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sábado, janeiro 01, 2011

Instituto Moreira Salles lança edição ampliada do livro Uma pedra no meio do caminho - Biografia de um poema, de Carlos Drummond de Andrade


O jovem poeta destacou uma página de caderno onde havia escrito o poema e enviou para o Rio de Janeiro, em 1928. O destinatário era Mário de Andrade que à época editava a Revista de Antropofagia.

Meses depois, o poema No meio do caminho é publicado na página 3 da revista e passa despercebido. Ao sair, porém, na edição de Alguma Poesia, em 1930, causou assombro e se tornou um dos textos mais achincalhados, odiados e elogiados da literatura brasileira.

Críticos, modernistas e tradicionais, além de gramáticos, se engalfinharam num debate público que sobrou, principalmente, para o poeta a pecha de “Carlos Pedregoso”, “o poeta da Pedra”, “poeta pétreo”, “provecto poeta”, “Drummond Pedreira” ou coisa do tipo: (...) o mais brilhante cavouqueiro a serviço, no Brasil, da poesia modernista.

“Havia uma pedra no meio do caminho” atravessou gerações, se transformou numa frase comum, corriqueira e descolada do poeta. Mas por décadas suscitou fúria e irritou muita gente.

Gondim da Fonseca, por exemplo, escreveu: “O sr. Carlos Drummond é difícil. Por mais que esprema o cérebro, não sai nada. (...) Homem, e não houve uma alma caridosa que pegasse nessa pedra e lhe esborrachasse o crânio com ela?”

Agripino Grieco afirmou que Drummond “comparou-se ao ferro de Itabira, e a pedra em que ele tropeçou veio a celebrizar-se”.

O mau humor extrapolava e tornava impiedosa a crítica de última hora: “Na literatura o que vemos? Poetas que não fazem nos seus poemas senão imitar muitos anchos dos pedreiros colocando pedras umas ao lado das outras”, escreveu Augusto Linhares num discurso para médicos.

“O que é isso? É poesia mesmo ou é legítima bobagem como a ‘pedra do meio do caminho’ do Sr. Drummond de Andrade?” perguntava Cavadarossi em texto publicado em jornal carioca que tinha como título: A poesia carnavalesca.

A recepção ao poema ficou ainda pior quando Drummond deixou Minas e foi para o Rio de Janeiro como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação e da Saúde. A ira ganha, portanto, proporções políticas.

Drummond seguiu poeta, publicou Rosa do povo, O Sentimento do mundo, Brejo das almas, mas havia uma “pedra no meio do caminho” e quando se queria atacar a poesia moderna, a política de Capanema ou o poeta, o refrão eram os versos de Drummond.

Mário de Andrade achou No meio do caminho um poema “formidável”, mas tascou: “É o mais forte exemplo que conheço, mais bem frisado, mais psicológico, de cansaço intelectual”.

Manuel Bandeira caiu de amores pelo poema: “No meio do caminho, poema formidável de desalento e onde no entanto não há mais que uma pedra, ‘uma pedra no meio do caminho’”.

Paulo Rónai chamou Drummond de futurista que “chega ao limite do grotesco em sua rebeldia contra toda a tradição”.

Os gramáticos se revoltaram contra o poema escrito num português “inadmissível” e num “papagueado” esdrúxulo: “No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra”.

Drummond não poderia ter escrito “tinha” e sim “havia”. Além de mau poeta era ignorante: o poema tinha um único verso repetido à “irritante exaustão”.

Anos mais tarde, Drummond confessa a surpresa com a celeuma causada em torno de “tão simples pedra” de um “poeminha”.

A pedra tornou o poeta conhecido, era frequentemente desenhado com uma pedra por perto. O poema foi musicado por Francisco Mignone, virou peça de discurso, ganhou paródias debochadas e inspirou outros poemas. Clichê.

No aniversário de 50 anos de No meio do caminho, Drummond vingou-se. Publicou o livro Uma pedra no meio do caminho, uma biografia de um poema com um meticuloso trabalho de recorte de tudo o que foi publicado sobre o poema.

Nos 80 anos do livro Alguma Poesia (1930), sai uma edição ampliada do volume preparado por Drummond pelo Instituto Moreira Salles. É uma edição primorosa organizada pelo poeta Eucanaã Ferraz e que ganhou uma “biografia da biografia” e novos textos sobre o poema.

O que importa, porém aos leitores de Drummond, é o prazer de ler a história de um poema contada a partir de leitores de uma dada época.

A ironia e o humor saltam das páginas. Observem também os títulos dados por Drummond na divisão do livro. É um caso à parte ver a mão do catalogador de si mesmo e a do poeta juntando os cacos de uma pedra pelo tempo afora.

Serviço

UMA PEDRA NO MEIO DO CAMINHO - BIOGRAFIA DE UM POEMA

Edição ampliada organizada por Eucanaã Ferraz.
Instituto Moreira Salles
R$ 50


O Poema da Discórdia

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Numa me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

O que se disse da pedra

“Mas confesso-lhe que me surpreendi ao ver surgir ao lado da minha modesta e atacada ‘pedra no meio do caminho’ um soneto que lhe interpreta e desenvolve o sentido. (...) É uma simples, uma pobre pedra, como tantas que há por aí, nada mais”. Carlos Drummond de Andrade

“Mas estupenda mesmo é a pedra que está no caminho. Vamos sentar nela?” Antonio de Alcântara Machado

“(...) nossos Walt Whitmans do pedregulho que são o nosso orgulho (‘tinha uma pedra’)”. Augusto Linhares

“O poeta da pedra – “No meio do caminho” – e tão sucessoso que se tornou um lugar-comum elogiá-lo”. Paulo Mendes Campos

“Tem algumas ideias fixas, como a da ‘pedra’, que, se é verdade, não chega bem a ser um verso”. Agripino Grieco

“Ah, era um encanto e um gozo, na verdade vos digo, primeiro pela indiferença a todos os cânones e depois pela cara com que ficavam os canônicos”. Mário Quintana


Regina Ribeiro
reginaribeiro@opovo.com.br

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