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sexta-feira, outubro 28, 2011

Exposição em Paris traz retrospectiva da carreira de Sempé


De seu apartamento em Paris, o cartunista Jean-Jacques Sempé olha para os telhados da cidade.

É um lugar apropriado para um homem que prefere olhar para o mundo com visão ampla.

Mas, como revela uma nova mostra de sua obra em Paris, são os detalhes de close-up de seus desenhos, o tipo de coisa que se leva um momento para observar, que captam a essência de seus temas e ironizam a vaidade da natureza humana.

Aos 79 anos, Sempé é conhecido na França e fora do país por seu personagem irreverente dos anos 1950 “Le Petit Nicholas” (O Pequeno Nicolau), criado em conjunto com René Goscinny, autor de “Asterix”.


Mas são suas paisagens urbanas panorâmicas, desenhadas desde um ponto elevado e com um toque suavemente irônico, que fizeram sua reputação internacional, fazendo dele presença regular nas capas da New Yorker, da Paris Match e do L’Express.

Em um desenho, o espectador olha para uma esquina parisiense típica – um edifício grandioso do século 19, com café no térreo, completo com toldo sobre a rua.

Mas, à medida que o olhar vai descendo, chega a dois ônibus que colidiram na rua, e, na linha de baixo do desenho, às cabeças agitadas de dezenas de passageiros irados que desceram dos veículos para discutir de quem foi a culpa do acidente.

A cena revela muito sobre um país onde ser “do contra” é quase um esporte nacional.

Mas a visão do alto deixa você sorrindo diante da inutilidade de tudo isso.


“O trabalho de Sempé nos lembra sempre da condição humana”, disse Marc Lecarpentier, curador de “Un peu de Paris et d’ailleurs” (Um pouco de Paris e alhures), retrospectiva da carreira de seis décadas do artista francês, que abriu na sexta-feira na sede da prefeitura parisiense.

“Somos todos tão pequenos. Tentamos nos impor, ou somos vaidosos. Sempé vem nos lembrar que vamos todos morrer algum dia, então mais vale olhar para o lado positivo das coisas, em lugar de sermos mesquinhos”, disse o curador à Reuters.

A mostra, que ficará até 11 de fevereiro, inclui 300 desenhos originais da carreira de Sempé, que já produziu milhares de cartuns e mais de 40 álbuns traduzidos para 25 idiomas.

Em um de seus cartuns de temática americana, o espectador vê um horizonte urbano impressionante de grandes edifícios residenciais sob uma linda lua cheia.

Mas, ao olhar mais de perto, vê que cada uma das centenas de janelas quadradas contém um casal desenhado em poucas linhas, que olha fixamente para o mesmo televisor preto.


“Algumas pessoas enxergam o absurdo da humanidade. Algumas veem a filosofia metafísica de Immanuel Kant. Outras enxergam a relação entre espaço e tempo”, disse Lecarpentier.

É muito difícil fazer um comentário sobre Sempé.

O cartunista nasceu em Bordeaux em 17 de agosto de 1932 e trabalhou como vendedor de pasta de dente e aprendiz no comércio de vinho antes de publicar seus primeiros desenhos, em 1950.

Ao longo dessas últimas décadas, sempre fazendo seus desenhos de forma artesanal, à mão (nunca adotou o computador), Jean-Jacques Sempé se tornou uma instituição de seu país tão admirada quanto um Charles Aznavour, um Serge Gainsbourg, uma Brigitte Bardot.

No final dos anos 1970, chegou até o seleto mundo dos cartunistas americanos, desenhando capas e cartuns para a New Yorker.


“Sempé é um talento ímpar. Combina a sofisticação de (Saul) Steinberg, o olhar certeiro de (James Grover) Thurber e o senso de luz e cor de um mestre da pintura”, escreveu um redator da prestigiosa revista sobre o artista.

Sempé começou na profissão aos 18 anos, e logo desenhava para Paris Match, Punch e L’Express.

Nos anos 1950, estourou com O Pequeno Nicolau, feito em parceria com seu mestre René Goscinny, que inicialmente usava um pseudônimo, Agostini (curiosamente, nome de um dos pioneiros dos quadrinhos no mundo todo, o brasileiro Ângelo Agostini).

Há alguns anos, Sempé teve um derrame e evita viajar para muito longe, mas continua criando.

Hoje em dia, seus trabalhos são publicados na França pela Éditions Denöel, e um dos livrinhos mais recentes de sua autoria é Par Avion (2008).


Sempé diz que não parte de ideias preconcebidas para forjar seus personagens.

Apenas não admite que eles sejam demasiado didáticos, ou que não sejam capazes de transportar alguma poesia em seu trajeto.

O que chamam de “leveza” em seu traço, ele pondera, pode ser a busca de uma certa pureza.

“Não são meus personagens que ficam pequeninos, é o mundo que se tornou grande demais”, analisa o artista.


Essa entrevista com o cartunista foi feita pelo jornalista Jotabê Medeiros:

O que o sr. acha de Marcelino Pedregulho ser publicado no Brasil depois de 40 anos de sua criação?

Estou muito contente. Marcelino é uma história que se contrapõe ao discurso racista, que parte do debate sobre a aceitação das diferenças. Quando eu fiz o livro, não pensei nessa questão de se é para crianças ou para adultos. Não faço essa diferenciação.

Como o sr. se define? Pode-se dizer que é um escritor que escreve com desenhos?

Sou um desenhista que é, forçosamente, muito ligado à literatura. Então, considero o que faço como uma mistura das duas formas, e meu ponto de partida é sempre a minha própria vida, o meu próprio cotidiano.

O sr. disse de si mesmo, certa vez, que é um preguiçoso. Mas produziu compulsivamente nos últimos anos. Como explica esse paradoxo?

Mas não é justamente essa a característica de todos os preguiçosos, trabalhar enormemente? Como eu não me organizo muito bem, produzo de forma compulsiva para às vezes fazer o mesmo trabalho. Desenho o mesmo desenho obsessivamente, às vezes durante anos, como um psicanalista que fica mudando o divã de lugar, tentando ver que efeito essa mudança terá no comportamento de seus pacientes. Levei quatro anos para finalizar Marcelino Pedregulho.


O sr. poderia dizer que seus livros têm um forte componente político?

Sim, meus livros são políticos, na medida em que são uma reflexão pessoal. Mostrar o interior, a angústia e as divisões de uma pessoa são uma ação política. Eu sou muito próximo dos meus personagens, eles são facetas de mim, pedaços de minha personalidade.

Em que medida Marcelino Pedregulho é inspirado no senhor mesmo?

Quando criança, eu era gago. Tinha essa enfermidade da dicção, que eu resolvi com o tempo. Mas era bastante desagradável , na época, o jeito como as pessoas se portavam em face daquela diferença, o isolamento que isso trazia. Marcelino Pedregulho é uma história contada a partir do ponto de vista dos que são diferentes. É , por isso, uma metáfora que serve para o racismo, por exemplo.

O sr. começou desenhando para órgãos da grande imprensa, coisa que faz até hoje. Acha que a imprensa escrita está mesmo morrendo?

Não penso assim. Creio que todo dia, durante muitos anos ainda, as pessoas vão precisar ler um jornal pela manhã. A vantagem do jornal, do livro e da revista é que você os transporta com você. Eles se moldam à sua rotina, ao seu dia a dia. É a diferença ainda entre carregar um piano e um pequeno instrumento. Carregar o piano pode deixá-lo extenuado, é melhor você levar um pequeno tambor para fazer o seu tum-tum. Algo que você pode deixar depois em qualquer lugar.


O sr. viu o filme sobre o livro O Pequeno Nicolau?

Sim, eu já o vi. Se eu disser para você que gostei, vou ser impreciso. Se falar para você que não gostei, também não estarei dizendo a verdade. Então, eu prefiro esperar para ver o que dirão desse filme os leitores que se acostumaram com as histórias do Pequeno Nicolau ao longo desses anos.

E o seu parceiro no livro, René Goscinny, o que diria do filme?

Bom, ele não está mais entre nós, não me permito dar uma opinião no lugar dele.

O cartunista argentino Quino disse, sobre o seu desenho, que não faz rir da primeira vez que o vemos, mas vai nos conquistando aos poucos. O sr. concorda?

Conheço Quino, conheço a Mafalda. O trabalho dele é muito agradável, muito simpático, muito irônico. Se Quino diz isso, deve estar com a razão. Ele entende como poucos do desenho.

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