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quarta-feira, setembro 08, 2010

Causos de Bambas - Ferdy Carneiro e Anatole Costa


Morto num incêndio em 1968, o Colégio do Caraça era o templo feroz da disciplina férrea, siderúrgica, como o Estado que o abrigava, Minas Gerais.

Fundado no tempo do Império, transformou-se a partir de 1821 no mais afamado centro de estudos humanísticos do Brasil, além de constituir o mais duro e espartano estabelecimento de ensino do país, em todas as épocas.

O Colégio São José de Ubá foi fundado por um ex-aluno do Caraça e dele herdou os princípios rígidos, quase brutais, impostos pelos padres lazaristas que substituíram os fundadores, os religiosos portugueses da Congregação da Missão de São Vicente de Paula.

Pintor, gravador, desenhista industrial e um dos fundadores da Banda de Ipanema, Ferdy Carneiro foi aluno do Colégio São José, em regime de semi-internato.

Apesar de ser um estabelecimento leigo, o São José era dirigido com as mesmas mãos de ferro dos antigos lazaristas do Caraça por um jesuíta, padre Luís.

Uma tarde, aquelas tristes tardes da antiga Minas, de um crepúsculo calado, montanhoso, Ferdy e Anatole – Anatole Cordeiro da Costa – iam para casa depois de mais um dia de repressão, outro dia de pesadas lições, de silêncios impostos pela lei sombria do sombrio colégio.

Anatole, ao passar pelo muro que limitava os fundos do campo de futebol do São José, pegou de um tição e desenhou na virgindade alvíssima da parede um falo gigantesco, descomunal, irretocável.

Quando o sol amanheceu e iluminou o popular e secreto pai-de-todos, o pênis anatólico riscado a carvão na imaculada brancura do santo muro, o padre Luís anoiteceu ainda mais o noturno colégio com uma explosão surda, sangrenta:

– Não quero saber quem foi o autor da obra! – rosnou ele, gritando, mordendo os dentes. “Todos, todos, sem exceção, estão presos!”

O pênis lá, ereto, assistiu à cena, soberano, onipresente.

Chamou-se um servente que, munido de balde d’água, vassoura e panos, dedicou-se a devolver o silêncio ao muro berrador. Em vão.

– Está até mais de acordo! – comentaram. “Agora dá pra se ver de longe. Engrossaram o traço.”

Fama volat, disse Virgílio. As notícias voam e, em breve, toda cidade sabia do sucedido, e, às claras ou às escondidas, a população de Ubá, sob múltiplos pretextos, passava ao largo do Colégio São José, na estrada que o dominava, para assistir o mural do Anatole.

Foi a vez do pedreiro remover a peça do muro. O homem raspou cuidadosamente com a colher o traço indecente.

– Ficou parecendo uma gravura da Ana Letícia – comentou o Ferdy Carneiro, ao recordar o episódio. “Juntava gente para ver, para apreciar a obra.”

Mandaram emassar o muro pecaminoso. Pura perda de tempo.

Se chovesse chuva grossa e mesmo miúda, lá apareceria ele, desenhado, parecendo fantasma, assombração.

Padre Luís, apoplético, perdia batalha após batalha para o falus gigante, para o demônio imoral saído das entranhas pecaminosas do lúbrico anônimo que conspurcou a imagem sacrossanta do colégio que reverenciava o pai de Jesus.

– Cal! Cal! Cal! – urrava o padre, tentando exorcizar a parede pornográfica.

E caiavam, e caiavam, e caiavam o muro. Inutilmente.

A obra de tição do Anatole resistia a todas as perseguições e reaparecia, cheia de vida, de saúde, de alegria.

E, não fosse a trágica e drástica providência do padre Luís, estaria até hoje lá, atraindo turistas idosos, para os quais a representação fálica – hoje tão explícita e comum – ainda é coisa insólita.

Inspirado no desenho, o padre Luís demoliu o muro com um aríete.

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