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sábado, maio 25, 2013

Bricolagens dadaístas


Em meados dos anos 80, provavelmente de saco cheio de ser rotulado de poeta marginal, Nicolas Behr publicou um texto intitulado “Poeta marginal? Eu, hein?” e me enviou uma cópia:

não nasci em montes claros. não tenho nome completo. não sou professor. não consegui conciliar nada com a literatura. nunca publiquei nada. atualmente não resido em porto alegre. não me chamo eduardo veiga. não escrevo poesia há mais de 15 anos. não estou organizando meu primeiro livro. não sou graduado em letras. não acredito que a poesia seja necessária. não estou concluindo nenhum curso de pedagogia. não colaboro em nenhum suplemento literário. não estou presente em todos os movimentos culturais da minha terra. não sou membro da academia goiana de letras. não trabalho como assessor cultural da sec. meus pais não foram ligados ao cinema. não tenho tema preferido. não comecei a fazer teatro aos 12 anos. não me especializei em literatura hispano-americana. não tenho crônicas publicadas n’o republica de lisboa. não passei minha infância em pindamonhangaba. não canto a esperança. não recebi nenhuma premiação em concurso de prosa e poesia. não tenho sete livros inéditos. não sou considerado um dos maiores poetas brasileiros. nunca fui convidado para dar palestras em universidades. não vejo poesia em tudo. não faço parte do grupo noigrandes. não me interesso por literatura infantil. não sou casado com o poeta afonso ávila. na minha estreia não recebi o prêmio estadual de poesia. o crítico josé batista nunca disse nada a meu respeito. não sofri influência de bilac. não sou ativo, nem dinâmico. não me dedico com afinco à pecuária. não sou portador de vasto curriculum. não recebi menção honrosa no concurso de poesia ferreira gullar. não exerço nenhuma atividade docente, nem decente. não iniciei minha carreira literária no exército. não fui a primeira mulher eleita para a academia acreana de letras. não tenho poesias traduzidas para o francês. não estou incluído numa antologia a ser publicada no méxico. minha poesia não é corajosa. não gosto de arqueologia. walmir ayalla nunca me considerou um revolucionário. nunca tentei compreender o homem na sua totalidade. não vim para o brasil com 5 anos de idade. não aprendi russo para ler maiakowski. meu pai não é chileno. não sou virgem, sou capricórnio. não sou mãe de seis filhos. nunca escrevi contos. não me responsabilizo pelos poemas que assino. não sou irônico. não considero drummond o maior poeta da língua portuguesa. não gosto de andar de bicicleta. não sou chato. não sei em que ano aconteceu a semana de 22. não imito ninguém. não gosto de rock. não sou primo dos irmãos campos. não sou nem quero ser crítico literário. nunca me elogiaram. nunca me acusaram de plágio. não te amo mais. minha poesia nunca veiculou nada. não sei o que vocês querem de mim. não espero publicar nenhum romance. não sou lírico. não tenho fogo. não escrevi isto que vocês estão lendo.


Em abril de 1986, fiz um pastiche do texto dele intitulado “Revolucionário, eu?... Nem pensar”, dedicado ao próprio Nicolas Behr, cheio de chavões da chamada esquerda democrática.

O texto foi publicado no Suplemento JC e enviei um exemplar do jornal pra ele.

Nicolas Behr morreu de rir. Curtam:

não sou filho de um líder operário morto nas dependências do doi-codi. minha mãe não se chamava olga benário nem foi entregue à gestapo quando eu tinha oito meses de idade. não fui expulso do seminário aos 14 anos por estar lendo livros marxistas. minha primeira experiência sexual não foi com uma conhecida líder estudantil. não tive na universidade um amigo pederasta que era ligado ao partidão. nunca fui preso por estar pintando nos muros abaixo a ditadura!. nunca participei de assalto a bancos, mesmo aos escolares. não tive uma noiva morta na guerrilha do araguaia. nunca fui casado com a comandante tânia. não tenho um casal de filhos nascidos na argélia. a onu jamais me deu o status de refugiado. não fui condecorado pelo marechal tito. não me candidatei voluntariamente a cortar cana de açúcar em cuba. nunca fui porteiro de sauna gay em estocolmo. não sei em que albânia fica tirana. não sei o nome completo do atual tirano da albânia. não assinei o manifesto dos intelectuais contra o boicote econômico à nicarágua. não fui cassado em 64. não fui preso no congresso da une, em ibiúna. em 68 eu mal sabia fazer direito um 69. não fui trocado por um embaixador suíço em 70. não fiz curso de sociologia em sorbonne. nem em nanterre. não fui torturado pelo delegado fleury. não tentei o suicídio pela quinta vez. não escrevi um livro de memórias sobre meus tempos de banido. nem de bandido. não descobri minha porção mulher. nunca bati papo com jean paul sartre e simone de beauvior. não participei de uma sessão de bed in com yoko ono. timothy leary nunca frequentou a minha casa. nunca desbundei ou dei a dita cuja. nunca fiz passeata com as feministas francesas pelo direito ao orgasmo. sempre confundi orgasmo com ovas de esturjão. a mercedes sosa não é meu tipo inesquecível de mulher. não sou fanático pelos poemas de agostinho neto. não participei da revolução cultural maoísta. não sou o quinto membro do “bando dos quatro”. nunca li luckás no original. não estava no chile quando mataram allende. não me refugiei na embaixada mexicana quando depuseram isabelita perón. não atravessei ilegalmente a fronteira do paraguai. não participei da quinta jornada de resistência latino-americana em copenhague. não sou colaborador dos cuadernos del tercero mundo. nunca li a revolução dos bichos, de orwell. nem a revolução das bichas, de clodovil. não sei quem escreveu o manifesto comunista de marx. nunca soube como fizemos a revolução de trotsky. sempre confundi trotsky com uma marca de aguardente feita no interior de pernambuco. não sei onde nasceu rosa de luxemburgo. minha tese de doutorado não foi sobre a acumulação da mais-valia em países periféricos – uma introdução ao pensamento de althusser. não participei de nenhum festival da juventude, em moscou. nunca usei nas paredes um pôster de che guevara. não tenho nenhum amigo tupamaro, nem mesmo montonero. sempre achei que montonero fosse nome de condutor de trem. não li o capital aos onze anos de idade. nunca votei no pt. nenhum organismo internacional já me prestou solidariedade. eu também não presto, quer dizer, nunca prestei. não assisti o encouraçado pothekin em um apartamento clandestino. não sei que diabo é kurosawa. não acho a poesia do thiago de mello comprometida com a minha vida. nem com a tua. não tenho telefone grampeado pelo sni. nunca incendiei uma embaixada americana. não li as obras completas de lênin em edição bilíngue. não traduzi do alemão o pensamento vivo de herbert marcuse. não tenho a menor ideia do que seja teatro do oprimido. nunca fui apresentado a daniel ortega. não sou citado no último livro de régis debray. não fui convidado para os funerais de chernenko. não tive nenhum caso amoroso com a ativista joan baez. não estou comprometido com a candidatura amazonino mendes. fidel castro jamais me convidou para ser jurado do concurso casa de las americas. não sou filiado ao sindicato polonês solidarnosc. não sei quem é manuel ribeiro. não me encham o saco!

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