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terça-feira, janeiro 13, 2015

Pau de selfie: fotografar virou vexame


A pandemia dos autorretratos com ajuda de um bastão de cem centímetros constata a valorização excessiva da imagem

Denise Molinaro

Não era para eu estar viva escrevendo este texto. Dia desses fui atingida por um pau de selfie nas imediações da Avenida Paulista, região na qual eu transito diariamente por conta do trabalho.

Com ego do tamanho da Rússia e uma imobilização de sorrisos anti-espontaneidade, um grupo de estudantes se uniu em frente ao MASP em busca do melhor ângulo. Eu, que passava por lá a caminho de casa, ganhei de presente um galo na cabeça. Não fosse ágil, teria sido afetada por outras dezenas de paus de selfie, cada integrante do grupo tinha o seu.

Bem feito pra mim que resolvi atravessar a rua no momento em quem os adolescentes narcisistas vestiam a máscara da alegria em cliques fotográficos ignorando tudo o que estava ao redor.

Antes da abordagem psicanalítica do tema vamos à explicação técnica: o tal do pau de selfie foi o gadget que mais bombou no Natal passado. O acessório que acopla smartphones e câmeras GoPro tem alguns botões e uma interface Bluetooth e permite que selfies mais amplas sejam feitas sem que se corte a cabeça ou o braço de alguém. O produto garante ergonomia perfeita às capturas dos narcisos que andam em bandos vociferando em imagens a própria felicidade.

Os detentores de paus de selfie são pessoas que se tornaram objetos de seus próprios fascínios, cientes ou não de seu poder de atração, ou ainda da falta deste.

A ideia de esticar um cabo metálico de um metro no meio da galera para tirar uma foto da própria fuça estudando com afinco o melhor ângulo fez do ato de fotografar um verdadeiro vexame. A pandemia de selfies, se analisada como ato comportamental repetitivo, pode ser considerada tão grave quanto à expansão do Ebola.

Por trás das manobras que permitem que o fotógrafo seja fotografado, noto uma sede à divulgação dos "paradisíacos" relacionamentos humanos nas redes sociais. Quanto mais likes na autoimagem, mais bem quisto eu sou.

A busca pela popularidade revela a afinidade da sociedade atual com o mundo das fofocas e da aceitação, assim como a análise da imagem da vida alheia. Não importa o que eu sou, importa o que a foto mostra que eu seja e quantos likes eu ganho nela.
O modismo vem ancorado na vontade exagerada de ter a vida acessada deliberadamente nas redes sociais, não à toa as empresas de tecnologia foram obrigadas a evoluir a qualidade de suas câmeras frontais nos smartphones a fim de ganhar essa parcela de narcisistas disposta a pagar mais pelo gadget que ofereça o melhor enquadramento.

Tem gente que viaja o mundo e não consegue fotografar sequer um ponto turístico, todo atenção está voltada para o clique em si próprio. É possível que o egocentrismo cegue o ser humano para o que está a sua volta?

Como seria se espelhos circundassem seu corpo e para onde você olhasse encontrasse apenas a si mesmo? Uma overdose de você. Penso que o mundo tem muito mais coisas interessantes a oferecer, confere?


Um dos repórteres que trabalha comigo trouxe a informação que uma empresa americana aproveitou o sucesso do pau de selfie e criou o ‘Belfie Stick’, uma versão do utensílio para reproduzir imagens em ângulo perfeito da própria bunda. Quando ele pediu minha opinião eu apenas disse: “preferia ter nascido em 1950”.

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