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quarta-feira, dezembro 22, 2010

Perdidos no Rio


Maio de 2001. A convite da Secretaria Estadual de Cultura (SEC), eu e Mário Adolfo embarcamos para o Rio de Janeiro na noite de uma quarta-feira, para participar da 10ª Bienal Internacional do Livro.

Nós dois ficamos hospedados no Rio Othon Palace, em Copacabana, com todas as despesas correndo por conta da SEC – exceto biritas e pagamento de vagabundas.

A bienal iria rolar em um espaço de 48 mil m², distribuídos em dois pavilhões do Riocentro.

Somente para a Espanha, país homenageado, a área destinada era de 500 m². Argentina, China, Estados Unidos, França, Itália, Jamaica, Colômbia, Portugal, Cuba e México estavam confirmados no evento.

Seriam mais de 800 expositores, entre eles a SEC/Editora Valer mostrando a literatura regional do Amazonas.

No referido stand, que ficava próximo do Café Literário, Mário Adolfo iria fazer uma noite de autógrafos do livro “A, E, I, Ópera”, na quinta-feira, em companhia da escritora Ana Maria Daou, que estava lançando o livro “A Belle Époque Amazônica”.

Eu repetiria a dose na sexta-feira, com o livro “Folclore Político do Amazonas”, em companhia da poetisa Astrid Cabral, que estava lançando o livro “Alameda”.

Na manhã de sábado, a gente retornaria para Manaus.

Como nossos compromissos oficiais eram noturnos, a gente tinha dois dias inteiro pra vadiar.

E foi o que fizemos, depois de Mário Adolfo contratar o motorista carioca Eduardo Cabeção pra ser nosso guia turístico particular.


Na quinta-feira, Mário Adolfo foi dar entrevistas para a rede Globo, jornal O Dia, Tribuna da Imprensa e Jornal do Brasil, enquanto eu fui bater pernas pelos sebos de Copacabana.

Voltamos a nos encontrar na hora do almoço, no restaurante do hotel, localizado no 30º andar.

Extremamente charmoso, o Skylab Bar e Restaurante oferece uma bela visão panorâmica da praia de Copacabana e tem uma excelente infraestrutura, com serviço impecável, pessoal simpático e comida, quase sempre, deliciosa.



O jornalista Mário Adolfo, com seu habitual espírito de monge franciscano fazendo voto de pobreza, pedia, invariavelmente, filé com fritas (R$ 30), com pequenas variações (“mal passado” ou “no ponto”).

Como quem ia pagar era a SEC, eu escolhia o meu pedido consultando a lista da direita (dos preços), me fixando sempre nos mais caros, mas cada vez escolhendo um prato diferente: lagosta a moda de Peniche (R$ 110), lagosta a Thermidor (R$ 108), lagosta a Belle Meunière (R$ 105), lagosta gratinada (R$ 102) e assim por diante. Quase enjoei de tanto comer lagosta.

A noite, depois do lançamento do livro do Mário Adolfo, fomos encher a cara no Bar Diagonal, no Leblon, na esperança de encontrarmos o músico Rui de Carvalho, que garantiu que ia aparecer, mas na última hora fez “forfait”.


Soubemos depois que o Rui de Carvalho estava de namorada nova no pedaço e ficou com medo de a gente querer fazer alguma gracinha pra cima da moçoila. Pode?...

Na sexta-feira, ainda se recuperando da ressaca da noite anterior, Mário Adolfo acordou cedo e resolveu comprar dez pares de sapatilhas indianas existentes em uma exclusivíssima loja de Ipanema.

Pra ganhar tempo (?) ou reanimar seu autêntico espírito indígena, ele resolveu sair do hotel descalço.

Fomos a pé de Copacabana até Ipanema, onde passamos umas duas horas caminhando pelas ruas do bairro e nada de encontrar a tal lojinha.

Mário Adolfo estava cada vez mais puto porque, volta e meia, metia o pé descalço em cocô de cachorro, o que, convenhamos, é uma verdadeira merda.

Quem via aquele sujeito descalço andando pelas ruas do bairro deduziria, obviamente, que ele morava por ali.

Ninguém anda descalço impunemente na terra dos outros.

A não ser que o tal sujeito descalço tivesse descido do morro do Cantagalo, o que, em qualquer circunstância, costuma ser sinônimo de encrenca.

Por volta do meio dia, Mário Adolfo acatou minhas sábias ponderações, comprou uma simplória sandália havaiana no camelô da esquina, e nos aboletamos no bar Bofetada, na rua Farme de Amoedo, onde nos empaturramos de chope gelado e badofe (carne-seca desfiada com cebola e tutu de feijão).


Chegamos a telefonar para o Antídio Weil, que estava labutando em Manaus, só pra lhe matar de inveja.

A noite, durante o lançamento do meu livro, encontrei casualmente o secretário de Cultura Robério Braga e cantei a pedra:

– Porra, secretário, domingo o Vasco decide o campeonato estadual com o Flamengo, no Maracanã, mas a diária do hotel vence no sábado e a gente vai ter que ir embora. Será que você não pode descolar mais duas diárias pra nós dois? Aí, eu poderia realizar um antigo sonho de ver o Vasco em uma final em pleno Maracanã...

Vascaíno roxo, Robério Braga nem titubeou:

– É uma causa justa, meu poeta. Vou ligar pro hotel agora mesmo e resolver o problema!

Esse Robério Braga é um paidégua!

Pra comemorar aqueles dois novos dias de lazer na Cidade Maravilhosa, assim que deixamos o Riocentro nós fomos encher a cara no Sindicato do Chopp, em Ipanema, mas não convidamos o Rui de Carvalho. Nem a namorada dele.


O Mário Adolfo também aproveitou a oportunidade para roubar, na maior cara dura, os imensos banners oficiais anunciando os nossos lançamentos literários na bienal.

No sábado, por volta das 9h de uma manhã luminosa, nos mandamos para a Barra da Tijuca e nos aboletamos nas proximidades da Barraca do Pepê, onde ficamos admirando, bestificados, as popozudas em flor.


Uns sujeitos mal encarados começaram a olhar atravessado para nós dois. Falei pro Mário Adolfo:

– É nessas horas que a gente fica com saudades do Artur Neto... Se ele estivesse aqui, duvido que esses caras sequer se aproximassem da mesa...

O nome “Artur Neto” soou com um “Abrakadabra, abre-te Sésamo!”

Um sujeito conhecido como Magrão, supostamente líder comunitário na Rocinha, que estava ajudando o dono da barraca, se aproximou de nós e disparou:

– Vocês conhecem o deputado Artur Neto de onde?!...

Quando soube que a gente era de Manaus, ele se transformou voluntariamente em nosso guarda-costas e garçom preferencial porque tinha treinado jiu-jitsu com o Artur Neto na Academia Gracie.

O cara era fascinado pelo Artur Neto e acompanhava a carreira política dele, mesmo à distância.

Era o Magrão que nos abastecia com caipiroscas de todos os tipos.


Pra mostrar que conhecia o pessoal do movimento, ele foi de carona conosco até a parte mais alta da Rocinha – por volta das 7h da noite –, desceu do carro, falou alguma coisa com alguns sujeitos que estavam numa birosca, aí voltou a falar com a gente.

Os sujeitos haviam nos autorizado a continuar a viagem pelo miolo da favela, mas sem parar nem pra mijar.

Dito isso, Magrão se despediu e sumiu em uma das ruelas da Rocinha.

O motorista do Mário Adolfo estava em pânico.

Em trinta anos de profissão, Eduardo Cabeção nunca tinha andado por aquelas quebradas com medo de bala perdida.

Eu devia estar muito bêbado, porque achei a Rocinha muito simpática.

Havia tanta gente andando animadamente pelas ruas, que parecia até que a gente estava subindo a rua Leopoldo Neves, em Educandos, em dia de liquidação na Casa das Sedas.

No domingo, tomamos o café da manhã junto com os jogadores do Vasco da Gama, que estavam concentrados no hotel.

Mário Adolfo insistiu para que eu tirasse uma foto junto com o baixinho Romário ou com o marrento Viola, mas descartei a idéia.

Eles não eram da minha época. Se fosse o Roberto Dinamite, vá lá...

Por volta das 15h, o Eduardo Cabeção nos apanhou na portaria do hotel já com os ingressos comprados para a área central das arquibancadas e nos mandamos para o Maracanã.

Durante o trajeto, o Mário Adolfo me presenteou com um chapéu e uma faixa de campeão comprada de um camelô.


O Vasco havia vencido a primeira partida por 2X1 e, como havia feito a melhor campanha do campeonato, jogava por dois resultados iguais.

Quer dizer, podia perder a segunda partida até por um gol de diferença.

Durante o primeiro tempo, o jogo foi bem agitado.

Nervoso e precisando do resultado, o Flamengo pressionava, enquanto o Vascão se mandava nos contra-ataques.

Logo no início do jogo, Viola poderia ter aberto o placar para o Vasco da Gama, mas Júlio César salvou o Urubu com uma defesa milagrosa.


Mas, aos 23, quem abriu o placar foi o Flamengo. O lateral-esquerdo Cássio caiu sozinho dentro da área e o juiz ladrão marcou pênalti.

Edílson bateu e marcou. 1x0 para o Urubu, que precisava de mais um gol para conquistar o título.

No entanto, quem marcou em seguida foi o Vasco.

Primeiro com Euller, em gol que foi anulado pelo bandeirinha, devido a um suposto impedimento que só aquele corno viu.

Depois, após tanto pressionar, e perder novas chances com Viola e Euller, Juninho Paulista empatou o jogo, após receber passe do atacante Viola, dentro da área.

O próprio Juninho poderia ter decidido o jogo, em um novo contra-ataque do Vascão, mas o filho da puta do Júlio César salvou o Urubu de novo, com outra defesa milagrosa.

Fim do primeiro tempo, vantagem do Vasco, com o Urubu precisando de dois gols para ser campeão.


Na volta do intervalo, o Vasco começou a fazer uma cagada atrás da outra.

Aos 8 minutos, o seboso Petkovic fez um cruzamento para dentro da área, os zagueiros do Vasco ficaram parados e o baixinho Edílson completou de cabeça: 2x1 para a urubuzada.

A partir daí, foi só emoção. Juninho Paulista cobrou falta com perigo e acertou o travessão de Júlio César.

Euller chegou a driblar o goleiro em outro lance perigoso a favor do Vascão, mas ficou sem ângulo e perdeu a chance.

O Vasco era só pressão, mas todas as bolas paravam nas mãos do inspirado goleiro rubro-negro.

O filho da puta deve ter entrado para o Guiness como o goleiro que mais fez defesas milagrosas (17) em uma única partida.

Até que, aos 43 minutos do segundo tempo, com a torcida vascaína já comemorando o título, veio o momento que não sai da cabeça de quem assistiu àquela decisão.

Falta para o Flamengo, na entrada da área, em cima de Edílson. Adivinha quem vai bater? É o camisa 10 da Gávea...

Sim, aquela música famosa de Jorge Bem foi feita em homenagem a Zico.

Mas dessa vez não foi bem aquele camisa 10 da Gávea quem bateu. Foi outro. O filho da puta do sérvio Petkovic.

Sentado ao meu lado, o botafoguense Mário Adolfo cantou a bola:

– Sei não, parceiro, mas isso está me cheirando a gol do Flamengo...

Ponderei, me lembrando dos tempos em que era quarto zagueiro do Murrinhas do Egito:

– Se não forem babacas, os jogadores da barreira vão correr pra bola assim que o árbitro apitar, abafar o lance e vai ter uma nova cobrança. Fazendo isso três vezes, eles quebram a concentração do Petkovic e ele vai ter que cruzar na área de qualquer jeito. Aí, é só chutar pro mato e correr pro abraço...

O técnico vascaíno Joel Santana, entretanto, preferiu ficar rezando no banco em vez de orientar os jogadores a impedirem a cobrança de falta. Um idiota!

O árbitro Léo Feldam apitou, Petkovic partiu para a bola, a barreira ficou estática, e, como se tivesse sido colocada com a mão, a bola foi parar no fundo das redes, no ângulo esquerdo do goleiro vascaíno Helton.


Sem chances, indefensável, indescritível. Meus colhões foram parar nas amigdalas.

Puta que pariu, mas esse Mário Adolfo tinha uma boca amaldiçoada!

Saindo do estádio, verdadeiramente puto, tomei uma decisão radical: nunca mais colocar os pés no Maracanã.

Ainda bem que já vão demolir aquela merda...


O mais chato, entretanto, foi atender várias ligações da urubuzada de Manaus querendo saber o que havia acontecido, quando a gente ainda estava esperando o Eduardo Cabeção diante da estátua do Bellini, em frente ao estádio.

Uma infâmia para jamais ser esquecida!

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