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terça-feira, maio 17, 2011

Aula 67 do Curso Intensivo de Rock: O tal de Grunge (1)


No extremo noroeste dos Estados Unidos, na fronteira com o Canadá, o estado de Washington é, por tradição, uma terra de florestas e lenhadores.

Mas foi a tecnologia de ponta que fez a riqueza de sua principal cidade, Seattle, quartel-general da Boeing e da Microsoft.

Não importa.

Nem com todo seu poder econômico, estas duas empresas puderam dar à cidade a fama mundial conquistada por uma turma de garotos maltrapilhos e descabelados, aramdos de guitarras supersônicas e profundo desprezo pelos ideias norte-americanos cultivados sob os governos Reagan e Bush.

A partir da virada de 1991 para 1992, quando o Nirvana, de Kurt Cobain, fez o planeta inteiro tremer ao som de “Smells Like Teen Spirit”, Seattle passou a ser conhecida como a terra do grunge – uma expressão que, durante a primeira metade daquela década, equivalia a proclamá-la capital mundial do rock.

Lá pelo fim dos anos 70, Seattle era uma cidade meio escanteada no que se referia a grandes shows musicais.

As grandes bandas, na época, não faziam shows na cidade por julgarem ser um mal negócio subir até a região Noroeste para uma única apresentação – ainda mais sabendo que por lá chove uma média de 200 dias por ano.

Como não havia muitos shows na cidade aliado ao fato de chover o tempo todo, os moleques se enclausuravam em seus porões e começavam a inventar músicas, fazer um som barulhento, formar bandas.

Dali a pouco, as bandas começaram a se juntar para alugar galpões e garagens e fazer seus próprios shows.

Foi só a partir disso que começou a surgir em Seattle uma cena roqueira.

O detalhe é que todas as bandas tinham consciência de que estavam apenas se divertindo, de que a terra dos contratos milionários era a Califórnia e ninguém iria até Seattle para contratá-los.

Quando a rapaziada começou a se cansar das frescuras do rock dos anos 80, começaram a tocar músicas despretensiosas, desconstruídas e infernalmente barulhentas.

Um ponto importante nesse processo é o fato de que os integrantes dessas bandas não eram “roqueiros”, na acepção da palavra, e sim um bando de “nerds” frustrados, filhos de pais separados, que não tinham mais o que fazer a não ser ficar bêbados e pular em cima de um palco até a chuva passar.

Eles não eram entertainers, não entendiam dos métodos do mainstream: tudo o que eles sabiam era agitar, botar pra foder, zoar geral.

O lema punk “do it yourself” (“faça você mesmo”) tornou-se uma filosofia de vida, de forma que ninguém mais esperava por nada de ninguém fosse governo, empresários, ou setores organizados da sociedade.

Enquanto não estava na escola, os adolescentes de Seattle estavam fazendo um fanzine, montando bandas, criando selos e lançando seus próprios singles na maior cara dura.

Foi nesse contexto que surgiram selos seminais como Sub Pop, K, Popllama e C/Z Records.

No meio de toda aquela efervescência underground, começaram a surgir algumas bandas com sons bem peculiares.

Uma das primeiras foi o Green River, que é hoje considerada a clássica banda grunge por excelência.

Eles faziam uma mistura barulhenta de hard rock fortemente influenciado pelo Black Sabbath com uma estética e atitude punk e umas pitadas de hardcore californiano.

Basicamente, o objetivo era soar pesado, agressivo e barulhento.

Teoricamente, o que se começou a fazer de diferente foi inverter a escala de notas das canções dos Sex Pistols e a dar um ar mais compassado, mais “sabbathiano” por assim dizer.

Foi essa sonoridade que veio a ser chamada de “grunge”, coisa que na época ninguém pensava em nomear.

O primeiro registro desse tipo de som foi a coletânea “Deep Six”, lançada pela C/Z Records, em 1986, com Green River, The Melvins, Soundgarden, Skin Yard, Malfunkshun e U-Men.


Perto de Seattle, em Olympia, havia um sujeito chamado Bruce Pavitt, que editava por conta própria um fanzine e lançava coletâneas de bandas locais em fitas K-7.

Após lançar nove zines e três cassetes, Bruce se mudou para Seattle, empolgado com o que estava acontecendo por lá.

Rapidamente, ele reúne algumas bandas locais e lança, em 1986, o primeiro disco da Sub Pop, “Sub Pop 100”, que teve uma boa repercussão entre os adolescentes da cidade.

Enfrentando uma crise financeira meio braba, Bruce Pavitt reencontra num boteco o seu velho amigo Kim Thayil, agora guitarrista de uma banda chamada Soundgarden, que lhe aconselha a tornar-se sócio de Jonathan Poneman, um DJ que tinha o seu próprio programa de rádio, vivia montado na grana e estava querendo produzir o primeiro disco do Soundgarden.

Foi então que Jon e Bruce juntaram forças, se tornaram sócios, e a Sub Pop Records passou e existir, realmente, como uma gravadora.

Os dois primeiros EPs lançados pela Sun Pop foram “Dry As A Bone”, do Green River, e “Screaming Life”, do Soundgarden, ambos em 1987.

Diante de uma identidade musical se desenvolvendo na região, a Sub Pop começou com o seu projeto de dominação mundial, contratando todas as bandas que estavam fazendo o “peculiar som” de Seattle.

A partir de 1988, bandas de várias cidades da região, especialmente das cidades mais próximas como Tacoma, Olympia, Ellensburg e Aberdeen, começaram a migrar para Seattle, que era onde as coisas estavam acontecendo.

Até o fim do ano, a Sub Pop já tinha lançado bandas como Blood Circus, Soundgarden, Mudhoney, Tad e Nirvana, que estreou no selo gravando “Love Buzz”, improvável cover de uma banda holandesa dos anos 60, Shocking Blues (mais conhecida pelo hit “Venus”).

O grande golpe promocional de Pavitt surgiu poucos meses depois, quando trouxe o jornalista inglês Andy Collin, do influente semanário Melody Maker, para conhecer pessoalmente o efervescente rock & roll do noroeste norte-americano.

A reportagem resultante - intitulada “Seattle Rock City” – foi publicada em março de 1989 e obteve a reação desejada, tanto que, rapidamente, as bandas da Sub Pop começaram a fazer as suas primeiras turnês pela Europa e tiveram seus singles e álbuns distribuídos por lá.

Do Noroeste para Seattle, de Seattle para a Europa, da Europa para o mundo!

Até os próprios norte-americanos só perceberam o que estava acontecendo quando ouviram o single “Touch Me, I’m Sick”, do Mudhoney.

E a Sub Pop achou as suas galinhas dos ovos de ouro.

O que se diz a respeito da gravadora é que ela foi não apenas astuta em explorar a identidade do rock local como também criativa, ao escolher um determinado tipo de banda que tivesse um determinado tipo de som para fazer parte do seu cast.

É interessante notar que isso ainda não era o “grunge”.

Muitas das bandas que estouraram local e nacionalmente nessa época, só se tornaram conhecidas mundialmente depois do Nirvana.

Na verdade, quando chegou o início da nova década todo mundo achou que o “hype” havia se esgotado e que Seattle e suas vizinhas voltariam às suas vidas sossegadas de sempre.

Até 1990, poucas bandas de Seattle – ao menos no período Sub Pop – haviam conseguido contratos com as grandes gravadoras: Soundgarden, que cedeu aos galanteios da A&M em 89, Alice in Chains, que fez seu próprio caminho, a partir de 87, assinando com a Columbia, e o Screaming Trees, que de “grunge” nunca teve nada e assinou com a Epic.

O resto continuava indie, underground e desconhecida (pelo menos mundialmente).

Mas eis que nesse ano, o Sonic Youth, de Nova York – que já havia aberto caminho do underground para o mainstream e assinado com a DGC –, aconselha a sua gravadora a assinar contrato com uma banda da Sub Pop, que Thurston Moore e Kim Gordon consideravam muito boa: o Nirvana.

Antes de batizar o som furioso das bandas de Seattle, grunge era uma palavra pouco utilizada na língua inglesa para se referir à sujeira acumulada nas roupas quando usadas repetidamente – algo como o nosso popular “encardido”.

O rótulo traduzia a “sujeira” no som das guitarras, saturadas na potência máxima dos amplificadores, abusando de efeitos como microfonia e distorção.

Ao alcançar o status de megafenômeno cultural, o grunge foi dissecado e analisado como uma fusão de heavy metal e punk, casamento já promovido pelas bandas hardcore dos anos 80.

A influência das mesmas bandas americanas que, no final dos anos 60, anteciparam o punk rock – como os Stooges e MC5 – era mais que evidente, mas o grunge também afirmava abertamente sua filiação ao chamado rock alternativo de grupos como Sonic Youth, Pixies, Hüsker Dü e Replacement.

Em comum entre eles, a guitarra como instrumento básico e a recusa a aderir ao sistema e às paradas de sucesso, mantendo-se à margem da grande indústria musical.

O que os moleques de Seattle não sabiam é que eles estavam fazendo uma revolução estética e musical que tomou de assalto o início dos anos 90.


O grunge, com suas indefectíveis camisas de flanela, calças puídas e cabelos desgrenhados, era o que havia de mais empolgante, novo e, principalmente, ruidoso na época.

O impacto foi tão grande que o gênero influenciou desde a moda até as regras mercadológicas mais engessadas – tocando basicamente punk rock, o Nirvana desbancou o pop de Michael Jackson nas paradas da Billboard.

Só os marcianos não notaram.

O vocalista Mark Arm foi um dos responsáveis pelo surgimento da revolução.

Nos anos 80, ele formou com o amigo de escola e guitarrista Steve Turner, o Green River (grupo gênese que trazia em sua formação Stone Gossard e Jeff Ament, que mais tarde iriam para o Pearl Jam).

Os garotos amavam os riffs fantasmagóricos do Black Sabbath, mas as limitações técnicas os aproximavam mais dos três acordes dos Ramones.

Mais tarde, com a saída dos futuros companheiros de Eddie Vedder, a dupla Arm e Turner recrutou o baixista Matt Lukin e o baterista Dan Peters e, inspirados pelo filme “Mudhoney” (1965), de Russ Meyer, os músicos do Green River passaram a atender por um novo nome.

Em 1988, o grupo saiu de um estúdio barato com o single “Touch Me I’m Sick”, indiscutivelmente o primeiro grande hino grunge (“Smells Like Teen Spirit” só apareceria em 1991).

Nessa toada, invadem as college radios e assinam contrato com a gravadora-símbolo do gênero, a lendária Sub Pop, de Bruce Pavitt e Jonathan Ponemann.

Não por acaso, o álbum de estréia, “Superfuzz Bigmuff”, estoura na parada alternativa inglesa.

Apesar do pioneirismo grunge e do respeito que o grupo conquistou em anos de serviços prestados ao underground, o Mudhoney nunca teve o sucesso comercial dos conterrâneos Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains.

“Nós nunca nos preocupamos com isso. Bandas clássicas como The Stooges, 13th Floor Elevators e Blue Cheer nunca foram grandes vendedoras de disco”, explica Mark Arm. “Me sinto confortável nesse sentido. Temos fãs em vários lugares do mundo e, mesmo assim, somos livres o bastante para não levar nada a sério. Não gosto de pressões da indústria e quero mesmo é me divertir com a história toda”, diz ele, com o bom humor que faltou ao amigo Kurt Cobain.

Mas o ouvinte que perdeu a chance de ouvir com atenção a música furiosa do Mudhoney agora tem uma chance dupla: o mítico selo do grunge, o Sub Pop, lançou “March To Fuzz”, um álbum duplo que reúne o melhor da carreira do Mudhoney e também uma coleção com 30 raridades e lados B da banda.

Entre as raridades está a primeira gravação do grupo, “Twenty Four”, produzida por Jack Endino.

Entre as melhores está a canção que Steve Turner considera a sua faixa perfeita, “Suck You Dry”.

Singles das primeiras fases, como “Touch Me I’m Sick” e “In ‘N’ Out Of Grace” fazem parte da coleção.

Há também covers, como “Pump It Up”, de Elvis Costello, e “Over The Top”, do Motorhead.

São ao todo 52 canções do grupo, com uma edição primorosa, que inclui notas e comentários dos integrantes do grupo sobre cada composição.

Mas, conforme diz a lenda grunge, ouve um momento em 1991 em que o planeta rock mudou.

Aconteceu durante o verão daquele ano, quando uma canção chamada “Smells Like Teen Spirit” foi lançada por uma, então desconhecida, banda residente em Seattle, chamada Nirvana.

A partir do momento em que os riffs recortados e letras furiosas começaram a preencher o ar, ficou muito claro para qualquer um que tivesse orelhas que uma nova era do rock’n’roll havia começado.

O hard rock alternativo acabara de chegar e o Nirvana era o seu mensageiro.

No som e na atitude, o Nirvana era diferente de tudo que a sociedade mainstream do rock jamais tinha escutado.

Enquanto eles chafurdavam no rock underground durante três anos, lançaram dois discos pelo selo independente de Seattle, Sub Pop.

Mas, uma vez que assinaram com a gigante Geffen Records parece que o Nirvana instantaneamente acertou o caminho para o mundo mainstream.

Sem sacrificar nada do seu charme e som latente, o vocalista e guitarrista Kurt Cobain, o baixista Chris Novoselic e o baterista Dave Grohl se transformaram em um grupo destinado a destruir o status do rock e introduzir as massas apreciadoras deste ritmo em um som cheio de sentimentos, que em parte vinha da sensibilidade crua do punk e em parte do tradicionalismo do hard rock.

“Nós vamos para o palco e tocamos”, disse Cobain em 1992. “Se estivermos desafinados, está tudo bem. Se eu não me lembrar das letras, está tudo bem também. As pessoas que vem ao show parecem gostar dele, não importa o que façamos. Contanto que haja um feeling no lugar, nós estamos felizes”.

Às vezes, parecia que o Nirvana tinha inventado o feeling que se tornou “o som do começo dos anos 90”.

Junto com outras bandas de sua cidade, como Pearl Jam, Soundgarden e Alice In Chains, o Nirvana ajudou a introduzir o que passou a ser popularmente conhecido como Grunge Rock Movement – um termo que apenas algumas bandas envolvidas na cena gostavam ou sequer compreendiam.

Para o Nirvana, tudo o que eles estavam fazendo era continuar uma nobre tradição do rock underground.

A música deles estava baseada em uma energia selvagem trazida por duas gerações de bandas pouco apreciadas como o Black Flag, Melvins e Meat Puppets, todos grupos que influenciaram diretamente no artista que se transformou em compositor, Kurt Cobain.

Foi o vocalista predominantemente louro, perpetuamente pálido e magro que se tornou a cara mais reconhecida de toda a cena de Seattle.

As fortes paixões que vinham de sua canções, as quais revelavam problemas instalados em sua alma, pareciam falar para uma igualmente problemática geração, da qual muitos estavam procurando por alguém que colocasse todos os seus medos, raivas e frustrações em canções.

Em Cobain eles encontraram seu santo patrono.

“Kurt foi uma das pessoas com mais dom que eu já encontrei”, disse Dave Grohl. “Desde o momento em que o conheci, que foi depois do Nirvana já estar junto por algum tempo, eu senti que ele era diferente de todo mundo que conheci até então. Mas seus problemas, as coisas que faziam com que as canções tivessem tanto sentimento, também foram a sua destruição. Ele realmente não podia competir com o mundo. O estrelato era a última coisa que ele queria. Eu realmente penso que Kurt teria sido muito mais feliz se ele tivesse feito música sozinho no meio do mato. Ele jamais esteve preparado para dar de cara com o clarão das luzes do holofote público”.

De fato, parecia que, assim que o primeiro disco do Nirvana lançado por uma grande gravadora, “Nevermind”, chegou ao topo das paradas, as histórias que falavam sobre os problemas de saúde, com drogas e dificuldades emocionais de Kurt começaram a preencher a cena do rock.

Chegou a um ponto em que as histórias quase foram esquecidas, como se tivessem sido inventadas pela imaginação superativa de alguns publicitários.

Infelizmente, todas aquelas histórias provaram ser verdadeiras.

Enquanto a fama do Nirvana continuou subindo como um foguete – com o lançamento de seu novo álbum, “In Útero”, com o casamento lucrativo de Kurt Cobain com a rainha-brega do rock, Courtney Love, e com suas turnês de ingressos esgotados – a saúde do cantor continuou a deteriorar.

Por um lado, seus tão falados problemas só serviram para aumentar sua mágica.

Ele era o modelo perfeito para os anos 90, uma talentosa e problemática alma vivendo à beira de um desastre pessoal.

Faltava só uma centelha para transformar Cobain de ícone cultural em Deus do rock e, em abril de 1994, esta centelha aconteceu.

O vocalista foi encontrado morto em sua casa de Seattle, vítima de um tiro na cabeça disparado por ele mesmo.


Durante meses o mundo do rock lamentou.

Cobain foi rapidamente aclamado como o símbolo de seu tempo e, talvez injustamente, considerado o John Lennon de sua geração.

Embora tenha sido um compositor de primeira e um emotivo e poderoso músico, devemos considerar se as contribuições dadas por Kurt ao mundo do rock serão lembradas mais pelas suas canções do que pelo final sangrento de sua vida.

Parece ainda que, sem dúvida, os esforços de Cobain ajudaram a revitalizar o mundo do rock e colocá-lo de volta no caminho certo quando ele mais precisava.

Em um tempo no qual todas as bandas pareciam estar se tornando sintéticas, tatuadas, bem ao estilo de L.A., cheias de heavy metal descafeinado e bad boys violentos, os esforços de Cobain nos ajudaram a lembrar como o rock’n’roll deveria ser.

Seus versos introspectivos e muito pessoais convenceram um gasto cenário do rock a acreditar novamente em si mesmo.

De qualquer forma, para um grupo que fez sua fama no palco, nada mais justo que um legado de seus melhores desempenhos no palco.

É isso que pretende ser o disco “From The Muddy Banks Of The Wishkah”, compilação do Nirvana que reúne performances realizadas entre 1989 (ano do lançamento de “Bleach”, primeiro disco da banda) e 1994 (ano da morte de Kurt Cobain).

O nome faz referência ao rio Wishkah, que corta a cidade de Aberdeen, em Washington, onde Cobain e Novoselic cresceram.

Mas, apesar da boa vontade, “From The Muddy Banks Of The Wishkah” não consegue deslanchar.

Ele não parece um disco ao vivo, tão simétrico nos registros e na gravação – resultado da mixagem de um certo Andy Wallace (o mesmo produtor de “Nevermind”, execrado por Kurt Cobain).

O hit “Smells Like Teen Spirit”, gravada num show na Califórnia em dezembro de 1991, tem um publicozinho fake aplaudindo no final, tipo claque de programa de auditório.

Não é diferente de outra compilação do Nirvana, o que não quer dizer que seja desaconselhável.

Não basta terem colocado as cinzas de Kurt Cobain dentro de um ursinho de pelúcia.

Agora querem também legitimar a provável “atitude elétrica” de Cobain nos palcos, quando na verdade o vocalista e guitarrista ultrapassou esse papel.

Basta ver o que ele fez no “MTV Unplugged” para saber que Cobain tinha total consciência do que representava musicalmente o Nirvana.

Ele introduziu uma certa concepção de “shadows and light” no seu som, algo que explodia com a guitarra e depois se recolhia para dentro, abrindo para o baixo, criando um efeito devastador.

De qualquer forma, há momentos interessantes no disco.

A música “Sliver”, gravada em Springfield, Massachusetts, em novembro de 1993, reapresenta Cobain como um Morrison cortado de gilete, à beira de um ataque de nervos.

Nessa, não há a mixagem asséptica de Wallace.

A música “Spank Thru”, gravado em Roma, é um testamento da estética do Nirvana: a mistura certa de fogo e ruína.

Com o fim do Nirvana, boa parte dos antigos fãs da banda passou a tratar o guitarrista Dave Grohl como uma espécie de reserva moral do grunge.


Quando ele surgiu com o disco que lançava sua nova banda, Foo Fighters, era como se o Nirvana estivesse gerando um herdeiro sanguíneo – e o Foo Fighters começou pegando pesado.

Mais tarde, com o disco “There Is Nothing Left To Lose” (BMG), Grohl pôde preparar-se para enfrentar a fúria dos antigos admiradores.

Ele perpetrou um trabalho soft, produzindo um subgênero que pode criar desconfiança, o grunge pop.

Dave Grohl conta que o trabalho anterior, “The Colour And The Shape”, foi organizado demais, planejado demais, com as canções escritas antes de entrar em estúdio.

No terceiro disco, a improvisação é a marca.

“Nós estávamos totalmente despreparados”, afirma Grohl. “Mas isso não é ciência aeroespacial e você sabe quando uma canção encontra um bom lugar para se ajeitar”, diz.

O disco não denuncia essa marca de improvisação.

É redondamente pop, calculadamente melódico, apesar dos vocais ásperos e do tom um pouquinho mais alto.

Grohl o gravou em algumas semanas em seu estúdio caseiro na Virgínia, onde se refugia da loucura californiana.

Seus parceiros eram apenas dois: o baixista Nate Mendel e o baterista Taylor Hawkins (a banda agora tem também o guitarrista punk Chris Shiflett, no lugar de Pat Smear).

“É o que acontece quando você ouve muito daquele som dos anos 70, tipo Fleetwood Mac, enquanto está gravando”, brinca Grohl.

Ele não está nem um pouco preocupado com as opiniões.

Quem ouve “Aurora” pensa que é realmente brincadeira tudo isso.

É Grohl brincando de Paul McCartney.

Quem ouve “Live-In Skin” crê que está diante de uma versão emburrada dos Beach Boys.

Quem escuta “Next Year” pode imaginar que é mais uma do Lemonheads.

“Você sabe que algo está errado com essa coisa quando vê pessoas que conhece caminhando num tapete vermelho na festa dos Emmys e conversando com Joan Rivers”, ironiza Grohl.

Sorry, man, mas você não está muito longe disso...

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