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terça-feira, agosto 19, 2014

Um cappuccino, T. S. Eliot e Beth Gibbons


Hagamenon Brito

Sábados chuvosos me deixam letargicamente feliz. E nem preciso de nenhum paraíso artificial para caminhar sobre as águas da paz, como o filho do Senhor no mar da Galileia. Bastam um cappuccino, um livro de T. S. Eliot e Beth Gibbons cantando qualquer coisa (Cowboys, All Mine, Glory Box, Strangers...) para eu ficar nostálgico.

Talvez, seja o meu signo, diria um obcecado por astrologia, mas o fato é que guardo ex-amores, ex-amigos, ex-vivos e ex-votos bem seguros no cofre da memória. Eventualmente, abro o cofre à procura de uma recordação que sirva de roteiro para um bom filme noir. Que me lembre de belos corpos que tive nas mãos e não fui capaz de matá-los.

Em Crônicas de Motel, um dos meus livros favoritos, Sam Shepard descreveu como ninguém o que sinto - “Fico tão surpreendido com a minha própria nostalgia que, às vezes, quase me esqueço de viver. Nunca pensei em chegar aos 40  anos. Os 40 anos estão reservados para a geração dos meus pais e dos pilotos de jaqueta de couro com gola de pele, sorrindo em frente aos aviões com hélice”.

Penso em circos armados em frente ao Hotel Hollywood. Em cheiro de mulher velha. Na minha avó no leito de morte, prestes a dormir para sempre. Nos filmes de Elvis com minhas primas. No mistério que as prateleiras da biblioteca municipal reservavam. Em minha mãe implorando para que Deus a levasse logo. Na primeira vez que vi o demônio.

E, também, em vivências recentes. Como nos oito anos em que fomos amantes e tudo mais o que se pode ser quando o desejo e a amizade coexistem. Das brigas, dos beijos e do sexo por horas a fio (porque não sabíamos o que o futuro nos reservaria). De chorarmos juntos por Kurt Cobain ter estourado os miolos. Dos paraísos artificiais. Do peso de eu ficar com os encargos da nossa cumplicidade. Da distância. Do fim de tudo que se ergueu.

Há oito meses, não temos mais nenhum contato, nenhuma mensagem jogada ao mar. Mas parece que são oito anos. Oro para que você seja (in)feliz longe de mim. Isso é outra coisa que o tempo me ensinou desde que nos abraçamos pela última vez - a não passar a mão na cabeça de quem me sacaneia. É um bom aprendizado para quem nunca  acreditou muito na humanidade.

Pode ser uma maneira de ainda te desejar. Foda-se! Deixei de me preocupar com a salvação da minha alma desde que saí da puberdade e parei de frequentar a escola dominical metodista. Tenho um sono melhor do que o habitual quando durmo pensando no dia em que te vi pela primeira vez,  naquela tarde de mar e sol no Farol.  Se voltasse no tempo, eu não faria igual: faria pior.
  
***

Agora, Al Green canta Let’s Stay Together. Depois, virá Call Me (Come Back Alone). O vento continua soprando sem parar, mas parou de chover. A rua está deserta demais para uma noite de sábado. No frigobar, alimentos imploram para que eu os devore. Os móveis, tudo que há no quarto clean, evocam a solitude da nostalgia. Saudade da garota que mais amo no mundo (e que não é você).

***

Tomo um banho muito quente para fazer a felicidade suar, visto uma calça jeans preta, uma camiseta com o rosto de Steve McQueen e penso em ir embora da cidade. Mas já vi a mim mesmo quando parti. Já me vi, já vivi esse filme.

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