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terça-feira, setembro 14, 2010

Chacal revela aventuras como poeta em livro

João Pimentel

Chacal começou a escrever poesia para tentar se comunicar. Tímido e disléxico, ele também queria dar o seu testemunho, aos 17 anos, do mundo que o cercava em 1968. E que mundo. Rock’n’roll, Godard, Tropicalismo e AI-5 povoavam a cabeça do menino nascido nos arredores do Jockey, na Gávea, e criado em Copacabana.

A poesia chegou a suas mãos e arrombou a porta de sua vida através de um livro de Oswald de Andrade. Passou a escrever e a mostrar sua produção para Hélio Oiticica, Waly Salomão e Torquato Neto. Aprovado, seguiu seu rumo.

Fez seus primeiros livros com a chamada Geração Mimeógrafo; formou o Nuvem Cigana, coletivo de poetas marginais; flertou com o grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone; quase morreu; escreveu o jornal da estadia do Circo Voador no Arpoador; foi compositor da Blitz; quase morreu de novo; e renasceu no CEP 20.000, evento cult de poesia.

O poeta que pulou os muros da vida “para poder ir ver, para poder viver” conta como escreveu por linhas tortas suas várias vidas na biografia “Uma História à Margem” (7 Letras), lançado neste mês.

A ideia de “Uma História à Margem” surgiu por acaso, quando preparava “Belvedere”, livro que reuniu sua obra completa, de 1971 a 2007.

Estava num voo rumo a Goiás, onde participaria de um encontro de poesia, quando, após uma escala em São Paulo, Augusto Massi, responsável pela linha editorial da Cosac Naify, por onde o livro seria lançado, sentou-se ao seu lado.

Conversa animada, Chacal contou algumas histórias. Massi gostou e sugeriu que ele aproveitasse suas memórias para ilustrar a antologia.

Turbilhão

Mas a cabeça em turbilhão do poeta já estava longe. Este seria um outro livro. “Por sugestão dele, na volta para o Rio escrevi algumas histórias. De cara saíram umas 20 páginas. Mas fiquei com a sensação de que o livro de poesia seria sufocado pela biografia”, conta.

E a intuição de Chacal também se mostraria certeira. Ele provavelmente teria queimado ali a possibilidade de lançar o ótimo cabedal de sua privilegiada memória, que passou incólume por ao menos duas décadas movidas a poesia, sexo, drogas e rock’n’roll.

As 20 páginas foram enviadas para um edital da Petrobras com a intenção da editora de publicá-lo. Aprovado o projeto, o poeta e a Cosac Naify não chegaram a um acordo, e o livro sai pela 7 Letras.

Dividido em pequenos capítulos, entremeados por depoimentos e poemas, o livro revela, de cara, dois Chacais fundamentais.

Um, o poeta de linguagem direta, popular, inventivo, que venceu a timidez e começou a formatar a ideia de tirar a poesia dos livros, não declamando, palavra que repudia, mas interpretando, dando sons, imagens, suor, humanizando.

O outro Chacal foi o que se entregou de corpo e alma, literalmente, à produção poética, atravessando movimentos, dialogando com as gerações subsequentes à sua, confabulando e transformando o estabelecido, aprendendo com o novo.

Talvez poucos tenham atravessado com mais transparência a sua própria existência.

E, certamente, poucos dos seus pares toparam o desafio do tempo, da mudança de uma geração tocada pelo espírito libertário em plena ditadura militar — que lutava contra o capitalismo e a cultura do descartável —, e que foi, justamente no período de reabertura do país, atropelada pelo “progresso” anunciado.

O poeta com jeito doce e nome de bicho sempre viveu a fundo suas questões. O próprio Chacal se descreve na contracapa:

“Para o mundo acadêmico sou um poeta descartável, de poucos recursos e baixo repertório. Para o mundo pop, um poeta, um intelectual, um crânio. E todos têm razão. Menos eu. Menos eu.” (Agência Globo)

Escritor conta que aprende com os jovens

Depois de pular a janela da prisão e quase morrer, Chacal foi convidado pelo poeta Guilherme Zarvos para uma das Terças Poéticas, evento que propunha um diálogo entre poetas jovens e rodados.

Era o embrião do CEP 20.000.

E Chacal era a pessoa ideal para fazer essa interface, que já dura 20 anos: “É difícil para mim entender os mais jovens, que não viveram a utopia dos anos 70 e uma ditadura. Então tento aprender com eles, que têm o poder da vitalidade da juventude”.

O mesmo poder que ele tinha quando decidiu ganhar seu pão com poesia e ainda brigar pelo troco.

“Não tinha jornal ou agência de publicidade, que poderiam ser caminhos naturais, para trabalhar. Então tive que enlouquecer e dar um jeito de ser poeta.”

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