando reportagem de capa da revista Veja de uma semana antes, que apontava o dono da Construtora C. R. Almeida como o maior grileiro do mundo.

Com base em um título de terra que ninguém jamais viu e todos os órgãos públicos negam que exista, o empresário se declarava e continua a se declarar dono de uma área que poderia chegar a sete milhões de hectares no vale do rio Xingu, no Pará, região conhecida como “Terra do Meio”, na qual há a maior concentração de mogno da Amazônia (o mogno é o produto de maior valor da região).

Se formasse um Estado, esse megalatifúndio constituiria o 21º maior Estado brasileiro.

C. R. Almeida propôs a ação em São Paulo. Mas como o foro era incompetente, a demanda foi transferida para a comarca de Belém, onde o Jornal Pessoal, uma newsletter quinzenal independente que edito desde 1987, tem sua sede.

Durante mais de quatro anos a ação foi instruída na 4ª Vara Cível.

A juíza responsável pelo processo, Luzia do Socorro dos Santos, se ausentou temporariamente para fazer um curso no Rio de Janeiro.

O juiz Amílcar Guimarães a substituiria por apenas três dias, mas, de fato, só assumiu a Vara no último dia, 17 de junho do ano passado, uma sexta-feira.

Nesse dia ele pediu ao cartório que os autos, com quase 400 páginas, lhe fossem conclusos e os levou para sua casa.

Só os devolveu na terça-feira, dia 21, quando a juíza substituta já estava no exercício da Vara.

Junto com os autos veio a sua sentença condenatória, datada de quatro dias antes, como se a tivesse lavrado no último dia do seu exercício legal na função.

Representei contra o magistrado, mostrando que a sentença era ilegal, que o processo não estava pronto para ser sentenciado (estava pendente informação da instância superior sobre um recurso de agravo que formulei exatamente contra o julgamento antecipado da lide, que o julgador efetivo pretendia realizar), que os autos sequer estavam numerados e que a sentença revelava a tendenciosidade e o desequilíbrio do sentenciante.

A Corregedora Geral de Justiça acolheu a representação, mas, por maioria, o Conselho da Magistratura decidiu não processar o juiz. Recorri em julho dessa decisão, mas o embargo de declaração ainda não foi apreciado.

No plano judicial, apelei da condenação. A relatora do recurso na 3ª Câmara Cível, desembargadora Maria Rita Xavier, manteve a condenação, apenas concedendo uma redução no valor da indenização.

A revisora, desembargadora Sônia Parente, pediu vistas. Na sessão de hoje ela apresentou seu voto, discordando da posição da relatora.

Argumentou que a grilagem de terras da C. R. Almeida no Xingu é fato público e notório, comprovado por diversas matérias jornalísticas juntadas aos autos, além de pronunciamentos unânimes de órgãos públicos que se manifestaram oficialmente sobre a questão.

Eu apenas aplicara ao autor da grilagem uma expressão de uso corrente nas áreas de confronto, conforme ela própria pôde constatar quando atuou como juíza numa dessas áreas, o município de Paragominas.

A desembargadora-revisora disse que a matéria do Jornal Pessoal estava resguardada pela liberdade de expressão e de imprensa, tuteladas pela Constituição Federal em vigor.

O texto jornalístico expressava uma situação conhecida e lamentada pelos que se preocupam com o futuro da Amazônia, assolada por agressões como a devastação da natureza, a apropriação ilícita do seu patrimônio e até mesmo o trabalho escravo.

Muito emocionada ao ler esse trecho do seu voto, a desembargadora disse que Castro Alves, se voltasse agora, encontraria um novo navio negreiro nos caminhões que trafegam pelas estradas amazônicas carregando trabalhadores como escravos.

E manifestaria sua indignação da mesma maneira que eu, ao escrever no Jornal Pessoal.

Ela salientou que a expressão em si, de pirata fundiário, é apenas um detalhe e irrelevante, porque ela foi aplicada a um fato real e grave, noticiado em vários outros jornais.

Por que só este jornal de pequena circulação, que se edita aqui entre nós, é punido, indagou.

Suas judiciosas observações, porém, não tiveram eco.

A desembargadora Luzia Nadja Nascimento, esposa de Manoel Santino Nascimento, que deixou a chefia do Ministério Público do Estado para ser secretário de segurança do governo, sem maiores considerações, apresentou logo seu voto, acompanhando a relatora.

Nem permitiu que o presidente da sessão, desembargador Geraldo Corrêa Lima, apresentasse as observações que pretendia fazer. Sua decisão já estava tomada.

Como havia apenas as três desembargadoras no momento em que a votação foi iniciada, em maio, os dois outros desembargadores que se encontravam na sessão de hoje da 3ª Câmara Cível não puderam votar. Por 2 a 1, minha condenação foi mantida.

Agora me resta apresentar o recurso que poderá provocar a reapreciação da questão junto ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília.

Esse entendimento, de que é ato ilícito aplicar a expressão "pirata" àquele que é proclamado o maior grileiro do mundo é exclusivo da justiça do Pará.

Cecílio do Rego Almeida também processou a revista Veja, seu repórter, um procurador público do Estado do Pará e um vereador de Altamira pelo mesmo motivo, mas todos foram absolvidos pela justiça de São Paulo.

Ao invés de condená-los, como aqui se fez comigo, o juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível, elogiou-os por defender o interesse público.

Justamente no Estado que sofre a apropriação indébita do seu patrimônio fundiário, com a mais escandalosa fraude de terras, a grilagem é protegida e quem denuncia o grileiro é punido.


Lacerda examinando um livro do Lucio Flavio e eu querendo saber por que essas merdas só acontecem comigo...

Caceta, mas depois de ter lido os dois textos dei razão ao Lucio Flávio Pinto.

Aquele irmão caçula da Dinari era um escroto!

Na manhã de domingo, Carlos Lacerda e Edivaldo Guimarães me deixaram na casa do Amílcar Guimarães, com quem eu havia combinado de passar o almoço do Círio de Nazaré, e foram acompanhar a procissão no camarote da Companhia Vale do Rio Doce.

Assim que entrei na casa do Amílcar, ele já foi abrindo uma garrafa de Johnnie Walker Red Label pra mim e uma de Ballantine’s 12 pra ele, providenciou copos de cristais, balde de gelo e bebidas isotônicas, colocou um Led Zeppelin no aparelho de som e disparou:

– Eu pensava que você fosse mais magro!

– Eu também! - falei, rindo.

Ele era da minha altura, mas devia pesar uns 125 kg contra os meus 115 kg. Empate técnico.

Em uma mesinha de centro, sua esposa colocou um pratarraz de camarões gigantescos cozidos no vapor e uns dez pratinhos de canapés variados (queijos provolone, brie e camembert, salame italiano, azeitonas, casquinhas de caranguejo, ovos de codorna, etc).

Assim que brindamos a primeira dose, contei pra ele a saia-justa da tarde anterior. Ele deu uma gargalhada que assustou a vizinhança.

Aí, se recompondo, falou extremamente sério:

– Puta que pariu, bicho, isso foi a maior cagada que já fiz na minha vida. Eu me arrependo amargamente até hoje. Eu tenho a maior admiração pelo Lucio Flavio, mas dei aquela sentença condenatória só pra ver que bicho ia dar...

– Porra, Amílcar, mas isso é muita sacanagem! - encrespei. "De repente, você prejudica uma pessoa da maior decência só pra ver que bicho ia dar..."

– Pois é, rapaz, essa foi a grande cagada. O Lucio Flavio já tinha sido processado e absolvido umas trinta vezes na primeira instância. Pensei: vou meter uma condenação nele, pra ver como ele vai reagir. Quando ele recorrer ao pleno, os desembargadores vão reformar a sentença e ele vai ser absolvido...

– É, bicho, mas não foi isso que aconteceu. Os desembargadores confirmaram a tua sentença e ele vai ter que recorrer ao STJ...

– Que merda, cara, que merda! E o pior, bicho, é que depois que dei aquela sentença estou sendo tratado em Belém igual a um leproso. Eu não sabia que o Lucio Flavio era tão querido assim nos meios intelectuais. Até o presidente do Tribunal de Justiça ficou estremecido comigo. O promotor Edinho Bastos, meu amigo desde o curso ginasial, ficou tão puto que deixou de falar comigo por quase seis meses. E ele era o meu único parceiro de tênis. Eu praticamente estou sem vida social. Aonde chego, as pessoas começam a me hostilizar. Uma merda federal!

Depois de fazer uma mea culpa quase chorando, reafirmar suas posições de esquerda e derrubar meia garrafa de uísque, Amílcar me convidou para o lauto almoço em companhia de sua pequena família (mãe bem idosa, esposa e duas filhas).

Nos acabamos no pato no tucupi, maniçoba, caruru, vatapá, pirarucu de casaca, chibé de assai, camarão na chapa, mariscada, casquinho de mussuã e, de sobremesa, uma fantástica musse de murici com taperebá.

Depois, voltamos pra sala pra conversar sobre amenidades e terminar de matar as duas garrafas.

Por volta das 15h, Carlos Lacerda e Edivaldo Guimarães passaram na casa do Amilcar, foram apresentados para ele, beberam um pouco e, dez minutos depois, nós três caímos fora.

Os dois me contaram que ficaram emocionados com a cantoria da Leila Pinheiro, sob a regência do maestro Tynôco Costa e o apoio do coral de crianças do projeto “Vale Música”.

E que a Fafá de Belém tinha dado um verdadeiro show na Estação das Docas.

Quando contei pra eles as razões apontadas pelo Amílcar para condenar o Lucio Flávio na primeira instância eles responderam quase em uníssono:

– Esse teu cunhado é maluco!

– Pior, bicho, muito pior: ele é irmão caçula...

Edivaldo e Lacerda não entenderam nada. Melhor assim.

terça-feira, fevereiro 23, 2010

A arrogância dos medíocres e a mediocridade dos arrogantes


A Polícia Militar do Amazonas deve estar se achando acima da constituição federal brasileira.

Essa é a única explicação para os meganhas terem interrompido a manifestação cultural que estava acontecendo no último dia 20 de fevereiro, embaixo do viaduto da Constantino Nery.

O fuzuê “Grito 2010” é um evento que acontece no Brasil inteiro e em alguns países da América do Sul.

Aqui na cidade, o coletivo Difusão Cultural estava promovendo o evento a duras penas, já que nunca contou com patrocínio oficial de nenhum órgão.

De repente, os meganhas baixaram no local e interromperam a festa.


O parágrafo XI do artigo 5 da constituição brasileira diz o seguinte: é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Quer dizer, em vez de estarem correndo atrás de bandidos para tentar reduzir o índice de violência da cidade, os meganhas preferem criar casos com músicos, grafiteiros, DJs, b-boys, b-girls, artistas plásticos, videomakers e outros produtores culturais. Pode?

Estudos avançados da AMOAL: como carcar as amigas da sua mulher!


Você está casado há mais de 15 anos. Não vai a uma boate de strip-tease há pelo menos dez. Não vai a uma casa de programas há pelo menos cinco. Nunca viaja sozinho.

Morre de medo de ir na casa da sua secretária, porque ela mora sozinha. Tem vergonha de ligar para uma massagista profissional.

Seu sinônimo de lazer é encher a cara com seus amigos também casados, no mesmo bar, toda sexta-feira, conversando sobre o mesmo assunto.

Quem você vai comer, bicho? A sua mulher?! Francamente...

Se mulher de amigo seu pra você é homem, então, as amigas da sua mulher são a salvação da lavoura. Relaxe.

A partir de agora você vai aprender algumas dicas para cercar, hipnotizar e abater essas difíceis, porém nada impossíveis, presas sexuais que vivem na sua casa contando fofocas, mexendo na sua coleção de discos de vinil, esvaziando as latas de cerveja que você malocou na geladeira ou discutindo com sua mulher sobre os mais revolucionários métodos existentes no mercado para acabar com a celulite.


Abordagem doente – Quando ficar sozinho na sala com uma amiga da sua esposa, finja que está tendo um ataque epiléptico. Enrole a língua, role no chão, mie, rosne, cuspa, uive e prenda a respiração até ficar roxo.

Quando a amiga da patroa vier desenrolar o seu linguão, aplique um “chupex” nos dedinhos dela. Se ela não se horrorizar, enfie a mão dela inteira na boca. É meio incômodo, mas fique na sua.

Depois que uma pessoa faz isso com uma outra, tem liberdade total para tocar em qualquer assunto – inclusive sexual.

Libere então a mão da moça e use sua boca para convidá-la ao motel mais próximo.

Ponto positivo: Todos os absurdos que você disser vão ser atribuídos à sua “saída do ar”. Outra coisa: ninguém espanca um epiléptico até a morte por causa de uma chupadinha nos dedos.

Ponto negativo: Se você não for rápido, ela pode lhe enfiar um comprimido de Gardenal goela abaixo. Aí você vai ver o que é bom pra epilepsia.


Abordagem rodrigueana – Se você já tentou de tudo e não comeu nem aquela prima feiosa da sua mulher, não se desespere.

A maioria das mulheres nega, mas até feministas menos ortodoxas (as que não têm pinto) adoram um cara de “pulso forte”.

Por isso mesmo é que, segundo Jece Valadão, você deve partir direto pra ignorância. O negócio é ir logo metendo um tapa na cara da dita-cuja, tipo ataque de surpresa ao inimigo.

A amiga da mulher toca a campainha e já leva uma porrada nas ventas antes de botar os pés no hall. Para compensar a tolerância zero, grite um “eu te amo” a cada bofetada.

Se você for gaúcho, mande um joelhaço na prenda. E corra pro abraço.

Ponto positivo: Se ela fizer o gênero mulher de malandro, Deep Blue derrotou Kasparov.

Ponto negativo: Como hoje é moda entre a mulherada o aprendizado de artes marciais, você pode dar de cara com uma mestra do Templo de Shao-Lin e apanhar mais que bezerro na farra do boi.


Abordagem do falso gay – Num momento mais reservado com a amiga da patroa, faça cara de sofrimento e diga: “Estou em dúvida sobre minha sexualidade!”.

É tiro e queda.

Mulher nenhuma consegue ouvir isso sem dar palpite.

Depois, chorando, tente conduzir a conversa para o seguinte conceito: “Acho que não estou me realizando sexualmente porque minha mulher não sabe despertar o homem que existe dentro de mim!”.

Se sua interlocutora demonstrar indiferença, apele para a baixaria: “Inclusive estou pensando em transar com seu marido!”.

Ponto positivo: A estratégia é pau puro e não costuma falhar.

Ponto negativo: Se der zebra e falhar, mude-se para o Turquestão Ocidental, porque sua reputação de espada foi pro vinagre. Outra coisa: se a amiga de sua mulher tiver tendências homo, você corre o risco de virar o passivo dela, meu amor. Aí só lhe resta gritar “xô, vibrador, xô!”.


Abordagem da mão-boba – A patroa fazendo café lá na cozinha, a amiga dela sentada no sofá ao lado do cachorrão (você, lógico, quem mais podia ser?!), de repente ela se debruça para pegar uma revista na mesinha de centro, empina a bunda e – catapimba! – como não quer nada você enche aquele corpão com cinco dedos.

Só não pode vacilar. Tem de respirar fundo, fechar os olhos e meter a mãozona sem dó. Mas não vá me nocautear a mina nem derrubá-la em cima da mesinha. Isso pegaria muito mal, especialmente num primeiro contato.

Aponte a mão uns 20 graus abaixo, na direção da cintura da vítima. E pimba! O ideal é carcar um dos lados do popozão até sentir o buraco do quincas na ponta dos dedos e apertar firme aquele lado das nádegas durante alguns segundos.

Nos Estados Unidos, terra de puritanos, este procedimento lhe faria puxar, no mínimo, 15 anos de cadeia.

Como a lei de assédio por aqui é mais branda – e você é um baita de um sangue-ruim –, não custa nada tentar.

Ponto positivo: Não requer prática, tampouco habilidade: basta ter uma mão com cinco dedos. Não requer nenhuma articulação verbal, sofisticação ou tato. Não é necessário dizer “eu te amo”. Até um pouco de ignorância e baixaria são bons requisitos para esta abordagem.

Ponto negativo: Você corre o risco de levar um catiripapo no pé das ventas que vai lhe deixar com cara de porquinho Babe por umas três semanas. A patroa vai ouvir o estalar de dedos na sua fuça, vai vir para a sala correndo e vai transformar o primeiro tapa em linchamento. Depois de alguns minutos, sua fuselagem facial vai ficar parecendo um bife de fígado mal passado.


Abordagem tímida – Não existe nada mais eficiente para obter favores de uma mulher do que dizer que não quer obter nenhum favor dela.

Em outras palavras, diga em alto e bom som (ou melhor, num meio tom, pois os tímidos nunca são tão explícitos assim): “Você é maravilhosa e eu não sou boiola, mas acho que nunca rolaria nada entre nós...”.

No momento seguinte, a amiga da patroa vai estar no seu pé. Mantenha-se firme.

Quando ela chegar junto, baixe os olhos e diga: “Eu sou muito tímido...”.

É bem provável que, logo em seguida, ela comece a tirar a roupa. E, o que é melhor, vai tirar a sua também, já que os tímidos sempre precisam de uma mãozinha extra.

Mesmo depois de nu, continue fazendo cu-doce.

Por exemplo, experimente esconder seu sexo com as mãos, numa atitude defensiva de extremo pundonor. Não existe nada mais ridículo que um tímido pelado, mas vá em frente, você vai ganhar essa batalha.

Murmure “eu não sei se é a melhor hora para isso” ou “será que o sexo não vai atrapalhar nossa amizade?”.

Se a amiga da patroa for do tipo que se sensibiliza com a nudez envergonhada, você fez cesta de três pontos.

Ponto positivo: Bancar o tímido é fácil, basta calar a boca e fechar os olhos. Qualquer pessoa pode representar um tímido, até um sem-vergonha como você.

Ponto negativo: Se você baixar os olhos demais, a amiga da patroa vai pensar que você é um tremendo boiola enrustido. Aí, fodeu geral!


Abordagem canalha – Machuca, esgarça, corrói, humilha. Mas é absolutamente eficiente.

Olhe fixamente para a amiga da patroa e diga com convicção: “Sou corno!”.

Ela vai fazer uma expressão de total constrangimento.

Aí você pode escolher entre dois caminhos: a via diplomática ou a beligerante.

A primeira consiste em fazer aquela cara de Charles Chaplin em fim de filme. Uma coisa entre o triste e o grandioso, entre o melancólico e o íntegro.

Relaxe e fique olhando para um ponto no infinito. Assuma essa ternura que só um verdadeiro corno pode expressar.

Nesse momento ela vai querer te botar no colo. Se não quiser, é frígida.

A opção beligerante é afirmar que está vestindo chapéu de touro há seis meses, colocado por um pedreiro, e, antes que ela fique de queixo caído com a bombástica revelação, encaixar um beijão tipo roto-rooter, daqueles que a gata precisa ser levada para o massagista para curar o torcicolo.

Uma via ou outra são de difícil execução, mas quem conseguir perpetrá-las está, sem dúvida, muito próximo da canalhice sênior.

Ponto positivo: Você não tem nada a perder. Corno hoje é que nem McDonald’s, tem até nos mosteiros de Katmandu.

Ponto negativo: Uma mulher vai saber que você foi corneado. Quer dizer, em meia hora você vai ser o maior corno da América Latina. Talvez até em menos tempo, se ela tiver celular. Todos os cabeleireiros do mundo vão rir de você, seu nome vai ser repetido em todos os chás de cozinha do país, seus amigos vão te olhar como um leproso. Calcule o custo–benefício. Se a amiga da patroa valer a pena, qual é o problema de ter uma reputaçãozinha de viking?


Abordagem Internet – Convide a amiga da patroa para dar uma sapeada na nova configuração da Web que você fez no seu computador.

Computador em si já é um negócio que aproxima duas cadeiras juntinhas na frente de uma tela e coisa e lousa.

Comece mostrando uns sitezinhos anódinos: Disney, CNN, Museu do Louvre, Amazon Books, Portal do Rock, etc. Vá dando linha até chegar aos sites hardcore. Muito peito, muita bunda, muito sexo explícito, tudo com zoom, close e câmera lenta.

Nessa hora, pegue no joelho da dita-cuja e comente o site usando termos cibernéticos: “Nunca vi um bundão ergonômico tão bem-feito assim em linguagem java”.

Se a amiga da patroa levantar e for embora, você perdeu uma chance e alguns impulsos telefônicos. Se ela ficar, você ganhou o dia.

Ponto positivo: Se a sua mulher entrar na sala, você pode dar a clássica desculpa: “Estávamos procurando a página do Vaticano, mas deu um bug no motor de busca e caímos aqui na página central da revista Hustler”.

Ponto negativo: Só se der pau no computador.


Abordagem terminal – A mais radical de todas. Use apenas se todas as outras alternativas anteriores falharem.

É o seguinte: se você tiver a chance de ficar a sós com a amiga da patroa, não vacile e tire a roupa.

Isso mesmo, arranque seus panos o mais rápido possível e fique peladaço na frente dela, de preferência de pau duro. Aguarde uma reação.

Se ela só ficar boquiaberta, comece a cantar “Traficante do Amor”, do cantor paraense Wanderley Andrade, mexendo as cadeiras como se fosse uma odalisca realizando a dança do ventre.

Se ainda assim nada acontecer, pegue uma garrafa, coloque no chão à sua frente e vá rebolando e abaixando o corpo até chegar à boquinha do vasilhame.

Em não havendo reação – risos, beijos, aplausos, gritos histéricos, xingamentos ou porradas de bolsa na sua cara –, desista.

Essa mulher não é amiga da sua mulher. É um robô espião contratado pela sua sogra.

A nova estátua da Justiça no Brasil



A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. (RUY BARBOSA)

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Nosso amor de ontem: Carlos Zéfiro


Há dezoito anos, em 1992, morria o homem responsável por iluminar o imaginário libidinoso do contido e conservador Brasil das décadas de 50 a 70.

Um artista de desenhos toscos e sem muita técnica que durante anos a fio foi tachado de pornográfico, e manteve-se na clandestinidade até os setenta anos, quando sua identidade foi finalmente revelada.

Ironicamente, estava destinado a jamais colher os frutos de seu trabalho: menos de um ano depois, desgarrava-se deste mundo, provavelmente para continuar suas historinhas sacanas em outras bandas.

Diante dos olhos da sociedade, ele era apenas um pacato funcionário do Departamento Nacional de Imigração, de nome Alcides Caminha.

O que ninguém sabia era que, nas horas vagas, o autodidata que só completou o curso ginasial aos 58 anos de idade também rabiscava – o termo é esse mesmo – histórias em quadrinhos em que apresentava homens e mulheres (e também alguns animais) nas mais diversas situações, onde tudo convergia para o mesmo ponto: o sexo.

A idéia de criar as revistinhas de sacanagem, também conhecidas por “catecismos” (por serem escondidas dentro de publicações religiosas), surgiu quando um colega lhe apareceu com duas revistinhas italianas e, sabendo do talento do amigo para o desenho, lhe pediu que ampliasse os desenhos.


Alcides tomou gosto pela coisa, e a partir daí, passou a criar as próprias histórias, utilizando-se diversas vezes do artifício de copiar desenhos e posições de outras revistas e fotonovelas eróticas.

Temendo perder o emprego – e, depois de aposentado, sua humilde pensão – caso se envolvesse em escândalos (em função da antiga Lei n.º 7.967, que regia o funcionalismo público), Alcides adotou o nome fictício de Carlos Zéfiro, e passou a produzir inúmeras historinhas na clandestinidade.

Os catecismos eram vendidos clandestinamente em locais como barbearias e bancas de jornal e dali contrabandeados para os colégios.

O formato fino das revistinhas facilitava a ocultação, sendo escondido em livros, cadernos e principalmente em outras revistas que eram compradas exclusivamente com este propósito, para a felicidade dos jornaleiros que sempre lucravam em dobro.

As histórias de Carlos Zéfiro, na maioria das vezes, apresentavam mulheres e homens gostosos, fogosos e viris. De vez em quando aparecia um jumento aqui, um corcunda ali, mas estes eram exceção à regra.

Curiosamente, sua historinha mais vendida, a hilária aventura de João Cavalo, trazia como protagonista um nordestino atarracado e feioso que, digamos, possuía um dote peculiar que compensava sua falta de beleza e justificava tal denominação.


As revistinhas de Carlos Zéfiro eram um sucesso entre os adolescentes cheio de espinhas e tesão, encontrando público também entre os homens de outras faixas etárias.

E coitado de quem desse mole de ser flagrado portando uma dessas obscenidades por aí: consideradas como uma total imoralidade pelas tradicionais famílias católicas da época, os catecismos também sofriam a fúria impiedosa das feministas, que se consideravam reduzidas à condição de reles putas em suas histórias.

Com todo esse arsenal moral apontado para sua cabeça, Alcides achou melhor manter sua identidade em segredo, mesmo depois de ter interrompido seus trabalhos em 1968, temendo a perseguição do regime militar, além de enfrentar a dura concorrência das famosas revistinhas dinamarquesas e suecas, que traziam fotonovelas de sacanagem em cores, com closes de genitálias que eram páreo duro para sua humilde “sacanarte” nativa.


De fato, vendido de modo clandestino, produzido de forma artesanal, desenhado com técnicas bisonhas e relatando histórias que tinham (e ainda têm) um enorme apelo erótico, os livrinhos de Zéfiro faziam a ponte perfeita entre as conversas na roda de amigos e aquilo que se suspeitava que ocorria nas alcovas.

Quer dizer: os livros de sacanagem apresentavam um pouco essa possibilidade de ter o sexo e a sexualidade como algo destacado e individualizado, alguma coisa que poderia ser vista quando se desejava e que era guardada numa gaveta e não na igreja, prostíbulo ou quarto de dormir como era o caso do sexo da vida real.

Neste sentido, é também claro que parte do sucesso desta literatura estava precisamente no seu desenho igualmente ambíguo que, aliado a uma reprodução gráfica deficiente, criava uma impressão estranha, exótica.

Uma impressão, enfim, de desfamiliarização que era precisamente o máximo que esse gênero de narrativa poderia esperar.

A rigor, a única diferença entre uma história de Zéfiro e uma fotonovela é que na dele os personagens consumam aquilo que apenas passa pela cabeça dos protagonistas das fotonovelas. Zéfiro, no mínimo, é menos hipócrita.

As feministas, não sem-razão, poderão objetar que quase todas as suas histórias são narradas do ponto de vista masculino e nelas a mulher não passa de um objeto de prazer.


Vamos por parte. Para início de conversa, Zéfiro é um homem. Seria pior se tivesse optado por uma falsa identidade feminina – como, digamos, Pauline Réage – para perturbar senhoras e senhoritas, algumas até bem sabidinhas, como Susan Sontag, condescendente com as reminiscências sadomasoquistas de Mademoiselle O.

Como vocês já sabem, o famoso livro Histoire d’O narra a estória de uma fotógrafa de moda que tem, como amante, René, e que sente uma profunda satisfação em ser seqüestrada, humilhada e torturada por seu amante.

Apesar de seu editor, Jean Paulhan, atribuir sua autoria a Pauline Réage, o crítico literário Alexandrian, que com ele conviveu, à época, acredita ter sido Paulhan o responsável pela concepção da obra, não o seu redator, escrevendo-a, por assim dizer, por procuração.

Quanto à reificação sexual, nos quadrinho de Zéfiro homens e mulheres são iguais perante Eros. Mesmo quando o ponto de partida é uma chantagem e a mulher desponta como vítima, a chantageada acaba extraindo os seus dividendos.

Afinal, gozar tem mão dupla e, por convenção do gênero, nenhuma das partes envolvidas é de se jogar fora.


Ao contrário: se nas fotonovelas o mocinho costuma ser um Adônis e a mocinha uma ninfa, nas love stories sem-vergonha de Zéfiro, o herói, além de bonitão, é sexualmente bem-dotado, e a heroína, além de bela, possui um corpo escultural, com destaque especial para a fixação nacional número um: bundas.

Corolário: vilão não é quem mata ou agride, mas quem não tem competência sexual. Tanatos sifu.

Os vilões de Zéfiro não apelam para a violência, apenas brocham. Os que fornicam, experimentam de tudo: barba, cabelo, bigode, sobrancelha e costeleta.

Essa ausência de estilo pode causar, à primeira vista, a impressão de que Zéfiro não seria o alter ego de apenas um artista anônimo, mas sim um pseudônimo coletivo adotado por uma equipe heterogênea.

Muitos quadrinhófilos insistiram nessa teoria, alegando que seria impossível que os desenhos contidos em duas revistas distintas atribuídas a Zéfiro fossem obra da mesma mão.

Na verdade, essa discrepância se fazia presente mesmo em desenhos de uma mesma revista. A explicação é muito simples.

Zéfiro era realmente o mesmo autor em todos os trabalhos que levaram sua marca ou o seu estilo narrativo. Apenas as fontes de onde os desenhos haviam sido copiados é que eram bem distintas.


Praticamente todos os desenhos de Zéfiro foram chupados de algum lugar, seja de fotonovelas, das próprias fotos pornográficas que teria mandado fazer, de revistas em quadrinhos da linha erótico-mexicana da Ediex, ou até mesmo de outras revistas de sacanagem.

A utilização do papel vegetal era feita não só para economizar os fotolitos, como também para facilitar as cópias dos desenhos.

Nesse ambiente onde a repressão era tão bem-feita e articulada que conseguia até fazer de conta que o objeto reprimido não existia, não havia o menor espaço para a crueza de Carlos Zéfiro.

Os ardores e os desmaios das heroínas de M. Delly eram apenas isso: ardores e desmaios. Nas fotonovelas água-com-açúcar, o que havia por trás dos beijos inocentes era simplesmente inimaginável. Mesmo para imaginar é preciso saber o que imaginar.

E a ignorância das menininhas católicas apostólicas romanas dos anos 50 era abismal: por trás da água-com-açúcar, é claro que a imaginação voava... mas era atrás de mais água e mais açúcar.

Nesse mundo suave, tão cheio de desmaios e ardores inexplicáveis, Carlos Zéfiro não existiu.

A não ser para as meninas garimpeiras que descobriam insuspeitados tesouros debaixo dos colchões dos irmãos.

E que tiveram assim a sorte de descobrir também que: a) o sexo existe! b) além de existir, é grande! c) além de existir e ser grande, é bom demais! E uma coisa é certa, em qualquer arte, ciência, ou na vida, depois de algumas descobertas, não há mais quem possa segurar o vôo.


Da perplexidade causada, na meninice, pelas revelações de Carlos Zéfiro, até a chegada de 68, com o seu clássico slogan “é proibido proibir”, algumas menininhas foram em frente.

Terá tido Carlos Zéfiro algum papel nisso ou não? Possivelmente sim. E positivo.

Pois o fato é que hoje, depois desses anos 60, onde a prática mais livre da sexualidade foi redescoberta como parte fundamental de qualquer vida humana, é curioso rever essas revistinhas e perceber como, na prática, Carlos Zéfiro foi um autêntico precursor do feminismo, no que o feminismo tem de bom.

Pois não é que, já nos anos 50, o desenhista não se acanhava de mostrar que as mulheres têm prazer, sabem tomar iniciativa, salvo raras exceções, o moralismo passa longe dessas histórias, e, de um jeito ou de outro, a mulher sempre reveste de paixão o ato sexual.

O certo é que depois dele, o quadrinho erótico nacional nunca mais seria o mesmo. Zéfiro trouxe o conteúdo que faltava aos catecismos.

Seu texto era interessante, rico em detalhes e, sobretudo, realmente excitante.

Se, com os outros autores você descabelava o palhaço alegremente, com Zéfiro o circo armado pegava fogo. Era orgasmo garantido ou seu dinheiro de volta.

O maior trunfo de Zéfiro era saber criar um enredo com a cara do Brasil.


Nas suas histórias não faltavam as fantasias e situações típicas do brasileiro, como o sujeito que transa com a mãe e a filha ao mesmo tempo, o que casa e depois traça a cunhada, o caminhoneiro que transa na boléia, o patrão que carca a empregada, farras homéricas em puteiros, o caipira ingênuo que traça a universitária classuda, homem com homem, mulher com mulher, surubas e, principalmente, muitos cornos alegres e saudáveis pra todo mundo se divertir.

Tudo descaradamente brega, mas muito gostoso e desencanado.

O mais interessante era ver essas diatribes eróticas distribuídas num festival de posições sexuais capaz de aposentar o Kama Sutra. E naturalmente em suas HQs nunca faltava aquele que, na época, já era a preferência nacional: o sexo anal.

Olhando hoje, depois da liberdade sexual vivenciada nas últimas décadas, Zéfiro pode parecer água-com-açúcar, mas não é.

Nos anos 60, em plena ditadura militar, Zéfiro desafiava a repressão espalhando clandestinamente pelo território brasileiro suas revistinhas deliciosamente explícitas tais quais minas eróticas, prontas para explodir o moralismo verde-oliva da ditadura militar.

Era um verdadeiro guerrilheiro erótico invisível, chutando o balde do conservadorismo e fazendo o brasileiro gozar de norte a sul do país. Zéfiro retratava um sexo livre e sem culpa e era quase um herói nacional da rapaziada.

E ao mesmo tempo completamente desconhecido.

Ninguém sabia quem ele era, onde morava, de onde vinha. Um mistério total. Uma lenda viva semelhante ao Fantasma-que-anda dos pigmeus Bandar.


Como desenhista, Zéfiro não era exatamente o que poderíamos chamar de refinado. Suas figuras humanas eram todas decalcadas na cara dura de fotografias eróticas ou de personagens de quadrinhos “normais” que Zéfiro despia, modificava os rostos e adaptava para seus gibis.

Seu completo anonimato o permitia fazer qualquer trambicagem para montar sua história. Zéfiro seria um perfeito picareta se não tivesse um texto brilhante e conseguisse transformar aqueles “trechos” de outras obras em uma nova e original obra.

Antes mesmo de inventarem o “sampler”, Zéfiro já sampleava a torto e a direito. Muitas vezes ele usava a mesma cena em vários catecismos diferentes.

Bastava mudar a cor do cabelo da mulher ou pôr um bigode no homem e pronto, já era outro casal numa outra história!


Apesar das gambiarras e da anatomia capenga, no entanto, seus desenhos possuíam um charme particular.

De tanto não ter estilo, acabou adquirindo um “anti-estilo” próprio e marcante. Tão marcante que virou escola, fazendo surgir inúmeros clones que passaram a copiá-lo. Sua genialidade o fez passar rapidamente de copiador para copiado. Era o sampler do sampler, vejam só!

Houve até quem tentasse se fazer passar por ele, mas isso só servia para aumentar ainda mais as dúvidas sobre sua verdadeira identidade.

Zéfiro era tão mítico que chegou a virar sinônimo de seu produto. O leitor ia na banca e não pedia um catecismo, pedia um “Zéfiro”.


Zéfiro produziu mais de 800 catecismos entre o final dos anos 1950 e início dos 1970. Na década de 1980, já com o fim da censura, seus trabalhos antigos continuaram a ser reimpressos por diversas editoras. Livros, artigos e até teses de mestrado foram escritos a seu respeito, porém nunca mais aparecerem novos trabalhos dele.

Teria Zéfiro morrido? A resposta só chegaria em novembro de 1991.

Em uma antológica matéria para a revista Playboy, o professor e especialista em HQ Moacy Cirne, depois de muitas investigações, revelava finalmente ao Brasil a identidade secreta do mitológico desenhista: seu nome era Alcides Caminha.

Um ilustre desconhecido? Nem tanto. Como se não bastasse ser o homem que registrou de forma brilhante e criativa a sexualidade do povo brasileiro por três décadas, Caminha também era um compositor de mão cheia.

Foi parceiro de Nélson Cavaquinho em canções como “Notícia” (1954), gravada pelo sambista Roberto Silva, “Capital do Samba” (1956) e “A Flor e o Espinho” (1956), gravada por Elizeth Cardoso, que tem o mais belo apelo poético da MPB: “Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor”.

Boêmio convicto, este carioca dividiu parte de sua vida com os amigos músicos e com muitas mulheres. Amava tanto o sexo que se tornou um dos seus mais originais e inventivos cronistas.

Funcionário público, produziu sua obra erótica sem o conhecimento dos colegas do trabalho até se aposentar, e por mais de trinta anos escondeu-se da mídia, temendo ser demitido ou perder a minguada aposentadoria caso fosse “descoberto”.


Caminha chegou a receber um troféu HQ Mix pela importância de sua obra, entregue pelo cartunista Ota, editor da revista MAD, mas por uma ironia do destino faleceu exatamente no dia seguinte à entrega do prêmio, em julho de 1992, aos 70 anos de idade.

A importância de Zéfiro é tão grande para a cultura brasileira, que ele já virou capa do CD “Barulhinho Bom”, da cantora Marisa Monte, já foi enredo de escola de samba e virou point cultural no Rio de Janeiro.

Agora você pode matar as saudades ou travar contato inicial com sua obra por meio das reimpressões de seus catecismos que o sebo carioca A Cena Muda está colocando à venda pelo seu site.

Também vale muito a pena procurar por três livros que registraram e analisaram a obra zefiriana com muita competência: O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro, de Otacílio D’Assunção Barros, editora Record, e A Arte Sacana de Carlos Zéfiro e Os Alunos Sacanas de Carlos Zéfiro, ambos de Joaquim Marinho, pela editora Marco Zero.

Banda Tira Ressaca 2010 vai dar show de solidariedade


A Banda Tira Ressaca de 2010, que acontece no dia 27 de fevereiro, no Sambódromo, às 17 horas, reverterá toda a sua renda ao projeto S.O.S. HAITI.

O projeto S.O.S. HAITI prevê a compra e envio de água, enlatados e outras necessidades de urgência para as vitimas haitianas e é uma iniciativa da organização da Banda e de dona Delphina Aziz que, sensibilizados com a situação daquele país, decidiram reverter toda a renda da folia deste ano para esta causa social.

“Queremos fazer muito mais. Esse é apenas o primeiro passo, a solidariedade com o próximo é meu projeto de vida”, afirma Delphina.

Mas, além da solidariedade, o projeto da Banda Tira Ressaca vem com muitas novidades para 2010.

“Estamos apostando na interatividade entre artista e publico e convidamos a todos para cair na folia no dia 27 com muita solidariedade”, diz o coordenador Nonato Santa Isabel.

É bom lembrar que a Banda Tira Ressaca, com 15 anos de carnaval, sempre inova. Nos últimos anos, os foliões se divertiram em cinco ambientes diferentes.

“Sempre tem música para todos os gostos. Trabalhamos em ambientes com axé, pagode, boi, forró e música eletrônica. Isso tudo em 12 horas de muita folia”, diz Nonato.

A Banda Tira ressaca é iniciativa da Rádio Amazonas. Desde 2001, os organizadores da banda trabalham em parceria com dona Delphina Aziz em suas obras humanitárias.

O resultado é substancial: somente neste período foram comprados dois ônibus com 44 lugares para uso exclusivo da Apae, período em que esteve na frente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, dona Delphina Aziz.

“A história da nossa Banda prova que vale a pena se divertir e ser solidário”, finaliza Delphina Aziz.

Roteiro Tira Ressaca

Palco 1

18:00 as 19:00 - Gata Assanhada

Palco 2

19:00 as 20:00 - Suá sem Dó

Palco 1

20:00 as 21:00 – Jóia Rara

Palco 2

21:00 as 22:00 – Bagaceiros do Forró

Palco 1

22:00 as 23:00 – Xekere

Palco 2

23:00 as 00:00 – Badawera

Palco 1

00:00 as 01:00 – Canto da Mata, Tuãn, Ianaira e Carlos Batata

Palco 2

01:00 as 02:00 – Dendê A Dois

Palco 1

02:00 as 03:00 - Banda Marrakrche


Contato: 9157-0299 Lydia Lucia

E-mail lyddialucia@yahoo.com.br

Ttwiter: lyddialucia

MSN: lydialucia82@hotmail.com

domingo, fevereiro 21, 2010

Em busca dessa tal felicidade!


Dona Celeste e seo Simão, onde tudo começou

Meu brother, o Marvelous Simas, telefona e avisa: estou passando aí na tua casa pra te pegar e a gente ir almoçar lá no papai.

Com a firma trincada, me limito a ganir: me traz uma carteira de Charm, que não fumo desde ontem. Ele me traz duas. Deve ser pra isso que servem os caçulas.

O velho, aos 86 anos, ainda consegue fazer uma festa quando nos vê.

A atual esposa dele, a Dulce, não deixa seu doce nome em vão: nos obriga a comer pratarraz de camarões à baiana, guisado de paca, porco do mato à moda tropical e uns empadões de nhambu que me tiraram do sério.

Com uma escopeta de cano serrado, a Dulce nos obriga a levar uma dezena de laranjas, melancias, tangerinas, espigas de milho, frangos de corte, ovos caipiras, feijão de corda, tomates, pimentões, gerimuns cabocos e quiabos de meio metro, que eu sequer supunha que existissem.

A gente sai de lá e vai pro Bar do Ferrinho, lá no campo do Penãrol, que frequento há pelo menos trinta anos, pensando em como se desfazer daquela carga agro-pastoril.

Vamos começar a nos embriagar. Ligo pro meu primo Gigio e pro velho craque do Peladão, o Aureo Petita.

Sim, vamos começar a procurar essa tal de felicidade.

E tudo isso por conta do Simas.

A grande furada de você ter um irmão caçula é que, na pior das hipóteses, ele vai te superar. Sempre.

Lembro como se fosse hoje. Minha mãe estava com um barrigão de duas toneladas quando, de repente, ela se virou para o papai, que estava sentado na mesa comigo, esperando pelo almoço, e detonou:

- Simão, me acode que acho que vou ter um troço....

Papai amparou a mamãe, já quase desmaiando, e saiu alucinado de casa com ela nos braços. Uma seis horas depois, os dois estavam de volta pra casa. O “troço” se chamava Simas e era um alemãozinho de respeito.


Todo mundo que entrava em casa pra ver o alemão tinha um prazer quase maligno em me humilhar:

– Êi, Simaozinho, você ficou no canto...

Com cinco anos de idade, eu não tinha noção do que era ficar no “canto”.

Mas intuía secretamente que era alguma coisa semelhante a ficar no canto da parede da sala de aula, ajoelhado sobre grãos de milho e com um chapéu em forma de cone onde se destacava a palavra “burro”.

Eu já presenciara alguns colegas das turmas mais avançadas sendo humilhados daquele jeito e havia ficado assustado.

De repente, eu estava na mesma situação.


O culpado pelo meu mundo ter virado de ponta-cabeça era aquele alemãozinho de merda.

Fiquei com ódio dele. Pra tentar matá-lo ainda no berço, seria conta de multiplicar.

Minhas quatro irmãs assumiram a tarefa de protegê-lo, o que não chega a ser original. Eram as lobas de Roma contra o cafajeste Enéas, último varão de Tróia.

A guerra silenciosa rolou até o dia em que a gente se mudou para uma nova casa na Cachoeirinha, em 1966, e a mamãe cantou as regras do jogo:

– Vocês dois vão dormir juntos nesse quarto. Se eu pelo menos imaginar que você faz malinação com o seu irmão mais novo, eu vou te matar pessoalmente...

E a dona Celeste desferiu aquelas palavras cabalísticas me fitando nos olhos.

O Simas tinha cinco anos, eu tinha dez. Melhor esperar pra ver o que ia acontecer.

O safado me conquistou porque era doce feito bastão de alfenim.

Eu era louco para ter um brinquedo chamado “Forte Apache”. Como não podia ter, comprava as peças avulsas na Lobrás e, com elas, contava histórias fantásticas pro Simas.

Por exemplo, comprei o cabo Rusty e o cão Rin-tin-tin. Explicava pra ele:

– Você, pra mim, é o cabo Rusty. Eu sou o general Custer. O cabo Rusty tem uma corneta. Toda vez que ele estiver em perigo, basta tocar a corneta. Ou vem o cão ou vem eu te salvar. O importante é tocar a corneta!

– Mas eu não sei tocar corneta! – explicava ele, ingenuamente.

– Porra, bicho, faz um assobio em código de forma que só eu e o Rin-tin-tin escute. Qualquer assobio. Não pode ser muito alto, senão os Sioux escutam e vai ser uma merda! Eles vão nos massacrar...

Ele treinava seus trinados pra só o general Custer ouvir. Eu aprovava e a gente ia levando.

Aí eu comprava um novo “boneco”, o índio Nuvem Ligeira ou o cacique Touro Sentado, e colocava juntos com os outros dois.

O Simas ficava assustado.

– Não esquenta não, bicho, que ele agora é um índio renegado! – eu explicava. “Ninguém mais quer ele na tribo e ele também não quer fazer parte do time dos brancos. Ele vai estar aqui pro que der e vier! Vamos detonar os inimigos! É o general Custer que está na parada!”

Aí, ele ria, com seu riso alvar de um matador em potencial.

Com uns dois anos, a gente já tinha tantos índios, soldados e cowboys que daria para fazer uma centena de guerras particulares com enredos diferentes. A gente só não tinha a porra do “Forte Apache”. Aquilo era uma infâmia.

Com o primeiro salário que ganhei na Sharp, eu comprei o “Forte Apache”, a cidade chamada “Virginia City” (incluindo o Jesse James saindo do banco com um saco de grana na mão e uma pistola na outra) e a “Fazenda Bonanza”, mas a gente já estava muito velho pra curtir aquelas porras.

Uma pena. Acho que o Simas jogou aquilo tudo no lixo. Ou deu pra alguém mais necessitado (ele sempre foi meio messiânico, gostava de operar milagres).


Quando o Simas completou dez anos, comecei a ensiná-lo a jogar celotex. Dois anos depois, o sacana já conseguia me derrotar. Um ano depois, estava praticamente imbatível. Era uma merda eu perder diariamente pra ele, mas, tudo bem.

Tentei ensiná-lo a fazer times de caroço de tucumã pra me enfrentar. Ele nunca gostou da idéia.

Também com dez anos, eu o ensinei a andar de bicicleta sem precisar colocar as mãos no guidão – as pernas pressionando a roda dianteira faziam a presepada.

Dois anos depois, o filho da puta já estava pilotando motocicletas sessentinha, coisa que eu só havia começado a fazer uns dois meses antes. Quem aquele alemão pensava que era?...

Com quinze anos, eu o ensinei a jogar xadrez. Um ano depois, o sacana já me humilhava com suas saídas esdrúxulas (peão na segunda casa da torre) e seus gambitos indefensáveis – porque ele estudava xadrez e eu, não.

Resolvi desafiá-lo no único campo em que eu ainda tinha controle absoluto: na caçada de lebres.

Em junho de 1982, telefonei pra ele. A gente ia fazer uma festa na nossa nova casa (minha, do Engels e do Jaques), localizada no conjunto Dom Pedro II, no sábado, e se ele quisesse participar seria bem-vindo. A festa ia começar às 21h e não tinha hora pra terminar. Ele podia trazer quantos amigos (e amigas) quisesse.

Por volta das 4h da tarde de sábado, ele apareceu no pardieiro. Eu e Julinho ainda estávamos fazendo as caipirinhas (uns quarenta litros) e as batidas de abacaxi (outros quarenta litros).

O Simas resolveu participar da presepada no quesito “provador” oficial. Ele pegava um pequeno cálice, enfiava no panelão, bebia e avisava:

– Falta um pouco mais de açúcar, caralho!

No décimo-quinto cálice, ele já resolveu meter a mão no abacaxi, nos limões, na cachaça e nos dar uma aula sobre fabricação de batida. O Julinho começou a ficar puto.

Retirei o Simas de lá e perguntei como ele havia chegado até o pardieiro. Ele me deu uma “gravata” e me levou até lá fora.

Estacionado diante da casa estava um Corcel II novinho em folha, negro como as asas da graúna. Acho que era o primeiro carro daquela cor que havia chegado em Manaus. O papai tinha arrematado aquela obra prima em um consórcio nacional na semana anterior.

O Simas estava com 21 anos, mas não tinha carteira de motorista – apesar de dirigir motocicletas e veículos desde os 14 anos. E estava totalmente louco de tanto provar caipirinhas e batidas de abacaxi.

Depois de muita conversa, convenci o sacana a ficar dormindo no meu quarto até a festa começar. Liguei o ar condicionado, encostei a porta, desliguei a luz e ele ficou jiboiando. Fui ajudar o Julinho a envasar as bebidas e colocar na geladeira.

Por volta das 20h, as meninas começaram a chegar ao pardieiro. Uma das primeiras que chegou foi a belíssima Margareth Batista (aka “Meg Fechou”), esposa do Guilherme, que era meu funcionário na Philco, no segundo turno, e top DJ da rádio Tropical.

Guilherme ia chegar depois das 10h da noite, mas havia mandado os melhores discos pela Meg Fechou, que tinha esse apelido porque era de fechar o trânsito.

Coloquei no toca-discos o primeiro LP dos 30 que ela me entregou. Era a música “Frustration”, do Soft Cell. Na seqüência viria “Tainted Love”, “Seedy Films”, “Sex Duwarf”, essas coisas. O melhor do new wave daquela época.

A doce Meg começou a dançar sozinha no meio da sala com aquele bailado cheio de braços do Ian Curtis, do Joy Division, que depois foi emulado pelo Renato Russo.

O Simas acordou, saiu do quarto e viu aquela fêmea dançando sozinha na sala, balançando aqueles braços como se estivesse imitando uma deusa indiana dançando hula hula. Achou que era para ele. Já chegou segurando ela pelos braços e a trazendo pra cima dele.

Desencanada, a Meg nem ligou. Sem parar de mexer os braços, ela rebolava na frente dele, aí se virava de repente, se afastava, voltava, rodava na frente dele, encostava a cabeça no queixo dele, se afastava, balançava de costas pra ele, fugia de novo e voltava. Aquela coisa da new wave, em que a dança era quase um surto de epilepsia.

O Simas começou a achar que estava diante do maior fodão da vida dele.

Na terceira música, a Meg deixou o sacana plantado no salão e veio me avisar:

– O teu irmão já está passando dos limites. Ele tentou me beijar duas vezes na boca... Pô, o cara não sabe que eu sou casada e que só estou dançando com ele pra deixá-lo animado?... Tem tantas meninas bonitas aqui... Vá se foder...

Coloquei um David Bowie básico (“Stay”), segurei o vigário delicadamente pelo braço e o levei até o corredor. Eu estava ali, tentando convencê-lo a dormir mais um pouco, quando chegou o Alfredo Bigode, que também trabalhava comigo na Philco:

– Êi, Simas, fica frio que eu estou indo buscar três gatinhas na Cachoeirinha e tem uma delas que é louca por ti...

O Alfredo falou aquilo, pegou seu carro e se mandou.

Na porta do quarto, o Simas começou a discutir comigo. O papo era surrealista:

– Por que qui tu tá querendo que eu durma, caralho? Eu já dormi...

– Porque descansar de novo vai ser melhor pra você. Você dorme mais um pouco, numa boa, e daqui a uma hora eu te acordo...

– Eu já sei. Tu come a mulher do Guilherme e eu estou embaçando a tua parada, né não?...

– Claro que não, porra! Eu conheci a Meg hoje. Mas deixa a Meg pra lá. Vai vir muito mais gente bonita hoje. Fica frio. Só faz descansar um pouco...

– Vai te fuder, porra! Tu come ela, que eu sei! Cadê o corno do marido dela pra eu sacanear...

– Não como ela, caralho! Nunca comi! Ela é mulher de um dos meus melhores amigos! Eu não posso é deixar você sacanear com ela!

Ele me olhou com seus olhos vitrificados de ódio e detonou:

– Bicho, é o seguinte: tu pega essa tua puta, esses viados, essa tua festa de merda e mete tudo no cu! Eu estou indo embora!

Ele falou aquilo e atravessou o salão xingando todo mundo. Sai atrás, tentando segurar ele, mas o sacana estava impossível.

Ele entrou no carro, meteu a chave na ignição e começou a manobrar o carro.

Foi quando eu, com os colhões na garganta, joguei a praga:

– É isso que tu tá querendo fazer, bicho, estragar a nossa festa?! Faz melhor, porra! Tu sai daqui, bate a merda desse carro e coloca a culpa em mim... É isso que tu tá querendo? Então, caralho, faz o serviço completo!...

Ele saiu cantando pneus.

Uma hora depois, a festa já pegando fogo, entra o Alfredo Bigode, me arrasta pro canto e canta a pedra:

– Teu irmão acabou com o carro do teu pai! Tá uma merda geral lá na Djalma Batista! Eu falei pro teu pai que vinha aqui te avisar...

Devia ser 10h da noite. Alfredo estava trazendo as meninas da Cachoeirinha pela Djalma Batista, quando viu um Corcel II preto entrar estupidamente na traseira de uma kombi na entrada do Conjunto Eldorado.

Como ele só conhecia um único veículo com aquelas características, resolveu voltar pra saber que merda era aquela. Os seis caras da kombi haviam descido pra encher o Simas de porrada.

Com um trinta-e-oito na mão, Alfredo fez os caras desistirem da idéia. Aí, pegou o Simas, que supostamente estava desmaiado no painel do Corcel, colocou no seu carro e levou pra casa do velho, lá na Cachoeirinha. Minhas duas irmãs (Silane e Selane) levaram o Simas para um hospital.

Alfredo Bigode e meu pai voltaram pra cena do crime pra ver o estrago. O papai estava me esperando no meio da confusão.


Eu interrompi a festa, expliquei rapidamente o que havia acontecido, expulsei todo mundo de casa, desliguei as luzes externas, peguei meu pequeno bugre e me mandei pra lá.

Continuaram na casa somente Jaques Castro e Julinho com suas respectivas namoradas trancados nos respectivos quartos.

Falei com os agitadísimos caras da kombi que pagaria os prejuízos, liguei pro Dico Paiva vir guinchar o carro do velho, resolvemos a parada material. Mas e o Simas?

Minhas duas irmãs queriam me linchar. Eu tinha embriagado o cara daquele jeito e tinha deixado o sacana fazer aquela merda toda. Eu era um filho da puta. Assumir o prejuízo, era o mínimo. Mas, e daí? O Simas quase tinha morrido. Eu era um filho da puta!

Depois de muita conversa, papai foi embora, com minhas duas irmãs rogando pragas pra mim. Eu voltei pra casa me sentindo o maior filho da puta do mundo. Em termos de caçada de lebres, aquele miserável do Simas era um tremendo amador.

Naquela rua em frente ao Cecom, eu vejo a Wanda caminhando e se desviando das poças de lama com uma elegância de manequim desfilando no Fashion Week.

A Wanda tinha sido estagiária no serviço social da Philco e tinha, na época, a maior padaria da empresa. Eu era louco pra experimentar um pão quentinho daquela fornalha, mas ela sempre me tirava de letra na maior classe.

Eu a tinha convidado pra festa – ela morava com a namorada do Jaques Castro –, por uma questão de civilidade. Nunca imaginei que ela iria para aquela pândega.

Mas, de repente, lá estava ela, do outro lado da rua, andando apressadamente e com um balanço de menina linda a caminho do mar. Parei o bugre e questionei:

– Ainda que mal lhe pergunte, minha princesa, você está indo pra onde?...

Ela me reconheceu e abriu aquele seu sorriso de 1.500 peças de marfim:

– Ué, pra tua festa. Já acabou?...

– Entra aí, porra, que deu a maior merda...

A Wanda entrou no carro. Fui explicando pra ela o que havia acontecido.

Quando dobro à direita, no rumo de casa, uma das rodas traseiras gigantescas do bugre cai num buraco gigantesco da rua e o carro fica preso.

Ré, primeira, reduzida, nada funciona. O bugre só patina, o motor só falta fundir. Era tudo que faltava pra ser uma noite inesquecível. O culhão não vai pra garganta porque eu já havia comido ele com farinha antes. Apelei:

– Wanda, minha princesa, vai lá em casa e chama o Jaques ou o Julinho pra vir aqui me ajudar, que eu já pedi o penico...

A Wanda desceu do carro e saiu andando em direção à nossa casa, a uns 50 metros dali. Eu olhando aquele seu doce balanço ao rumo do mar e ficando cada vez mais desesperado.

Puto da vida, eu desci do bugre e fiquei olhando praquela presepada.

De repente, me deu um ódio tão grande de tudo aquilo que havia acontecido naquela noite, que me aproximei do bugre, meti a mão na traseira dele, levantei no ar e coloquei a roda traseira fora do buraco (desconfio que Ogum me ajudou, já que nunca fui nenhum Super-homem).

Liguei o carro e fui embora. A Wanda ainda estava batendo na porta de casa, mas ninguém atendia.

Abri a porta da garagem e estacionei o bugre.

Aí, abri o portão principal e entrei com a Wanda. Ela estava assustada. Falei pra ela:

– Nós vamos nos embriagar, escutar boas músicas, dançar face-to-face e seja o que Deus quiser!

Devia ser meia-noite. Jaques e Julinho já deviam estar dormindo.

Por volta das 2h, a gente resolveu parar de dançar e ir dormir. Foi uma dormida selvagem. Ogum e Iansã querendo consertar o mundo. Não recomendo a ninguém.

Eu acordei por volta das 10h da manhã, com a Wanda já se vestindo. Ainda ajudei no ajuste do feixe èclair do vestido.

Ela me deu um bitoco, pediu pra eu lhe telefonar na segunda-feira (coisa que não fiz), e, de repente, alguns meses depois, ela resolveu se casar com um americano e foi morar em Miami, onde está feliz até hoje.


O Simas não vale nada!

Mas é o único brother que tenho. Na real.

Apesar de ele não entender porra nenhuma de caçada de lebres, ainda mato e morro pelo sacana!

Quem sabe se com o tempo ele pega a prática?...