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quarta-feira, maio 29, 2013

Don Drapper não pede pra sair


Bill Barrol, da The New Yorker para o Candiru
(Tradução livre de Sérgio Jotaerre)

Pense no lar. Um lar é apenas um “lugar”? Não. Lar é uma caixa que você preenche com memórias, com aspirações. Mas o lar também é uma memória, uma aspiração. É um sentimento. E sentimentos não são estáticos. Sentimentos se movem. Você passa por sentimentos. Ou sentimentos passam por você?

Certo, Don. Mas o que eu te perguntei foi: quando é que você vai pra casa? Digo, daqui a pouco? Quer dizer, você tem uma casa, certo?

Algumas pessoas têm casas. Mas a  casa de todas as pessoas as tem. Elas a carregam em si e a mantém trancada. Casa é um lugar no coração.

Porra, Don, a gente realmente não vai chegar a lugar nenhum com isso. Olha, eu saquei que você teve uma infância, digamos, difícil e as coisas nem sempre... Putz, essa não: tá olhando o vazio de novo!

[Um passado com filtro fog, em tons ocres. Mulheres de camisola numa América rural, à la Faulkner. Um sujeito rude que está sempre com raiva por algum motivo. Raivas súbitas, que explodem em violência. Um meninote que vai crescer e se tornar um boa-pinta espada-matador. Um barulho que se transforma em outro ruído.]

Ei! Estou falando com você! Você disse que precisava de um lugar pra dormir e eu fiquei feliz em te ajudar, mas já faz seis temporadas e eu realmente preciso do meu sofá de volta.

Sofás. Um sofá é uma coisa para nos acomodar. Mas as coisas se acomodam. Palavras, frases, gestos. Eles se acomodam na linguagem, para ocultar, ou disfarçar. Você pode se deitar num sofá. Mas também pode deitar uma mentira num sofá.

Don, negócio é o seguinte: eu preciso do meu sofá de volta, OK? E se você não for embora, e aí? Quer dizer, sei lá, eu é que vou ter que sair de casa?

Você sai quando eu disser para sair. Deite-se no chão.

Como é que é?

Um chão. Uma criança brinca. O que é uma criança, se não a personificação da possibilidade? Incline a cabeça e este chão se torna uma parede. Plante bananeira e ele se torna um teto. Cada piso contém em si a possibilidade de cada teto, sem limites ou preconceitos, seja em azulejo ou carpete. Monsanto.

OK, dessa vez eu não entendi patavinas do que você disse. Mas deixa pra lá. Você tem que ir, meu chapa. Ou quer que eu chame a polícia?

Estou dirigindo.

... O quê?

Uma estrada no escuro. Os faróis dos carros que passam projetam feixes de luz em minhas tão  fatigadas retinas. Sintonizo no autorrádio a trilha sonora de um mundo que se aproxima mais rapidamente do que eu posso entender, um mundo que ameaça destruir o meu próprio mundo. O padrão de luzes sobre minhas bochechas muda de forma sutil. Olho no retrovisor e vejo as luzes vermelhas da viatura.

Para com essa merda! Chega! Chega!

Sentimentos passam... Você passa por sentimentos... Ou sentimentos passam por você?

Você já disse isso...

Eu vou e volto no tempo.

Tudo bem, taqui o seu chapéu. Taqui a porta.

Um homem abre uma porta. Uma porta não é uma casa. Mas você não pode ter uma casa sem uma porta. Onde você iria pendurar sua guirlanda de Natal? Natal ...

Não, não. Nana-nina-não! Fim de papo, bicho. Você está saindo agora!

Ou estou ficando? É hora de partir, é hora de chegar, ou de alguma forma, é hora de partir e de chegar ao mesmo tempo? As pessoas dizem que a vida é um círculo. A vida não é um círculo. A vida é uma dupla-hélice. Ela dá voltas sobre si mesma e o futuro se torna o passado, porque quando tudo é possível ninguém está livre .... Chevy?

Sim, eu também tive essa aula de Introdução à Filosofia na faculdade. A diferença é que eu não encho o saco de ninguém por aí com isso. Tchau.

Estou saindo. Estou olhando de volta para a sala. Mas estou vendo você ou alguma visão de...

[Bate a porta] 

Pensei que ele não ia sair nunca. Quem é o próximo?

– Ainda tem aquele anão de Game of Thrones escondido no sótão.

OK, dá mais uma temporada pra ele. E só.

***

(Nota do tradutor: sarros à parte, Mad Men é a melhor série de TV escrita desde Frasier.)

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