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quinta-feira, maio 29, 2014

Grandes Mestres da AMOAL: Mercedes de Acosta y Hernández


Como essa chiquita bacana conquistou algumas das mulheres mais desejadas de sua época

Eric Nepomuceno

“Sou capaz de roubar qualquer mulher de qualquer homem.” A frase, que transborda prepotência, desafio, um certo ar de pretensioso arroubo juvenil, costumava ser dita e redita com seriedade e divertida convicção por alguém que havia tido romances agitados com Marlene Dietrich, Isadora Duncan, a grande atriz russa Alla Nazimova e Adele Astaire, a bela irmã de Fred.

Alguém que tinha alcançado o impossível sonho de meia humanidade: um longo e denso caso de amor com Greta Garbo.

O que mais chama a atenção, porém, não é a vasta e quase insuperável lista. Surpreendente mesmo é saber que a frase foi repetida com a mesma firmeza, ao longo de anos, por Mercedes de Acosta y Hernández. Uma mulher rica, nascida em Nova York, filha de pais espanhóis instalados em Cuba.

Temperamental, culta, extravagante, insinuante, ela era descendente dos duques de Alba.

A linhagem, aliás, é outra das peculiaridades daquela mulher miúda, de 1,57 metro de altura, grandes olhos negros, um nariz poderoso, faces amplas, corpo compacto, que dizia com certa nostalgia: “Eu amei Greta Garbo.”

É que, séculos antes, uma duquesa de Alba havia sido a grande protetora de Goya, e modelo de dois quadros que marcaram época na história da pintura: “La Maja Vestida” e “La Maja Desnuda”.

A ancestral de Mercedes de Acosta y Hernández chocou nobrezas de várias cortes ao se deixar retratar bela e ora vestida, ora nua, pelo pintor.

Mercedes causava impacto pelo seu atrevimento, sua maneira de usar os cabelos curtos, penteados na melhor linha Rodolfo Valentino, com rotundas quantidades de brilhantina, vestida sempre de negro, coberta por uma capa escura, insinuante.

E, claro, pelos seus intensos amores, às vezes simultâneos, às vezes solitários, às vezes serenos, às vezes fulminantes e fugazes, sempre ávidos, sempre com mulheres belas, ansiosamente desejadas.

Alice B. Toklas, inseparável companheira da escritora Gertrude Stein – as duas formaram um dos mais duradouros casais da história da literatura e das artes dos Estados Unidos –, sabia avaliar mulheres.

É dela a advertência que, no começo dos anos 30, consolidou a imagem daquela imbatível Dom Juan de saias: “É preciso levar muito a sério quem conquistou Greta Garbo e Marlene Dietrich, as duas mulheres mais importantes dos Estados Unidos.”

Na verdade, naquele tempo eram as duas mulheres mais importantes e desejadas do mundo.


Certo dia de 1922, segundo suas memórias, ou de 1924, segundo os biógrafos de Greta Garbo, Mercedes de Acosta estava no saguão do luxuoso hotel Pera Palace, na capital da Turquia, que na época se chamava Constantinopla (sim, é a mesma Istambul de hoje, mas para aquela cena o antigo nome é muito mais sonoro, insinuante, misterioso).

Estava, pois, em Constantinopla, no saguão do hotel favorito de gente como a escritora Agatha Christie ou o pai da Turquia moderna, Kemal Ataturk, quando se sentiu inebriada pela luminosidade fulminante de uma mulher.

“Era belíssima, uma das criaturas mais impressionantes que meus olhos haviam visto. Seus traços e seus movimentos eram tão distintos e aristocráticos que concluí, na mesma hora, que seria uma princesa russa refugiada. Nos dias seguintes encontrei-a várias vezes nas ruas. Eu estava terrivelmente perturbada pelos seus olhos, e desejava acima de tudo falar com ela, mas não tive coragem. Foi penoso sair de Constantinopla sem termos conversado, mas o destino muitas vezes é mais amável do que parece. Ou, talvez, a gente não consiga jamais escapar do destino”, recordaria anos mais tarde.

O destino, amável ou impiedoso, fez com que se passasse um bom tempo até que Mercedes tornasse a encontrar a distante e fugaz deusa de seus devaneios. Aconteceu do outro lado do mundo, em Hollywood, onde ela estava chegando como roteirista de prestígio.

Certa noite do começo de 1931, numa festa na casa de Salka Viertel, em Santa Mônica, onde se reuniam personalidades que formavam algo parecido ao mundo intelectual europeu – sem nenhuma semelhança com “a estupidez, a vulgaridade e o mau gosto que faziam de Hollywood um lugar genuinamente insuportável”, conforme dizia Mercedes –, de repente surgiu Greta Garbo.

“Bastou um aperto de nossas mãos para que eu entendesse que nos conhecíamos desde sempre. Na verdade, desde muitas outras encarnações anteriores”, recordou Mercedes de Acosta.

Foi uma conversa rápida, selada por um gesto definitivo: Greta Garbo elogiou uma pulseira que enfeitava seu braço. Mercedes tirou-a e deu-a de presente à musa de seus sonhos, dizendo: “Comprei pra você, em Berlim.”

Sentiu, naquele exato instante, que havia passado a vida à espera daquela mulher de beleza implacável, olhar distante, voz grave, corpo absoluto. Tudo que havia feito, inclusive comprar a pulseira, tinha sido para que pudesse, em algum momento, cumprir o que o destino traçara para ela. Para que pudesse enfim ocorrer o que havia acabado de acontecer.

Naquela noite Mercedes de Acosta tinha 38 anos. Greta Garbo tinha 26.

Mercedes era um vulcão cheio de histórias incandescentes. Garbo era uma deusa distante e glacial, que abrigava um invisível vulcão na alma. Mercedes começava a cumprir seu difícil, angustiante e inevitável destino de solidão: amar Greta Garbo. Amar o impossível.

Era uma mulher vivida. Aliás, bem vivida. Tinha feito furor na Nova York dos anos 20, alegres e desaforados tempos em que tudo parecia permitido. Até mesmo as coisas proibidas estavam ao alcance da mão, e por isso mesmo eram – certamente – as mais atraentes.

Beber, por exemplo, estava proibido. A homossexualidade também. Resultado: além de centenas de bares clandestinos, havia algumas dezenas de clubes dedicados especialmente a homossexuais, onde pululavam rapazes vestidos de moças e moças vestidas de rapazes.

Bebia-se, amava-se, consumia-se cocaína, dançava-se freneticamente, tudo sempre em grandes quantidades. 

Mercedes de Acosta era estrela de luz própria naquele universo de desvarios. Sua vida era uma busca incessante e frenética de alguma conquista, qualquer conquista.

Em 1917, aos 20 anos, ela descobriu sua capacidade de deixar-se fascinar com rapidez assombrosa por mulheres belas, ousadas, famosas, disputadas por montanhas de homens, inatingíveis – ou quase. 


Teve uma primeira paixão devastadora, sua primeira conquista radical: Isadora Duncan. 

A mais famosa bailarina da época deixou-se pender naquela voragem. 

Era 16 anos mais velha que Mercedes. 


Dançou várias vezes só para ela, e escreveu poemas desaforados. Um deles dizia: “Um corpo delgado, mão suaves e brancas / a serviço da minha delícia.”

Não foi a qualidade literária dos poemas, em todo caso, que pôs um rápido fim ao romance intenso: foi a beleza atordoante da atriz Alla Nazimova, que havia acabado de chegar da Rússia para conquistar a Broadway. 

Mercedes, aliás, foi solidária e generosa com sua primeira paixão: ajudou Isadora a manter seu caríssimo trem de vida até sua morte trágica, asfixiada por uma longa echarpe que ficou presa na roda de um potente Bugatti.

A partir de Isadora Duncan, a torrente incessante de paixões fulminantes passou a fazer parte do cotidiano de Mercedes de Acosta. 


Allan Nazimova foi a dona “dos únicos olhos cor de violeta que conheci na vida”. 

E vieram outras, muitas outras.

Com um detalhe curioso: em 1920, pressionada por sua iracunda mãe, ela casou-se com um pintor chamado Abram Poole, herdeiro de uma das mais sólidas fortunas de Chicago. 

Foi um longo e sereno casamento, que durou 15 anos. Nunca houve perguntas ou recriminações. Os dois compartilhavam grandes casas e apartamentos quando estavam juntos. 

Mercedes passava o tempo dedicando-se a escrever peças de teatro, roteiros de cinema, livros, poemas, artigos para revistas culturais; ele pintava, com êxito apenas razoável. Quando se encontravam, o que era raro, formavam uma dupla feliz. 

Ela aconselhava o marido a ter muitas amantes, e frequentemente ajudava-o a escolher seus alvos de conquista. Na verdade, Abram Poole não era muito dedicado ao assunto. Talvez por isso, o alvo escolhido pelos dois para ser conquistado por ele acabava mesmo era com Mercedes.

Até que, num belo dia de 1935, Abram Poole resolveu mudar de vida. Apaixonou-se por uma de suas modelos, separou-se da mulher e casou com a moça. Naquela altura, porém, não havia nada sob o sol que pudesse perturbar Mercedes. Mesmo porque, para ela, fazia tempo que o sol tinha nome, sobrenome e lugar de nascimento: Greta Garbo, da Suécia.

Pouco depois da festa em que se conheceram, Greta Garbo – uma atriz no esplendor da fama – convidou Mercedes de Acosta para passar alguns dias na casa que havia alugado numa ilha no meio de um lago em plenas montanhas Nevadas da Califórnia. 

Foram, segundo a escritora, “seis semanas encantadas”. E mais: “Não houve um único instante de desarmonia entre Greta e eu. É como se, em vez de seis semanas, tivessem sido seis minutos.”

Além de memórias inatingíveis, a breve temporada deixou registros perduráveis, como as famosas fotos de uma esplêndida sueca sem blusa, os seios atrevidos destacando-se contra o fundo de montanhas nevadas, ou recostada na proa de um barco, suas pernas douradas refletidas nas águas do Silver Lake, seus pés mergulhados em meias e tênis de uma brancura singular.

Meses depois, no verão de 1932, Greta Garbo viajou para a Europa, deixando atrás uma desolada Mercedes de Acosta. 

“Hollywood tornou-se um lugar insuportavelmente vazio sem ela”, registrou a escritora em suas memórias. 


E contra o insuportável, o remédio surgiu na forma de outra deusa da época, uma alemã que explodia sensualidade em cada milímetro do corpo perfeito: Marlene Dietrich.

Desta vez, porém, a conquistadora foi conquistada: decidida a ir às últimas consequências, Marlene Dietrich literalmente cobriu a pequena Mercedes de flores, dia após dia, ao longo de uma semana.

Na verdade, nem teria sido necessário: na primeira troca de olhares, a pequena Don Juan tinha entendido que o calor daquele vulcão seria inevitável. A paixão sem fim durou de setembro de 1932 a maio de 1933. Depois, o que sobreviveu foi uma amizade cálida, profunda, salpicada de confidências.

Quando Greta Garbo voltou da Europa, encontrou Mercedes de Acosta do mesmo jeito que a teria até o fim: esperando por ela, disponível, ansiosa, decisivamente apaixonada, irremediavelmente submetida ao grande amor.

A partir de então, e para sempre, a pauta de relação entre as duas seria dada por Greta Garbo. Ela determinaria os momentos de aproximação, de calidez e de desprezo, determinaria quando seria a vez dos vulcões, quando a vez das geleiras.

A história entre as duas durou até 1960. Ao longo desses anos houve de tudo. Mercedes foi a responsável, por exemplo, pelo dia em que Greta Garbo surgiu vestindo calças compridas. “Levei-a a um alfaiate, e convenci-a de mandar fazer calças compridas, coisa que nenhuma mulher se atrevia a usar naquela época. Quando ela saiu ás ruas e foi fotografada, ocorreu uma espécie de cataclismo. Pouco depois, mulheres do mundo inteiro começaram a usar calças compridas. Nasceu a Era das Grandes Mulheres de Calças Compridas. E pensar que fui a causadora...”, recordaria Mercedes mais tarde.

Aos poucos, porém, Greta Garbo – sempre determinando o calendário – fez com que as geleiras ocupassem cada vez mais o espaço dos vulcões. Mercedes de Acosta chegou a pensar em suicídio. Continuavam sendo amigas, mas isso, para ela, era pouco. Era quase nada.

Trocavam cartas, fotografias, encontravam-se, mas nada seria como antes. 

E aí aconteceu o final tempestuoso, em 1960, quando Mercedes de Acosta publicou um livro de memórias chamado “Here Lies the Heart” (“Aqui Descansa o Coração”). 

No livro, ela escreveu sobre seus amores com a deusa.


Na verdade, Mercedes de Acosta foi a única mulher a escrever o que dizia: “Eu amei Greta Garbo.” E isso, para a deusa sueca, era imperdoável.

Dona de um silêncio misterioso e impenetrável, Greta Garbo jamais fez nenhuma referência a esse – ou, aliás, a qualquer outro – caso de amor.

Em suas parcas conversas com as duas ou três pessoas com quem se permitiu alguma intimidade, fez questão de desmentir que tivesse mantido, por uma vez que fosse, algo mais que uma relação de amizade com Mercedes de Acosta.

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