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terça-feira, janeiro 06, 2015

Esquentando os tamborins (Parte 3)


Denise Carla
O entrudo, importado dos Açores pelo colonizador português, foi o precursor das festas de carnaval. 
Grosseiro, violento, imundo, constituiu a forma mais generalizada de brincadeira popular no período colonial e monárquico. 
Consistia em lançar sobre os outros foliões baldes de água, esguichos de bisnagas e limões-de-cheiro (feitos ambos de cera), pó de cal (uma brutalidade, que poderia cegar as pessoas atingidas), vinagre, groselha ou vinho e até outros líquidos, como a urina, que estragavam roupas e sujavam ou tornavam malcheirosas as vítimas. 
Esta estupidez, porém, era tolerada pelo imperador Pedro II e foi praticada com entusiasmo, na Quinta da Boa Vista e em seus jardins, pela chamada nobreza. 
E foi livre até o aparecimento do lança-perfume, do confete e da serpentina, todos trazidos da Europa. 
Na verdade, o entrudo era a oportunidade de as pessoas das camadas pobres da população (incluindo os escravos) se manifestarem contra as situações consideradas opressivas da época, ao mesmo tempo em que se divertiam e reinventavam a brincadeira entre eles próprios.
Em todo o Brasil, mas, sobretudo, no Rio de Janeiro, havia o costume de se prestar homenagem galhofeira a notórios tipos populares de cada cidade ou vila do país durante os festejos de Momo. 

O mais famoso tipo carioca foi um sapateiro português, chamado José Nogueira de Azevedo Paredes, que teve seu sobrenome trocado e ficou conhecido como “Zé Pereira”. 
Segundo o historiador Vieira Fazenda, foi ele o introdutor, em 1846, do hábito de animar a folia ao som de zabumbas e tambores, em passeatas pelas ruas, como se fazia em sua terra natal. 
O “Zé-Pereira” cresceu de fama no fim do século 19, quando o ator Vasques elogiou a barulhenta manifestação encenando a comédia carnavalesca “O Zé-Pereira”, na qual propagava os versos que o zabumba cantava anualmente: “E viva o Zé-Pereira/ Pois que a ninguém faz mal./ Viva a pagodeira/ Dos dias de Carnaval!”. 
A peça não passava de uma paródia de Les Pompiers de Nanterre, encenada em 1896. 
No início do século 20, por volta da segunda década, a percussão do “Zé-Pereira” cedeu a vez a outros instrumentos, como o pandeiro, o tamborim, o reco-reco, a cuíca, o triângulo e as frigideiras, e há até quem diga que por meio dessa manifestação surgiram os blocos de rua, uma vez que o povo acompanhava o “Zé-Pereira” por onde ele passasse.

O surgimento dos cordões carnavalescos, por volta de 1870, representou uma diversificação do carnaval de rua, ainda dominado pelo entrudo, mas já convivendo com os “zé-pereiras”. 
Eles foram chamados de cordões porque, como as ruas eram muito estreitas, desfilavam praticamente em fila indiana.
Os cordões eram formados por negros, mulatas e brancos de origem humilde, e a animação ficava por conta do som dos instrumentos de percussão, com forte influência dos rituais festivos e religiosos africanos. 
À frente dos cordões, como se fossem batedores, vinham os “panos” (enormes estandartes, de aproximadamente dois metros de comprimento, por um de largura). 
As figuras de destaque eram o porta-estandarte e uma composição própria para a sua exibição. 
Os cordões tiveram sua fase áurea no começo do século 20, quando o número de agremiações chegou a 200. 
Entre os mais conhecidos destacavam-se Teimosos da Chama, Dália de Ouro, Destemidos do Livramento, Rainha do Mar e Rosas de Ouro.


As principais figuras carnavalescas eram a Colombina, o Pierrô e o Arlequim, todos personagens da Commedia dell’Arte, uma companhia italiana de atores que se instalou na França entre os séculos 16 e 18 para difundir uma forma de teatro original com tipos regionais e textos improvisados. 
Os três personagens tinham a função de divertir o público nos intervalos das peças teatrais, com piadas, chistes e estripulias lúdico-amorosas. 
Nos salões, Pierrô era o sujeito sentimental, que usava como indumentária calça e casaco muito amplos, ornada com pompons e de grande gola franzida, e se derretia de amores pela volúvel e sedutora Colombina. 
O palhaço Arlequim, de traje multicor, feito em geral de losangos, era seu rival. 
Ele divertia-se com a ingenuidade de Pierrô e usava todas as suas artimanhas para conquistar o coração da Colombina. 
Esta, namoradeira, alegre, fútil, bela, esperta, sedutora, gostosa e volúvel, vestia-se de seda ou cetim branco, saia curta e usava um bonezinho. 
Nos dias de hoje, a Colombina seria uma típica “cachorra” de baile funk carioca. 

Já o rei Momo, personagem que personifica o carnaval brasileiro, foi inspirado no Bufo, ator de procedência portuguesa que representava pequenas comédias teatrais que tanto divertiam os nobres.
Nos últimos anos, por conta da praga do politicamente correto, alguns apressadinhos começaram a pleitear que o rei Momo seja magricela, esbelto ou marombado, já que esse é o novo padrão de saúde imposto pela medicina contemporânea... 

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