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segunda-feira, janeiro 24, 2011

Causos de Bambas: Antonio Silvino


Etimologicamente, cangaço significa utensílio, apetrecho e teréns de casa pobre.

Acredito que o nomadismo forçado dos cangaceiros, portanto – à maneira cigana – obrigados a transportar seus cangaços na caminhada sem-fim pelos sertões do Nordeste, tenha lhes batizado a profissão, cujo preparo contava no seu corpo docente com o latifundiário explorador, o desequilíbrio social, a miséria extrema, a perseguição dos jagunços e dos meganhas das volantes, mais conhecidos como macacos.

São inúmeros os cangaceiros históricos: Brilhante, Jesuíno, Volta Seca, Corisco, Cabeleira, Luis Pedro, Jararaca e muitos outros, mas os reis do estupro, das sangraduras, do esfolamento, das castração, do saque, do extermínio, justiça lhes seja feita, foram Antonio Silvino (Manuel Batista de Morais, conhecido no início da carreira como Né Batista) e Lampião (Virgulino Ferreira da Silva), que recebeu do governo a patente de capitão, mode combater a Coluna Prestes e ganhou mais um arsenal de pistola, punhal, bacamarte e munição, artefatos que usou para fins mais construtivos que aporrinhar a marcha dos guerrilheiros: esfolar senhor de engenho, jagunço e macaco da volante.

Lampião morreu na Fazenda de Angicos, em Sergipe, de bala e estricnina, aos 38 anos de idade.

Antonio Silvino desencarnou numa boa em Campina Grande, na Paraíba, de morte morrida, aos 69 anos.

Depois de 16 anos de embuança no cangaço, Antonio Silvino (que tirou a alcunha do seu mestre na guerrilha, Silvino Aires Cavalcanti, que se acabou chumbado pela volante de Luís Maranhão) foi preso e tirou 23 anos de cadeia, mas no seu período de glória foi o mais assassino, o mais impiedoso, o mais aterrorizante cangaceiro dos sertões de Pernambuco e Ceará.

Certa ocasião, Antonio Silvino, já dono de bando próprio, herdado do falecido Silvino Aires Cavalcanti, entrou em Afogados de Ingazeira, na zona do Sertão do Alto Pajeú, sua terra natal, com o mocó atulhado de cobre, mode comemorar uma façanha rendosa, e procurou uma bodega de seu agrado.

Chegou lá, viu a casa cheia, botou todo mundo pra fora e, claro, a obediência foi instantânea.
Antonio Silvino, que queria as mesas todas para si e cabralhada, divisou, no fundo da sala iluminada a candeeiro, um freguês recalcitrante, que continuava mansamente a mamar sua cachaça.

Imediatamente mandou um ordenança botar o teimoso na rua.

Voltou o mensageiro:

– Chefe, o cabra disse que não vai sair agora não. Só depois que acabar com a pinga e pagar o devido.

Silvino arroxeou, desembainhou o punhal de dezoito polegadas e foi lá cuidar pessoalmente do infeliz:

– Cabra nojento – falou mordendo os dentes –, tu sabe quem é que eu sou?

O outro sem tirar os olhos serenos da garrafa, fez não com a cabeça.

Os cabras, antegozando diversão e sangreira, já rindo, arrodearam os dois.

Antonio Silvino cravou o punhal na mesa do pobre e urrou para seu lugar-tenente:

– Cascavel! Diga a esse filho de uma puta quem é que eu sou!

Cascavel disse. O homem mais brabo que tinha do alto até a ponta de baixo do Brasil, o terrível Antonio Silvino.

O outro ergueu os olhos devagar, fitou um ponto longínquo de um inexistente horizonte, sorriu manso, reminiscente, e fez uma confissão saudosa:

– Mundo pequeno... Comi muito a senhora sua mãe...

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