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segunda-feira, fevereiro 29, 2016

BICA do Armando já está na gráfica


No dia 28 de maio de 2009, na coluna que mantém no site da revista Veja, o jornalista Augusto Nunes escreveu um texto intitulado “A volta de Renan prova que o Brasil esquece a cada dois anos o que aconteceu nos dois anos anteriores”, que ser tornou o elemento catalisador para que esse livro sobre os 30 anos da Banda Independente Confraria do Armando (BICA) começasse a ser planejado. Mas vamos primeiro rever o texto do jornalista:

O Brasil que esquece a cada 15 anos o que ocorreu nos 15 anos anteriores, como constatou o escritor Ivan Lessa, é coisa do século passado. O país reconstruído pelo presidente Lula tem pressa – e encurtou para dois anos o intervalo entre as lobotomias malandras. No fim de maio de 2007, por exemplo, uma reportagem de Veja escancarou a face horrível de Renan Calheiros, então presidente do Senado. Os homens de bem se estarreceram com o que viram, os colegas não viram nada de novo, Renan deixou o comando da mesa, foi para as coxias e esperou exatamente 24 meses para reaparecer na ribalta, neste fim de maio, no papel de parceiro preferido do presidente Lula.

Por decisão do chefe de governo, cabe ao companheiro Renan, líder da bancada do PMDB e amigo de infância do presidente José Sarney, impedir que a CPI da Petrobras consiga provar que a estatal praticou, permitiu ou patrocinou delinquências bilionárias. As nuvens que se avolumam sobre a empresa são formadas por denúncias, suspeitas, indícios e evidências. Quem melhor para enfrentá-las do que o alagoano que sobreviveu a um tsunami de provas tangíveis e pilantragens visíveis a olho nu? É o homem certo no lugar certo: para assassinar os fatos no nascedouro, foi convocado um serial killer especializado no extermínio de verdades inconvenientes.

Fosse o Brasil um país sério e Renan não conseguiria pronunciar sequer uma vírgula sobre a CPI. Primeiro teria de providenciar respostas verossímeis para questões que seguem pendentes. O que tem a dizer sobre as relações mais que promíscuas envolvendo as empreiteiras Gautama e Mendes Junior?, apartearia um jornalista. E sobre as mesadas de R$ 16,5 mil entregues pelo amigo lobista a Mônica Veloso?,  perguntaria outro. Um terceiro se interessaria pelas notas fiscais fraudadas por Renan na tentativa de explicar o inexplicável. E todos exigiriam em coro que o senador ensinasse o truque da multiplicação de bois imaginários, que transformou um fazendeiro de araque em imperador do gado. Mas o Brasil não é sério.

Como não é, ficou tacitamente estabelecido que os crimes não existiram ou prescreveram – e Renan é tratado com o respeito e as reverências que  jamais mereceu. Com incontáveis acertos a fazer com a Justiça dos homens e o Juízo Final, pastoreia a base alugada com a arrogância sem remorsos do pecador vocacional. Craque em extorsões políticas, fixou preços salgados para o serviço que o presidente encomendou. Com exigências públicas e intrigas só murmuradas, vem enquadrando exemplarmente o PT em geral e o senador Aloísio Mercadante em particular. Bem feito para todos. Eles se merecem. O Brasil que presta é que não merece essa gente.


Pois foi lendo, relendo e discutindo sobre esse primoroso texto profético do Augusto Nunes (a Operação Lava Jato, que confirmaria suas observações sobre a Petrobras, só seria deflagrada em 2014, ou seja, cinco anos depois de seu texto ter sido publicado), que nós dois, eu e Francisco Cruz começamos a nos dar conta de que a BICA, por meio de seus enredos e marchinhas irônicas, também vinha contando a história política do Amazonas desde 1989. 

Mas quantas pessoas sabiam ou ainda se lembravam disso? Urgia contextualizar a razão de termos escolhido aqueles enredos para que a nova geração de biqueiros soubesse que a banda não era apenas “uma reunião de bêbados, arruaceiros e desocupados irresponsáveis”, como teimam em repetir alguns radialistas reacionários.

Este ano, por exemplo, uma notícia fantasiosa publicada em um site sensacionalista dando conta de que seria o último desfile da BICA atraiu para o Largo de São Sebastião uma multidão aproximada de 100 mil foliões. Desses, 70% tinham menos de 30 anos, ou seja, sequer haviam nascido quando a banda foi fundada. 

Some-se a isso o fato de que somente no começo dos anos 2000 os compositores da BICA começaram a gravar suas marchinhas para perceber a dificuldade que esses novos foliões teriam para compreender a importância da BICA além de um simples fenômeno popular, mas como expressão legítima do senso crítico de uma sociedade que se quer inclusiva, solidária e libertária, sem o auxílio de uma carta náutica, um sextante ou um livro de bordo. 

Recuperando os enredos e as marchinhas dos anos 80 e 90 podemos observar não apenas a evolução da BICA, mas o fato de que ela permaneceu rigorosamente fiel às suas origens ao longo do tempo.


Por último, quando o jornalista Ivan Lessa escreveu no Pasquim que “a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos”, nós estávamos em meados da década de 70, quando o golpe militar de 64 já estava com mais de dez anos. 

De lá pra cá o período da perda de memória até se estreitou. Hoje em dia, com menos de cinco anos o brasileiro já perdeu a noção do que se passou em seu país, em seu estado, em seu município. Muitos não lembram nem em que candidato votou na última eleição para vereador ou deputado.

Recordar o que aconteceu de relevante em nossa história política durante esses 30 anos em que o povo entrou na BICA – e de como esses fatos políticos se transformaram em matéria-prima de marchinhas criativas, alegres e demolidoras, tanto do ponto de vista crítico quanto do socialmente engajado a favor dos oprimidos e deserdados – foi a maneira que encontramos para reavivar a nossa memória e mostrar que a BICA ainda tem muita lenha para queimar pelos próximos 30 anos. Esperamos que tal objetivo tenha sido alcançado.


Francisco Cruz e Simão Pessoa, em fevereiro de 2015, no Bar do Armando

É o fim do caminho


Fernando Gabeira

“A liberdade é vermelha”, escreve num post de Paris Mônica Moura, mulher do marqueteiro João Santana. É uma alusão a uma trilogia de filmes inspirados nas cores da bandeira francesa. O primeiro deles se chamou “A liberdade é azul”. É compreensível que Mônica Moura tenha escolhido o vermelho entre as cores da bandeira. E que tenha escolhido a liberdade do lema da Revolução Francesa, que também conta com fraternidade e igualdade.

João Santana e Mônica ficaram milionários levantando a bandeira vermelha, no Brasil, na Venezuela, com as campanhas agressivas do PT e do chavismo. Com os bolsos entupidos de dólares, a liberdade é vermelha, pois à custa da manipulação dos eleitores latino-americanos, João Santana e Mônica Moura podem viajar pelo mundo com um padrão de vida milionário.

Mas chega o momento em que a cadeia é vermelha, e Mônica Moura não percebeu essa inversão. Nas celas da Polícia Federal e do presídio em Curitiba, o vermelho predomina. José Dirceu, Vaccari, o PT é vermelho. Marcelo Odebrecht, a Odebrecht é vermelha, basta olhar seus cartazes.

Uma vez entrei na Papuda e filmei uma cela vermelha com o número 13. Os condenados do mensalão estavam a ocupar o presídio. A divulgação da imagem foi um Deus nos acuda, insultos: as pessoas não têm muita paciência para símbolos. Mônica Moura fala esta linguagem. Se tivesse visto o take de seis segundos da cela vermelha, ela iria buscar outra cor para a liberdade.

A situação de Dilma e a do chavismo convergem para um mesmo ponto: tanto lá quanto aqui a aspiração majoritária é derrubá-los do poder. João Santana, num país onde se valoriza a esperteza, foi considerado um gênio. Gênio da propaganda enganosa, dos melodramas, dos ataques sórdidos contra adversários. O único critério usado é a eficácia eleitoral avaliada em milhões de dólares, certamente com taxa extra para os postes, Dilma e Haddad.

Sua obra continental se espelha também no resultado dos governos que ajudou a eleger: Dilma e Maduro são rejeitados pela maioria em seus países. O que aconteceu na semana passada é simplesmente o fim do caminho. Com abundantes documentos, cooperação dos Estados Unidos e da Suíça, não há espaço para truque de marqueteiros.

O dinheiro de Santana não veio de fora. Saiu do Brasil. Saiu de uma empresa que tinha negócios com a Petrobras, foi mandado para o exterior por seu lobista Zwi Skornicki. E saiu também pela Odebrecht.

A Lava Jato demonstrou que a campanha de Dilma foi feita com dinheiro roubado da Petrobras. E agora? Não é uma tese política, mas um fato, com transações documentadas.

Na semana passada ouvi os panelaços por causa do programa do PT. O programa foi ao ar um dia depois da prisão de João Santana. Mas o tom era o mesmo, uma mistificação para levantar os ânimos. E um pedido de Lula: parem de falar da crise que as coisas melhoram.

Em que mundo eles estão? Em 2003, já afirmei numa entrevista que o PT estava morto como proposta renovadora. Um pouco adiante, com o mensalão, escrevi “Flores para los muertos”, mostrando como uma experiência que se dizia histórica terminou na porta da delegacia.

Na semana passada, escrevi “O processo de morrer”. Não tenho mais saída exceto apelar para “O livro tibetano dos mortos”, que dá conselhos aos que já não estão entre nós. O conselho é seguir em frente, não se apegar, não ficar rondando o mundo que deixaram.

Experimentei aquele panelaço como uma cerimônia de exorcismo: as pessoas saíam às janelas e varandas para espantar fantasmas que ainda estavam rondando as casas. Poc, poc, poc. Na noite escura, o silêncio, um grito ao longe: fora PT. E o PT na tela convidando para entrar nas fantasias paradisíacas tipo João Santana, já trancafiado numa cela da PF em Curitiba.

Simplesmente não dá para continuar mais neste pesadelo de um país em crise, epidemia de zika, desemprego, desastres ambientais, é preciso desatar o nó, encontrar um governo provisório que nos leve a 2018.

De todas as frentes da crise, a que mais depende da vontade das pessoas é a política. Se o Congresso apoiado por um movimento popular não resolver, o TSE acabará resolvendo. Com isso que está aí o Brasil chegará a 2018 como um caco, não só pela exaustão material, mas também por não ter punido um governo que se elegeu com dinheiro do assalto à Petrobras.

É hora de o país pegar o impulso da Lava Jato: carro limpo, governo derrubado, de novo na estrada. É uma estrada dura, contenções, recuperação da credibilidade, quebradeira nos estados e cidades. É pau, é pedra, é o fim do caminho.

A semana, com a prisão do marqueteiro do PT e os dados sobre as transações financeiras, trouxe mais claramente o sentido de urgência. E a esperança de sair desta maré.

sexta-feira, fevereiro 26, 2016

As peripécias do óbvio


Fernando Gabeira

O governo assaltou e arruinou a Petrobras. A tese mais elementar era esta: parte do dinheiro roubado foi desviada para as campanhas de Lula, Dilma e tutti quanti.

No Brasil, o elementar nem sempre se impõe. Almas generosas dizem: não há provas de que os milhões roubados da Petrobras foram usados em campanha. Todo o dinheiro foi registrado no TRE: contribuições legais. As empresas que doaram são as mesmas do escândalo. O dinheiro da propina foi simplesmente lavado. 

As almas delicadas não acreditam que tenha havido dinheiro sujo na campanha e não fazem a mínima ideia de para onde voaram milhões de dólares. E consideram que está tudo bem com a lavagem de dinheiro, embora isso seja um crime punido por lei.

Agora a casa caiu. A prisão do marqueteiro João Santana mostra que ele recebeu dinheiro do escândalo do petróleo como pagamento pela sórdida campanha de 2014.

Fechou-se o quadro. Ele já estava desenhado no celular de Marcelo Odebrecht. Numa das anotações falava que as contas na Suíça poderiam atingir a campanha dela. Quem é ela? Se afirmar que é Dilma, as almas generosas vão dizer: há milhões de outras mulheres no Brasil.

Delcídio do Amaral já havia advertido Dilma de que a prisão de Marcelo Odebrecht atingiria sua campanha, porque a empresa pagou a João Santana no exterior. Mercadante teria dito: a Odebrecht é problema do Lula. Solidariedade zero entre eles.

Agora, vão dizer que o dinheiro de Santana foi ganho em campanhas no exterior. Ele fez algumas, no universo da esquerda latino-americana. Todas pagas regiamente. Acontece que ele enviou o dinheiro do Brasil. Por que as campanhas lhe pagariam aqui? Acontece que recebeu durante a campanha de Dilma. Por que as campanhas de fora pagariam fora do tempo?

E como se não bastasse: que outras campanhas levaram dinheiro de propina de Keppel Fels, que tem um estaleiro no Brasil, opera com a Petrobras, e seu lobista Swi Skornicki, destinatário de um bilhete da mulher de João Santana, Mônica, orientando-o a depositar os dólares no exterior?

As descobertas da Lava Jato apenas demonstram com provas uma tese cristalina: roubaram para permanecer no poder e acumular fortunas. Mas, sobretudo, para prosseguir no governo, entupindo as campanhas de dinheiro sujo.

Tecnicamente, a Lava Jato seguiu o caminho real: o dinheiro. É em torno da grana que eles giram como mariposas.

Além da cooperação suíça, as autoridades norte-americanas foram rápidas em enviar seus dados. Os suíços mantiveram sua disposição de colaborar.

Enfim, o cerco se fechou, uma parte considerável do mundo se alia ao povo brasileiro no esforço não só de punir os responsáveis, mas também de recuperar o dinheiro roubado.

E o governo, os políticos, os brasileiros, em tudo isso? O que era apenas uma tese que já balançava Dilma se tornou um fato comprovado com documentos. Aliás, mais documentos do que em outros casos da Lava Jato.

Se fosse uma partida de xadrez, diria que o governo levou um xeque-mate. Antes apenas se falava que a campanha de Dilma foi feita com dinheiro roubado. Agora todos sabem.

Mas o PT não é um jogador de xadrez comum, e não só porque atropela regras. Ele se distancia da própria realidade. Xadrez? Não estou vendo o tabuleiro. Antena no sítio de Atibaia? Lula não usa celular. Prisão do marqueteiro? O PT não tem marqueteiro, é apenas um senhor que nos ajuda.

De qualquer forma, será difícil acordar todas as manhãs, num país mergulhado em crise econômica, e pensarmos que ele está nas mãos de um grupo que roubou para vencer.

E não será apenas uma certeza política. Estarão lá, diante de nós, as contas no exterior, os dólares enviados, as transferências, conversões – enfim, toda a trajetória do fio condutor a que eles estão ligados: a grana.

De qualquer forma, o episódio é um momento de otimismo, na medida em que precipita a queda de Dilma. Como as crises estão entrelaçadas, uma solução política poderia dar algum alento à economia e se um projeto de transição sério fosse levado até 2018.

O PSDB voltou do recesso dizendo que votaria os projetos de interesse do país ao lado do governo. Isso me parece correto, pois sempre fui contra as pautas-bomba que explodem no bolso dos contribuintes. No entanto, não se deve acreditar ser esse o grande problema da oposição. Seu problema é não focar na saída da crise: o impeachment. E não trabalhar com uma ideia mais clara da transição.

Olhando para o futuro próximo, não faz sentido dizer que vota a reforma da Previdência só se o PT votar também. É um tema inescapável na transição.

Orientar-se pela posição do PT é, de uma certa forma, antecipar uma disputa em 2018. Não sabemos direito como será 2018 nem se haverá PT. O problema é achar um rumo para a transição e fazê-la acontecer com a queda de Dilma.

Os acontecimento da semana mostram que o jogo de empurrar com a barriga é apenas um esforço para levar Dilma até 2018, tudo bonitinho, faixa passada. A realidade, por meio de uma investigação competente, com apoio internacional, mostrou mais uma vez que é preciso pegar o touro à unha.

Os que esperam 2018 deveriam considerar apenas como ele será muito pior se nada for feito. Com que cara o Brasil chegará lá, dirigido por um governo corrupto, incompetente, politicamente nulo?

Quem sabe faz a hora ou espera acontecer? Ao contrário da canção, às vezes, acho melhor esperar acontecer. Mas, no caso específico, há um sentido de urgência.

Continuar com esse governo vai desintegrar o país. Uma terrível animação de Hong Kong já mostra a Baía de Guanabara poluída, atletas vomitando, a estátua do Cristo Redentor fazendo toneladas de cocô. É uma peça de humor. Mas se parece muito com o pesadelo que vivemos no Brasil.

O talento número 1 de João Patinhas


José Nêumanne

Na semana passada, a literatura universal perdeu um dos mais eruditos entre seus exegetas e também um dos mais bem-sucedidos de seus criadores com a morte de Umberto Eco. Este, contudo, não levou para o túmulo um célebre axioma universal do romance policial, seja o mais popular, seja o mais sofisticado: o criminoso sempre volta ao local do crime. 

O grande mestre, porém, desapareceu sem ter tido a oportunidade de conhecer uma contribuição, dada pelo grupo de criminosos que promoveu no Brasil o maior assalto ao patrimônio público de todos os tempos e que, de certa forma, parodia esse truísmo: o novo tesoureiro sempre volta a cometer o crime do antigo.


Foi assim que o ex-tesoureiro do partido que manda na República há 13 anos (por coincidência, o número com que está inscrito na Justiça Eleitoral) Delúbio Soares, condenado na Ação Penal (AP) n.º 470, vulgo mensalão, por corrupção, entre outros delitos, foi imitado por seu sucessor. Como é notório, João Vaccari Neto já foi condenado por similar sequência de crimes após investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, e com penas impostas pelo juiz da chamada e muito aclamada Operação Lava Jato, Sergio Moro, da Justiça Federal do Paraná.

Com sua habitual dose de ironia, a deusa grega Clio, que rege a História, acaba de nos conceder exemplo da mesma natureza, que parece ter sido feito para confirmar a máxima anterior e exatamente na atividade em que o citado professor Eco foi pontífice máximo desde os anos 60: a comunicação de massas.

Em depoimento na Câmara, em 2005, o publicitário baiano Duda Mendonça abalou os alicerces da política profissional no Brasil ao revelar que havia recebido em moeda estrangeira e em contas no exterior o pagamento por seus serviços à campanha vitoriosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT). Mostrando que, em política e polícia, o raio pode cair no mesmo lugar, isso acaba de acontecer com quem o substituiu na função.

A prisão temporária do sucessor de Duda na campanha de reeleição de Lula, em 2006, e nas vitórias de Dilma Rousseff, apoiada pelo antecessor, em 2010 e 2014, outro baiano, João Santana, confirma, de forma peremptória, a aplicação do aforismo sobre o tesoureiro quando se trata de marqueteiro. E não é mera coincidência. Afinal, nos tempos modernos da comunicação de massas, genialmente explicados por Eco, o guardador de dinheiro e o fabricante de sonhos para enganar eleitor têm importância capital na disputa pelo voto do povo. E distorcem a paródia de Hegel por Marx, segundo a qual a História acontece como tragédia e se repete como farsa. Na versão do PT brasileiro, só se conhecem tragédias.

Surpreendido pela notícia fatídica quando tentava asfaltar o caminho de volta de Danilo Medina, do Partido de la Liberación Dominicana, à presidência da República Dominicana, o marqueteiro defendeu-se como pôde. Ocorreu-lhe, por exemplo, dizer que o dinheiro que entesoura em bancos estrangeiros foi licitamente ganho em campanhas que assessorou no exterior.

Convenhamos que imaginar que nos convence de que faturou milhões de dólares de candidatos de Venezuela, El Salvador, República Dominicana, nas Américas do Sul e Central, e Angola, na África, com economias a anos-luz da brasileira, por mais críticas que sejam nossas condições econômicas no momento (o que está longe de ser o caso nas primeiras campanhas de Lula e Dilma), é uma aposta muito arriscada em nossa estupidez coletiva.

Por mais razões que algum observador cruel tenha para justificar esse motivo, é contar excessivamente com a credulidade popular. Muito embora sua imaginação publicitária tenha sido capaz de ludibriar mais de 54 milhões de eleitores brasileiros que sufragaram sua candidata em 2014 imaginando que com as asas de suas mentiras voariam sobre o abismo à vista.

Se Aristóteles pudesse ressuscitar e opinar, talvez o tutor de Alexandre, o Grande, arriscasse a hipótese mais lógica de que pode ter ocorrido exatamente o contrário: o propinoduto da Petrobras e a generosidade do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) podem ter financiado as campanhas dos companheiros venezuelano, salvadorenho, dominicano e angolano.

Seria, no mínimo, curioso imaginar mais essa dívida da originalidade histórica a nosso PT: com o fracasso da exportação da revolução cubana de Fidel Castro e Ernesto Che Guevara para o Terceiro Mundo, a esquerda tupiniquim inaugurou a exportação da corrupção do Robin Hood às avessas, em que os pobres empobrecem para enriquecer os companheiros socialistas.

A hipótese, contudo, é absurda: para Hegel e Marx, os fatos históricos podem voltar a ocorrer, mas não seus protagonistas. Sem Aristóteles para nos tutelar, podemos concluir que enfrentamos uma tentativa de negar a História e, ao mesmo tempo, dotá-la de um espelho às avessas.

A Operação Lava Jato mandou prendê-lo após reunir provas testemunhais e documentais acachapantes de seus crimes contábeis. Só que ele, contando apenas com seu extraordinário dom de iludir nosso eleitorado, se diz vítima de “perseguição” sem considerar nenhuma das evidências apresentadas por policiais e promotores federais, com aval de um juiz respeitável.

O desgoverno falido, assombrado pela hipótese de o Tribunal Superior Eleitoral interrompê-lo com a cassação de Dilma e Temer, diante de novas provas óbvias, argumenta que pagou R$ 70 milhões (!) pelo talento número um de João Patinhas. E, ainda assim, nada tem que ver com suas diabruras contábeis. Isso é tão convincente como persuadir policiais, promotores, juiz e todos nós de que o “chefe” citado nos e-mails de Léo Pinheiro, da empreiteira OAS, publicados na capa da revista VEJA, seja Touro Sentado, Tibiriçá ou Winnetou. E que “madame” seja Pompadour, Bovary ou Ming.

quinta-feira, fevereiro 25, 2016

Ser bloqueado pelo Facebook foi uma das melhores coisas que me aconteceu


Dom Markito quer ter você assim, gafanhoto

Luciano Andolini (*)

Fui bloqueado pelo Facebook por trinta dias. É aqui que começa nossa história.

Eu sou editor no PapodeHomem e, entre outras coisas, administro a página do site no Facebook.

Para quem não sabe, lá nós brincamos bastante com diversos temas e isso inclui posts que ficam na linha limite entre o que é permitido ou não na plataforma. Portanto, já aconteceu outras vezes de sermos denunciados e eles acharem válido nos bloquearem.

Na primeira vez, foram 24 horas. Depois, 48 horas. Em seguida, 7 dias. Agora, 30 dias. Pois é, cometemos o mesmo erro algumas vezes.

Ainda que não seja tanto tempo assim, a rede social azul está tão entranhada na minha rotina que só essa pausa já deu pra tirar alguns insights que resolvi compartilhar aqui embaixo.

Sim, Facebook vicia

Eu achava que meu consumo de redes sociais era saudável. Ainda acho que é, perto do que vejo por aí, juro.

Mas sendo autocrítico e tentando olhar de forma um pouco mais objetiva, o Facebook era a primeira e a última coisa com a qual eu me envolvia todo santo dia. E eu passava horas e horas recebendo notificações e reagindo tanto ao app quanto ao site desktop — ou seja, não contente em estar sempre com ele aberto, eu usava em dois lugares ao mesmo tempo.

Nunca consegui ter esse mesmo engajamento com nada que fosse benéfico pra mim. Atividade física, meditar, estudar, nada disso. Por que justo com o Facebook?

O que me fez notar isso foi como, nos primeiros dias, não poder usar a plataforma me deixava irritado.

Quando você está bloqueado, basicamente, qualquer interação fica restrita. Nada de likes, nem comentários, nem mensagens privadas. Você se torna um observador passivo da timeline. Seu Facebook transforma-se em um leitor de feed com participação especial de fotos dos seus amigos.

Eu queria falar com as pessoas, responder aos comentários, comentar nos grupos, postar fotos, mas não dava.

E aqui caiu uma ficha. A interface é quase toda baseada num sistema de feedback/recompensa feito pra manter você por perto o máximo de tempo, como uma criança que quer, constantemente, sua atenção. O efeito emocional é de certa forma parecido. Os designers não só sabem como projetam a coisa toda para isso.

Então, ao atender as demandas do software, algo em você se sente contemplado, acolhido. Se você fosse um cachorro, postar uma foto e ver os likes surgindo seria o equivalente a ganhar um pequeno cafuné. Quando você menos espera, torna-se esse cãozinho apertando botões compulsivamente, na esperança de que saia ração de algum alçapão.

É impressionante como aquilo ali simplesmente perde a magia quando não há um jeito fácil de preencher o vazio clicando e recebendo feedback, seja de pessoas com quem você interage ou apenas da plataforma (é, não subestime o poder de um sonzinho ou uma mudança de cor em um elemento visual quando você clica nele).

Assim, quando me vi privado justamente desses agrados, em uma ou duas semanas perdi o interesse e resolvi fazer outras coisas.

E aqui a magia aconteceu. Como que por milagre, eu tinha tempo.

Li um livro, arrumei minha casa, pensei em textos, toquei guitarra, ouvi música, vi filmes, descansei, saí com a namorada, conversei com amigos sem distrações.

Parece bobo, eu sei. Eu deveria conseguir fazer todas essas coisas como um ser humano normal. Mas a realidade é que somos bem menos donos da nossa energia e atenção do que pensamos. Se o aplicativo chama, você quer saber o que houve, mesmo que rapidinho. E, de segundo em segundo, de olhadinha em olhadinha, você perde muito tempo.

Se acha que é mentira, quantas vezes você não estava no trabalho, resolveu responder aquela mensagem e, quando viu, ganhou dez abas e perdeu meia hora?

A atenção é um recurso escasso, limitado. Quando você precisa escrever um texto, por exemplo, vai ter que usar atenção e força de vontade para chegar até o final.

Quando um aplicativo apita, ele pede pela sua atenção. Aquela mudança de foco vai ter um gasto de energia que parece breve, quase insignificante. Depois, para retomar de onde você parou, um período de imersão vai se fazer necessário para “acelerar” novamente, rumo a uma experiência de fluxo, na qual você entra numa certa frequência que permite o retorno pleno ao que você estava fazendo.

Até aí, tudo bem, mas imagine isso multiplicado, literalmente, por centenas de vezes durante um dia.

Quando penso em alguém que trabalha atendendo demandas urgentes, pulando de um lado pro outro, de tarefa em tarefa, apagando incêndios, eu fico exausto. Por isso, não consigo entender como podia me colocar voluntariamente nessa condição, respondendo às notificações do Facebook. Mas é exatamente o que eu fazia.

Já estão surgindo os primeiros estudos que comentam a fadiga de notificações de aplicativos. Uma das constatações é que a reatividade relacionada a elas pode diminuir em até 40% a produtividade de uma pessoa no trabalho. E imagine que cerca de 43% dos usuários de tecnologia nos EUA simplesmente nunca desconectam. Minha aposta é que as estatísticas no Brasil não sejam muito diferentes.

Além disso, o próprio teor do que educamos o algoritmo a nos mostrar costuma ser bem tóxico. Ironias, discussões acaloradas, ansiedade de provar que está certo, impulsividade, medo de perder o assunto do momento. Tudo isso aumenta ainda mais o custo de atenção e força de vontade ao final de um dia.

Aparentemente, não era à toa que nesse período eu chegava ao final de um dia de trabalho bem mais disposto do que antes.

Ninguém precisa de Facebook pra ser feliz

Ainda que a estrutura inteira não seja exatamente pensada para o nosso benefício, somos nós que, ativamente, continuamos alimentando o Facebook.

Há um motivo para isso.

A rede inteira é pensada para se aproveitar dos nossos mecanismos de carência e vaidade. Lá no fundo, somos crianças e adolescentes procurando por validação, tentando sustentar uma autoimagem por meio do máximo de gratificação instantânea que conseguirmos.

Por mais que não falte vídeos, imagens, gifs, textos, pregando para sermos autênticos independente de qualquer circunstância, temos fome do olhar dos outros.

Basta ver: a forma mais impulsiva, animalesca e, ainda assim, socialmente aceitável de punição que levamos para as redes sociais é a difamação pública. Queremos tanto ser acolhidos, bem vistos, que negamos esse direito a quem odiamos.

Assim, perdemos o foco, transformamos nossa busca pela felicidade em pura vaidade.

A internet está tomada de textos que vilanizam as redes sociais. Eu juro que, apesar de tudo o que você leu até aqui, esse não é o meu objetivo.

Eu sei que a experiência de ficar 30 dias sem Facebook não é grande coisa. Sei que minha vida não se transformou definitivamente e agora, sim, vai dar certo — e sei que essa conclusão é extremamente cafona.

Também não estou defendendo que você viva em uma caverna e se isole de toda tecnologia e futilidade das nefastas redes sociais. Tanto que, apesar do textão, nem penso em deletar minha conta.

É só que nunca é demais pensar a respeito das ferramentas que usamos, para que elas não nos escravizem e virem um fim em si mesmas.

Vale a pena experimentar um período de abstinência voluntária de redes sociais e outros hábitos arraigados, como uma forma de exercitar liberdade. Ninguém vai morrer se ficar um mesinho sem acompanhar a timeline.

Afinal, felicidade não é essa satisfação fugidia que a gente tem quando ganhamos um like na última foto que postamos.

Felicidade é outra coisa.

E garanto que não está no Facebook.

Nota: experimentei publicar esse texto primeiramente no Medium. Volta e meia pretendo colocar alguma coisa mais informal por lá. Se quiser acompanhar, é só me seguir.

(*) Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Volta e meia grava e disponibiliza no Soundcloud. Está no Instagram, Twitter, Facebook, Google+.

quarta-feira, fevereiro 24, 2016

Bom Dia, Jessica Beppler!


Eu sempre acompanhei muitas meninas que faziam esse tipo de trabalho. Achava incrível, sentia muita atração pelas fotos. Porém, não sabia exatamente como funcionava e o que precisava fazer para começar.


Juntando o fato de que eu não ligo pra opinião alheia, acabei aceitando o primeiro convite. E depois dele, nunca mais parei. É muito divertido o momento em que estamos fotografando, e sempre acabo criando um laço forte de amizade com fotógrafos e meninas que fotografam comigo.


O nu é libertador, é uma sensação única! Me sinto linda, um momento só meu! Durante as fotos não enxergo ninguém, nem mesmo o fotógrafo.


Não consigo ver nudez como uma forma de tabu. Pra mim, é algo tão natural quanto andar de roupa. Acho que isso ajuda muito no desenrolar do ensaio.


O mais legal é saber que meu trabalho encoraja meninas que talvez não explorassem esse lado por vergonha ou medo de serem julgadas. Fico muito feliz em poder colaborar com isso.


Não há nada de errado em expor seu corpo como veio ao mundo. Faz parte de quem você é e, na maioria das vezes, não está ligado ao erotismo.


A pele que cobre meu bumbum/seios é a mesma que cobre todo o resto do corpo e não as distingo como “aceitáveis” ou não.



Vê maldade apenas quem quer.  




















Fonte: http://papodehomem.com.br/18-bom-dia-jessica-beppler/

segunda-feira, fevereiro 22, 2016

A ressentida e a vigarista


Augusto Nunes

“Não quero morrer amanhã e tudo isso ficar na tumba, eu quero falar e fechar a página”, disse Mirian Dutra para justificar a punhalada desferida nas costas de Fernando Henrique Cardoso, com quem teve um caso amoroso quando trabalhava na TV Globo em Brasília e o ex-presidente era ainda senador. O romance durou seis anos. Durou quase 30 o silêncio quebrado nesta semana por duas entrevistas. O pote até aqui de mágoa, esse vai durar para sempre, avisa o caótico desfile de denúncias contraditórias, acusações explícitas ou insinuadas, fatos e fantasias irrompendo de braços dados, cobranças indevidas e cachos de queixumes. Tudo somado, está claro que Mirian Dutra é uma prisioneira do ressentimento.

Não há cura para esse oitavo pecado capital. Primo da ira, do orgulho e da cobiça, o ressentimento costuma ser equivocadamente confundido com a inveja, da qual é irmão. As diferenças superam as semelhanças. Invejar, por exemplo, pode ser intransitivo; a inveja frequentemente dispensa objetos diretos. Ressentir (que segundo os dicionários significa “sentir novamente”) é verbo necessariamente transitivo. É sempre conjugado contra alguém, alguma coisa, alguma entidade. No caso de Mirian Dutra, os alvos do ressentimento são FHC, que responsabiliza por não ser feliz, e a TV Globo, que obstruiu os caminhos que a levariam ao sucesso profissional.

“A memória do ressentido é uma digestão que não termina”, constatou o filósofo alemão Friedrich Nietzsche. O ressentido pensa todo o tempo no ajuste de contas. E invariavelmente acredita que sua infelicidade resultou de erros cometidos por outros. A mulher ressentida precisa acreditar que seu único erro foi amar demais. Aos 55 anos, segue enxergando no espelho uma jovem ingênua apaixonada pelo sedutor desalmado que, depois de induzi-la a dois abortos, tratou de afastá-la do país quando o filho Tomás nasceu, para manter em segredo um pecado que, descoberto, colocaria em risco o projeto presidencial acalentado desde criancinha. Com a cumplicidade da Globo, que ampliou a sequência de erros com a decisão de não renovar o contrato vencido em novembro.

As estações do calvário impostas pela emissora de TV são de espantar o mais cruel legionário romano. Redesenhada pela memória de uma ressentida juramentada, a vida mansa em capitais europeias virou desterro, o expediente curto ficou com cara de menoscabo e o salário de milhares de dólares tornou-se um quase nada se comparado ao tamanho do talento sufocado. “Sou a última exilada”, comunicou a desterrada de araque. Haja conversa fiada. Até o gramado do Congresso sabia da relação extraconjugal entre o senador e a jornalista. Em 1994, Ruth Cardoso foi informada pelo próprio marido do que ocorrera. E Mirian reiterou anos a fio que um biólogo era o pai do menino que FHC sempre tratou como filho.

Além das quantias em dinheiro com que foi contemplado desde o dia do parto, o fruto do romance malogrado ganhou do ex-presidente um apartamento avaliado em 200 mil euros. Em 2009, Fernando Henrique assumiu publicamente a paternidade de Tomás. Meses depois, dois exames de DNA atestaram que o pai biológico era outro. Amparado nos laços afetivos, FHC não mudou de ideia. “Ele sempre será meu filho”, explicou. Mirian contestou a autenticidade dos exames, afirmou que a admissão de paternidade nunca foi oficializada, culpou FHC pela fragilidade dos vínculos que unem Tomás à mãe e acusou o objeto do ressentimento de ter forjado contratos com uma empresa com braços no exterior para consumar as remessas de dinheiro.

“Mas os recursos sempre saíram da renda dele”, ressalvou. Foi o que ressaltou o ex-presidente na nota divulgada no mesmo dia da entrevista publicada pela Folha. Com a elegância possível, a vítima do acesso de cólera dissipou as zonas de sombra produzidas pela entrevistada, rebateu as acusações, declarou-se pronto para outros testes de DNA e deixou claro que, por mais constrangedoras que tenham sido as declarações, não tem motivos para preocupar-se com o que diz a ex-namorada. De novo, FHC fez o contrário do que Lula faz. Mas o PT reagiu à providencial reaparição de Mirian Dutra com a euforia dos colonos de velhos faroestes que, entrincheirados no círculo de carroções atacados por índios, ouvem o clarim que anuncia a chegada da cavalaria americana.

Apavorados com as evidências de que as bandalheiras no sítio em Atibaia e no triplex do Guarujá anteciparam a morte política de Lula, alguns devotos da seita agonizante se empoleiraram na manifestação de ódio da ex-amante sem esperança para convencer o país de que nada do que o chefe fez é mais grave do que FHC foi acusado de fazer. Como no PT não há limites para o cinismo, nem para o ridículo, querem que o ex-presidente seja investigado pela Operação Lava Jato. Se houver algo a apurar sobre Fernando Henrique, que venham as investigações. Mas que sigam adiante, e em ritmo menos exasperante, os inquéritos e processos que cuidam dos crimes cometidos por Lula e sua amante Rosemary Noronha. O Brasil decente exige que seja concluído o que a Operação Porto Seguro começou em 23 de novembro de 2012.

Faz três anos e três meses que o país que presta aguarda o desfecho do escândalo em que o chefe supremo se meteu ao lado de Rose ─ e a punição dos delinquentes que embolsaram milhões de reais com o tráfico de influência e o comércio de pareceres pilantras. Faz três anos e três meses que os que cumprem as leis são afrontados pela mudez malandra do farsante que promoveu uma gatuna de quinta categoria a chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo. Faz três anos e três meses que o Estado Democrático de Direito é desafiado pelo poço de arrogância que nunca deu um pio sobre a chanchada pornopolítica que estrelou em dupla com a Segunda Dama.

Abalroado pela divulgação parcial das patifarias desvendadas pela Operação Porto Seguro, o reizinho enfim destronado reprisou o ritual a que obedece quando pilhado em encrencas de bom tamanho: emudeceu, evadiu-se da cena do crime e foi para o exterior esperar que a poeira baixasse. Três semanas depois, recuperou a voz para dizer que nada tinha a dizer sobre “assuntos íntimos”. De lá para cá, não recitou uma única e escassa palavra aproveitável sobre o caso de polícia que apresentou ao país, além da Primeiríssima Amiga, os bebês de Rosemary.

Foi o primeiro escândalo que Lula não pôde terceirizar. Não houve intermediários entre os parceiros de alcova. Não há bodes expiatórios a mobilizar. É compreensível (e intolerável) que fuja como o diabo da cruz de pelo menos 20 perguntas sem resposta:

1. Onde e quando conheceu Rosemary Noronha?

2. Como qualifica a relação que manteve com Rose durante pelo menos 12 anos?

3. Por que escolheu uma mulher sem experiência administrativa para chefiar o gabinete presidencial em São Paulo?

4. Por que pediu a Dilma Rousseff que mantivesse Rose no cargo?

5. Por que Rose foi incluída na comitiva presidencial em mais de 20 viagens internacionais?

6. Por que Rose usava passaporte diplomático?

7. Por que o nome de Rosemary Noronha nunca apareceu nas listas oficiais de passageiros do avião presidencial divulgadas pelo Diário Oficial da União?

8.  Todo avião utilizado por autoridades em missão oficial é considerado Unidade Militar. Os militares que tripulavam a aeronave sabiam que havia uma clandestina a bordo?

9. Por que Marisa Letícia e Rose nunca foram incluídas numa mesma comitiva?

10. Quais eram as tarefas confiadas a Rose durante as viagens?

11. Como foram pagas e justificadas as despesas de uma passageira que oficialmente não existia?

12. Por que nomeou a pedido de Rose os irmãos Paulo e Rubens Vieira para cargos de direção em agências reguladoras? Conhecia os nomeados?

13. Por que Rose tinha direito ao uso de cartão corporativo da Presidência?

14. Por que foram mantidos em sigilo os pagamentos feitos por Rose com o cartão corporativo?

15. Como se comunicava com Rose? Por telefone? Por e-mail?

16. Sabia das reuniões promovidas por Rose no escritório da presidência? Depois das reuniões, era informado sobre o que fora decidido pelos integrantes da quadrilha?

17. Por que os honorários dos advogados de Rose são pagos por Instituto Lula?

18. Encontrou-se com Rose nos últimos 3 anos e 3 meses?

19. Nunca soube de nada?

20. O que foi que disse em casa?

Sem medo da sordidez do PT, FHC replicou imediatamente ao que disse a ex-amante ressentida. Favorecido pela tibieza da oposição oficial, Lula jamais comentou o que fez a concubina vigarista.

O que Mirian pretendia? Acusar FHC de ser um bom pai do filho que não gerou?



Valentina de Botas

O texto de Augusto Nunes ajuda a entender por que um homem de caráter e alma sãos é diferente de um sem caráter até mesmo quando ambos cometem erros na vida pessoal que podem ou não se refletir no exercício da vida pública e erros desta que servem àquela.

Duas são as questões mais importantes para os contribuintes brasileiros: 1– não sustentamos a ex-amante de FHC; que, diferentemente do jeca, FHC não se portou como um PR que liberou a amante jeca a traficâncias e achaques; nem lhe franqueou um cartão corporativo; e 2 – contrastar mais uma vez o caráter das duas figuras que polarizam a política brasileira desde a redemocratização.

Jeca entre jecas num tempo que lhes sacia os apetites e premia a mediocridade, Rosemary é simplória sem ser simples. O mau gosto dela não é crime, é somente muito desagradável e um direito que lhe assiste. O problema da nação é a moral que o acompanha. 

Pois, ainda que Rosemary fosse cheia de finesse e doutorada em Rilke, usasse talher de peixe e frequentasse vernissages (que sempre achei meio jecas), nosso drama seria o mesmo: a nação, exaurida por mediocridades que custam de uma lipoescultura a um petrolão inteiro e respectivos afluentes, pagou e paga todos os gozos. 

Uma cornucópia aberrante de pilantras que degradam nosso presente, roubam nosso futuro e aprimoram a degenerescência da linhagem de homens e mulheres públicos.

Semelhante a Mônica Veloso que desaparecia como “a gestante” nas falas vigaristas de Renan Calheiros que não pronunciava o nome da amante sustentada pela Mendes Júnior numa troca de favores, Rosemary Noronha esconde-se, com as bandalheiras de fora, no “ela” do cúmplice PR nas poucas vezes em que se referiu, e vagamente, ao assunto.

E Mirian Dutra, açulada pela súcia, pretendia exatamente o quê? Acusar FHC de ser um bom pai do filho que não gerou? Bem, ele confirmou o bom pai que é do filho que não gerou. Vingar-se do fim do namoro? 

Ora, Mirian deveria ter sido avisada que essa exposição vexaminosa – para ela – não é a pior coisa que enfrenta alguém que, com décadas de vida pública, é contemporâneo de uma aberração chamada PT e a caça preferida dela – FHC, no máximo, deve estar compadecido da ex-amante. Ter alguma fama ainda que infamante? Pois, saiba Mirian, que o assunto não será ela, mas FHC, é dele que a súcia falará.

Mirian, que Mirian? A essa altura, a pobre mulher já deve estar de volta à vasta solidão habitada pelos fantasmas que o ressentimento nutre. Felizmente, resta a Tomás um pai de caráter e alma sãs. E tomara que o filho queira e possa cuidar da mãe; ela talvez não saiba, mas precisa muito.

O processo de morrer


Fernando Gabeira

O New York Times revisou no domingo cinco livros que falam de morte. O tema voltou às livrarias americanas. Na verdade, volta e desaparece, com constância. Um desses livros, Mortais, de Atul Gawande, acabo de ler. Ele é um jovem médico filho de um médico indiano, que acompanhou, além da morte do próprio pai, outros processos delicados e dolorosos.

A tese básica do livro é a de que a sociedade tecnológica, talvez pela sua incrível capacidade científica, descuidou do processo de morrer, de como é importante para os doentes escreverem seu próprio capítulo final. Em vez de cuidados paliativos diante da morte próxima e inevitável, os médicos, às vezes, submetem os pacientes a longos processos extremamente dolorosos, caros e, no final das contas, inúteis.

Durante a doença e morte de Tancredo Neves, cheguei a fazer um programa onde interrogava, com todo o cuidado, se não era melhor desligar os aparelhos e deixá-lo morrer em paz. O problema não se limita ao instante final. A medicina paliativa, segundo os exemplos que Gawande nos dá, não só evita inúteis processos de quimioterapia e operações dolorosas. Ela, efetivamente, ajuda as pessoas a escreverem o capítulo final de suas vidas, às vezes ir à formatura de um neto, rever um certo lugar do mundo, enfim, as escolhas dependem de cada pessoa.

Em países pobres, com um sistema de saúde precário, quase não existe essa intensificação tecnológica diante do leito de morte. É um problema das classes médias e países desenvolvidos. O tema me interessa muito do ponto de vista humano. Mas, às vezes, sou tentado a extrapolar os limites do indivíduo e examinar o processo de morte no curso da história.

Na política, a morte é quase uma palavra proibida. Partidos se preparam para a longevidade no poder. Sérgio Motta, um ministro tucano, dizia que o projeto do PSDB era ficar 20 anos no governo. Quando o PT tinha as mesmas pretensões de tempo. Mas, rapidamente, caiu na tentação da eternidade. Para um pensamento rigoroso de esquerda, não havia, realmente, alternância no poder, mas uma simples troca de siglas, representando os interesses do mesmo grupo dominante. Como produzir uma ilusão de alternância e manter o poder para sempre?

No caso da burguesia, a base fundamental de sua proeza era a propriedade dos meios de produção. É muito difícil estatizar tudo na economia. Mesmo não estatizando tudo, o pouco que se avança nesse caminho é suficiente para grandes tragédias econômicas, como a da Venezuela. Mas é possível criar uma burguesia amiga em torno do estado, comprar o Congresso, escolher juizes e procuradores e, com algum dinheiro, criar imprensa favorável.

Mas um país não é feito apenas de corruptos e idiotas, embora no Brasil exista uma concentração respeitável que reúne essas duas condições. A experiência econômica fracassa, a corrupção torna-se um escândalo. Em princípio, o caminho é negar. Com o tempo, adota-se o argumento de que todos fazem. O partido que prometeu ética na política decadente procura se esconder nas dobras do sistema político que condenava. Ser igual aos corruptos tradicionais é, na verdade, uma atenuante, porque ele se sabe muito pior. Seu projeto não é apenas se corromper, mas tocar um universo corrompido como um grande maestro.

Os marqueteiros soam para mim como os médicos que dominam a tecnologia: sempre têm uma solução para retardar a morte, mesmo em detrimento da qualidade de vida. O PT e o sistema partidário no conjunto vivem uma vida miserável sob aparelhos: infusões, radioterapia, náuseas e vômitos, tudo isso porque são incapazes de escrever o seu próprio capítulo final.

Um indivíduo diante da morte costuma revisitar lugares, cicatrizar feridas, reparar, dentro dos limites, alguns dos erros, admitir sua finitude e desaparecer com dignidade. Nada disso está em cena. Nem com o PT nem com os restantes partidos que perderam o contato com a seiva vital: a participação ativa da sociedade.

Essa incapacidade de reconhecer que os partidos são mortais, seria apenas mais uma ilusão, entres os milhares que povoam as modernas salas de cirurgia. No entanto, na busca desesperada de uma sobrevida, o PT e aliados não se importam em arrastar o país para o abismo. Se o Brasil aceitar isto, ele não morrerá. Mas as novas gerações terão seu futuro comprometido. Entre as ruínas, veremos a aliança de corruptos e babacas sustentar a presidente que sugere que saiamos por aí para destruir a “mosquita”.

De fato, é a fêmea que transmite zika, e, hoje, se produzem mosquitos estéreis exatamente para que, no contato com elas, inviabilizar seus ovos. Já imagino os domingos em que, seguindo a orientação da grande líder, sairemos às ruas para matar a “mosquita”, certamente com uma boa cartilha superfaturada.

A política do Brasil tornou-se uma farsa. Balões de oxigênio, soro, macas, sedativos tarja preta – os partidos insistem em nos governar do seu hospital no planalto. O próprio ministro da Saúde se sentiu mais à vontade no hospício parlamentar do que nas ruas onde corre a epidemia. Simplesmente se recusam a morrer. Se passam na sua frente, você grita ladrão. Mas se não passam, é como se habitassem um mundo paralelo. É uma imagem imprecisa; paralelas só se encontram no infinito. Estamos sendo ferrados diariamente.

quarta-feira, fevereiro 17, 2016

O dia em que Beyoncé virou negra – outro acerto do Saturday Night Live


Marcela Campos

Se você vive nesse mundo, com certeza já viu que Beyoncé causou na última final do Super Bowl. Depois de ter se posicionado politicamente quanto ao feminismo nos seus shows e músicas, ela protagonizou o show da final esportiva feito com Coldplay e Bruno Mars.

Na apresentação da música nova, Formation, ficou claro o apelo político para a causa negra. As roupas dela e de suas dançarinas remetiam ao grupo Panteras Negras, ativistas do nacionalismo negro, e o X performado por Beyoncé na apresentação nos traz à mente Malcom X, defensor da mesma pauta.

Além disso, a canção é um clamor explícito ao fim da violência, especialmente de origem policial, contra negros nos Estados Unidos. Letra e clipe são cheios de referências – a Messy Mya, rapper negro assassinado a tiros em New Orleans, aos graves preconceito e violência sulistas, a Martin Luther King e aos assassinatos de negros em Ferguson, Carolina do Sul e Baltimore.

Apresentação e canção foram tomadas por ofensa por parte da população branca americana, que está falando até em racismo reverso por parte da cantora, bem como a acusam de desmoralizar a polícia americana que tanto se dedica à segurança e bem-estar de seus cidadãos, mas parece que segue matando negros desarmados. A revolta é tanta que surgiu o mote #BoycottBeyoncé.

Só que outras críticas também foram feitas, com base em diferentes argumentos. O debate tomou conta principalmente das redes sociais, no qual o feminismo de Beyoncé já era posto em cheque.

Foram os trechos de cunho consumista e que chamavam a ostentação, como quando fala de seus vestidos Givenchy, que a colocaram na berlinda da problematização. Outras mulheres negras passaram a questionar o quanto o sustento e incentivo desse padrão de consumo não faria vistas grossas à opressão negra, já que reforça um sistema econômico no qual seu povo está historicamente explorado nas relações de trabalho.

Por outro lado, há quem defenda o empoderamento estético que Beyoncé fortalece: sua imagem seria fonte de identificação positiva para outras mulheres negras, que têm seus traços e beleza tradicionalmente depreciados.

Como pessoa branca, sinto que tenho de aprender e tô é ficando quietinha e ouvindo comentários que chegam até mim. Foi assim que descobri a última esquete de Saturday Night Live, que foi ao ar – obviamente – no último sábado.

Nele, a identificação de Beyoncé com a causa ativista negra é que desperta, nos americanos, o estalo de que, de repente, “oh, deus, essa mulher é negra!”.

A sátira dorme nas entrelinhas: na noção de que a fama, o sucesso, o reconhecimento e um lugar no showbusiness de entretenimento são brancos. Aquele espaço social é branco.

Num país cujas linhas raciais são bem menos tênues que as nossas, no qual diferentes raças pertencem a grupos bem definidos tanto no entretenimento – o discurso de Viola Davis no Emmy 2015 foi de botar pra pensar – quanto na escola – pense nos grupos de negros, brancos e latinos dos colégios públicos estadunidenses –, perceber que a mulher que protagoniza a cena pop mundial é negra só pode ser um choque mesmo.

E saber que essa mulher, símbolo da hiperlucrativa cultura musical de exportação, não é só negra mas é também consciente de sua causa e está a por a boca no trombone, claro, só pode ser motivo pra boicote mesmo.

Porque dá pra vendar os olhos pra sua etnia quando a vemos ostentar símbolos do consumo branco no palco, mexendo seus cabelos louros e lisos, fazendo dinheiro à indústria musical, mas não quando canta sobre a hostilidade de New Orleans e Baltimore aos negros enquanto afunda sobre uma viatura.

Isso foi só o que vi na sátira do SNL, e já foi muito. Mas tô aberta pra ouvir mais, afinal, as críticas ainda não vieram. O convite se estende nos comentários para o debate sobre o engajamento de Beyoncé. Bora?

Com 50 anos dedicados ao jornalismo, Moacir Japiassu despreza a burrice


Colunista do Comunique-se, Moacir Japiassu completa 50 anos no jornalismo

Jornalista que soma funções e passagens por mais de 20 veículos de comunicação – trabalhando em jornais, revistas, emissoras de TV e rádio e escrevendo para sites. Editor-chefe do “Fantástico” (Globo), repórter especial de política do Jornal da Tarde, apresentador da Record e âncora da CBN exemplificam seu desempenho multimídia. Atuação que vai além das notícias do dia a dia. Apaixonado pela literatura também se dedicada a escrever livros, apesar de considerar que o escritor não tem a devida atenção e respeito no Brasil. Ainda mais com três mandatos consecutivos do PT na presidência da República. “Até sentem orgulho do analfabetismo”, afirma.

Assim é o paraibano de João Pessoa, Moacir Japiassu, o Japi. 69 anos de idade com 50 dedicados à comunicação. A comemoração de cinco décadas atuando no jornalismo foi realizada na semana passada – sim, esse é o jovem que na década de 1960 entrou na Redação para ter chance de continuar próximo dos livros sem ter que discutir com o pai. Um dos resultados dessa escolha: vencer o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa de 1999, devido ao trabalho à frente da revista Jornal dos Jornais.

Para repercutir sua carreira cinquentenária, o colunista do Comunique-se, no qual assina o ‘Jornal da ImprenÇa’, publicado às sextas-feiras, o escritor foi entrevistado pelo próprio C-SE. O tempo de foca, o trabalho durante a Ditadura Militar, o próximo livro que está produzindo e críticas à atual geração de jornalistas foram temas da conversa, que está dividida em cinco partes: “Foca”, “Jornalismo X Ditadura Militar”, “Profissional de Diversas Mídias e Funções”, “Literatura” e “Presente e Futuro” são os temas que podem ser vistos a partir da próxima página.

FOCA

Como o então jovem Moacir Japiassu acabou entrando para o jornalismo?

Posso dizer, sem cometer nenhuma injustiça, que devo tudo ao meu pai, funcionário do DNOCS, um sertanejo nordestino, homem muito simples. Para ele, se alguém lia os livros da escola, tudo bem; mas se ficasse o dia inteiro a “perder tempo” com romances e livros de poesia, como fazia o filho... O velho implicava comigo, que, aos 19 anos, estudava muito, mas também passava as tardes na varanda de casa, em Belo Horizonte, a ler os bons autores. Muitos destes me eram apresentados por meu irmão, o jornalista e poeta Celso Japiassu, três anos mais velho do que eu.

Num final de tarde em dezembro de 1961, o velho chegou aborrecido, me viu agarrado com um livro e deu aquela bronca. Eu era um malandro, deveria procurar emprego, e isso aos gritos! Celso era jornalista, chefe de reportagem da edição mineira da Última Hora, estava em casa naquele instante e escutou a discussão, porque não fiquei calado e respondi indignado àquela injustiça paterna.


Período de foca; Moacir Japiassu (esq.) com um amigo (Imagem: ABI)

Daí surgiu a primeira função ocupada no mundo da comunicação?

Mais tarde, meu irmão me aconselhou: “Por que você, que gosta de ler e escrever, não tenta trabalhar em jornal? Uns amigos meus, Guy de Almeida e Dídimo Paiva à frente, estão a formar uma equipe, vão lançar um jornal”. O Correio de Minas deveria estar nas bancas em março do ano seguinte. Guy e Dídimo eram dois dos maiores jornalistas de Minas e do Brasil.

Fui até a sede do jornal, ainda em construção, fiz um teste para repórter e me aprovaram. Começou o treinamento, e, no final de março de 1962, o Correio de Minas chegava às bancas. Eu lá estava, com matéria assinada, para orgulho da família. Meu pai achou o máximo...

Você já declarou que sua verdadeira paixão é a literatura. E ela, a literatura, foi o grande fator que o fez entrar para o jornalismo? A Redação lhe ajudou a ficar perto dos livros?

Como revelei acima, a entrada no jornalismo foi por causa da briga familiar; todavia, a literatura me facilitou tudo, porque eu era garoto, mais ou menos “instruído” e escrevia razoavelmente. Minha turma belo-horizontina era formada por jovens intelectuais, vivíamos a discutir (nos bares, é claro) literatura e cinema. Eu era membro do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), a nouvelle vague estava na moda, assunto não faltava.
 
Qual a história mais engraçada durante os primeiros passos na profissão?

O grande sufoco ocorreu quando fui entrevistar o professor Celso Kelly num hotel em Belo Horizonte. Ele era jornalista (foi presidente da ABI), conhecia os “companheiros” e, por precaução,  ficou a ditar a entrevista. De vez em quando perguntava: “Tomou nota?”. Eu respondia que sim, mas não tomava o “ditado” do professor; apenas anotava os dados.

Quando terminamos, ele pediu: “Agora, leia para eu ver se está tudo certo...”. Gelei na hora, fiquei mais branco do que sou, depois meio esverdeado, e gaguejei: “O senhor... tá... desconfiando de mim?”. Ele, sorridente: “Não, quero apenas saber se você fez tudo direitinho; afinal, é muito jovem...”. Eu fazia cara de indignado enquanto o fotógrafo, que ignorava a situação, insistia:

“Vai, Japi, lê a entrevista pro homem! Não custa nada, pô!...”. Então eu me levantei e encenei a primeira grande bravata da vida: “O que o senhor está pedindo é um absurdo, não posso aceitar uma coisa dessas! Além do mais, preciso ir correndo para o jornal, para redigir a entrevista que fecha daqui a pouco! Se sair alguma coisa errada, o senhor reclame depois com Guy de Almeida, o diretor da Redação”.

E fui saindo às pressas, com o fotógrafo atrás: “Japi, essa entrevista é para a edição de domingo; lê o texto pro professor...”. A correr escada abaixo, porque o mestre poderia me pegar na porta do elevador, gritei para aquela inocência: “Cala a boca, Zé Pinto! Eu não anotei porra nenhuma!”.

A matéria saiu no domingo e o professor Celso Kelly não reclamou de nada.

JORNALISMO X DITADURA MILITAR

Durante boa fase da carreira, você teve que conviver com a ditadura militar. Naqueles 21 anos, quais foram os problemas enfrentados por você? Chegou a receber ameaças, teve texto impedido de ser publicado?

Eu poderia ter sofrido muito com a ditadura, mas isso não aconteceu. Digo que poderia ter sofrido porque fui aluno do CPOR de Belo Horizonte e detestava aquilo, aquele ambiente de arbitrariedades. Ora, se respondi aos gritos do meu pai, por que não iria enfrentar um capitão do Exército? Eu era aprendiz de comunista, frequentava a sede do jornal Novos Rumos, onde brilhava o talento de Ivan Otero Ribeiro, filho de um revolucionário histórico. No CPOR, aquele antro de direitistas, botei as manguinhas de fora e não me dei muito bem...

Fui eleito orador do Grêmio Sampaio, com um discurso radical e inflamado, e os oficiais ficaram de olho em mim. Eu era muito popular, precisava ser devidamente “exemplado”. Reprovaram-me ao final do primeiro ano; fui obrigado a fazer uma “prova de comando”, tirei de letra, mas fui novamente reprovado e condenado a repetir o ano. Achei aquilo um absurdo e literalmente me demiti; pedi as contas.

Mas você chegou temer a tortura...

Nos primeiros dias de abril de 1964 eu estava no Rio de Janeiro. Meu irmão foi intimado a comparecer à Comissão Geral de Investigação (CGI), onde o inesquecível capitão Antonio Carlos Thompson Thomé, do CPOR, que me detestava, lhe perguntou, logo de saída: “Onde está seu irmão?” Celso respondeu que não tinha a menor ideia; Thomé vociferou alguma coisa e ficou nisso. Quando, por telefone, Celso me deu a notícia, fiquei preocupadíssimo, e, tomado de exagero juvenil, já me considerei preso, torturado e... fuzilado! Mas não aconteceu nada disso. Anos mais tarde, deparei com Thomé no elevador de um edifício em Ipanema. Ele tirou os olhos do jornal, me olhou e, aparentemente, não reconheceu o desafeto de cabelos vermelhos. O Brasil era um país de ruivos, como se sabe.


Japi afirma: grande imprensa apoiou o Golpe de 64

Dizem que os censores eram, tecnicamente, pessoas de baixo nível intelectual. Com isso, os jornalistas que enfrentavam a fase ditatorial abusavam da criatividade para burlar a censura. Qual o fato mais marcante disso?

A partir de 1968, com o AI-5, a censura tomou conta das redações e a mais, digamos, criativa resistência ocorreu em São Paulo; o Jornal da Tarde ocupava as páginas censuradas com receitas culinárias e o Estadão preferiu reproduzir versos de Os Lusíadas. A impertinência fez grande sucesso. E é sempre bom recordar que Carlos Castello Branco, colunista político do Jornal do Brasil, continuou a escrever diariamente sobre sua especialidade e não foi incomodado por censores. Castellinho sabia como “tourear” uma inteligência curta...

Para fugir à sanha dos militares você pensou em se exilar? Ou sempre quis, com seus textos, enfrentar a ditadura até o último momento?

Não precisei “enfrentar a ditadura”; nos primeiros quinze anos daquela estupidez, trabalhei principalmente nas editorias de esporte, variedades e cultura. Somente entre 1977 e 1979 é que, como repórter de Istoé, me dediquei mais à política. Todavia, os tempos já estavam bem mais amenos, a ditadura enfraquecida não incomodava tanto.

Como jornalista, você esperava que a ditadura brasileira durasse mais de duas décadas? E, em sua opinião, os jornalistas e veículos de comunicação tiveram grande participação na derrocada do regime?

Imaginei que aquilo durasse pouco tempo. Tudo no Brasil é passageiro, menos o cobrador e o motorneiro, como se dizia antigamente. Os militares queriam dar o golpe desde 1945, com a deposição de Getúlio Vargas; não foi possível, então prepararam outra ação quando Getúlio se matou; também não deu. Houve tentativas outras, como o episódio de novembro de 1955, quando o general Lott garantiu a posse de Juscelino, mas somente em 1964 é que conseguiram, finalmente, tomar o poder.

Como você avalia a relação da mídia com os ditadores?

Apareceram os “líderes civis” daquela cretinice, como Magalhães Pinto, governador de Minas, e Carlos Lacerda, governador do Rio, mais um eito de generais, os “líderes militares”. Achei que era muita gente a mandar, a “revolução” não iria muito longe. Do ponto de vista histórico, não foi muito longe mesmo; porém, viver aquela desgraça por 21 anos foi uma das maiores perdas de tempo já verificadas neste país. Convém não esquecer que a chamada grande imprensa apoiou o golpe de 1964; depois, com seus interesses contrariados, começou a fazer oposição. O próprio Correio da Manhã, que havia publicado dois terríveis editoriais contra João Goulart, intitulados “Basta!” e “Fora!”, logo se arrependeu e partiu para o ataque aos militares, com seu cronista Carlos Heitor Cony na linha de frente.


PROFISSIONAL DE DIVERSAS MÍDIAS E FUNÇÕES

Seu início de carreira foi no jornal impresso, mas você soma passagens em TV, rádio, revistas e internet; atualmente é colunista do Comunique-se. Quais os pontos positivos e negativos de cada meio de comunicação?

São linguagens muito diferentes, cada uma tem virtudes e defeitos. Parece-me, contudo, que a internet vai dominar a paisagem, pois reúne os atributos das demais. Será aperfeiçoada com o passar dos anos e aí teremos a chave que abrirá todas as portas.

Além de redator, repórter e apresentador, você acumulou experiência como chefe de atrações e de veículos de comunicação. Foi também diretor de Redação da revista FootBall e editor-chefe do “Fantástico”, da Rede Globo. Entre todos, qual foi o cargo que mais alegrias lhe trouxe?

O melhor período de minha vida profissional se passou entre 1964 e 1967, no Jornal do Brasil, cuja Redação era comandada por Alberto Dines. Eu trabalhava na sucursal do Diário de S. Paulo e fui convidado por Murilo Felisberto para ser redator do recém-criado Departamento de Pesquisa. Este não era, como se pode imaginar, um simples arquivo do jornal; tratava-se de uma super-secretaria responsável por textos que davam “molho” às matérias do dia a dia e ainda criava e editava suas próprias matérias e cadernos especiais. No meu caso, o prazer aumentava porque o Jornal do Brasil dos anos 1960 era a paixão de todos nós, jovens jornalistas; trabalhar ali era como ganhar um troféu.

No jornalismo, assim como em quaisquer profissões, o chefe tem que tomar decisões que nem sempre agradam à equipe, casos de mudança na linha editorial e até demissões. Como é lidar com essa pressão profissional?

Nunca gostei de chefiar coisa alguma; sempre dei um jeito de não aceitar os convites que recebi no início da profissão. No Departamento de Pesquisa, por exemplo, quando Murilo Felisberto voltou para São Paulo, queria que eu ficasse no lugar dele. Respondi que não era a pessoa indicada, sugeri o nome de um colega do Correio de Minas, Samuel Dirceu, e eu mesmo viajei a Belo Horizonte para lhe fazer o convite em nome do Murilo. Samuel aceitou, e, com ele, tivemos um ótimo período na Pesquisa.


Capa da primeira edição da revista Foot Ball com João Havelange na capa. Japiassu conta que publicação pode voltar ao mercado

Porém, chegou o momento que o convite para chefiar uma Redação não foi recusado...

Em 1967, José Itamar de Freitas me convidou para ser o chefe de Redação de uma revista que era ainda um projeto, a Enciclopédia Bloch; eu novamente tentei tirar o corpo fora, mas ele me disse algo que mudou minha vida daí em diante: “Se você, um jornalista competente e honesto, diz não a um convite para ser chefe, pode acreditar que um filho da puta vai ocupar o cargo”. A vida me provou a verdade de tal assertiva...     

Qual o principal atributo para comandar uma equipe de jornalistas?

Chefiei algumas vezes, mais para evitar aquele filho da puta citado pelo Itamar, porém nunca gostei. Comandar jornalistas exige uma paciência que não tenho, infelizmente. Gosto de passar experiência, de ensinar o que aprendi, sempre me dei bem com os focas; mas a verdade é que quase ninguém aceita críticas. Por mais jovem que seja, o elemento se considera um gênio e isso transforma o relacionamento num inferno.

Sobre essa questão de jornalistas não aceitarem críticas, inclusive os focas, tem um caso no JT que exemplifica muito bem essa sua afirmação. Com texto ruim e arrogância, o cidadão deixou o jornalismo de lado?

Certa vez, no Jornal da Tarde, o editor de esportes, Kléber de Almeida, me passou um texto tenebroso; não foi possível aproveitar uma vírgula daquele atentado ao jornalismo e à língua portuguesa. Reescrevi tudo e o Kléber entregou o resultado ao candidato a foca. O sujeito leu, chegou-se ao editor, e, cheio de arrogância, perguntou quem tinha mexido “no texto dele”. Kléber me apontou com os olhos e o elemento, mais arrogante ainda, aproximou-se de mim: “Foi você quem mexeu no meu texto?”, inquiriu. Levantei os olhos e perguntei, no mesmo tom: “E quem lhe disse que você tem texto?”. Ele desistiu do pesadelo de ser um astro da reportagem.  

Com a criação da revista Jornal dos Jornais e da já citada FootBall, quais as principais tarefas a desempenhar para conseguir manter um veículo de comunicação no mercado? E por qual razão as duas publicações foram extintas?

A falta de recursos foi o principal problema nosso, embora a FootBall não deva ser considerada “extinta”; ocorreu uma “parada técnica”. Como não é publicação vendida em bancas e não está presa a nenhuma periodicidade, pode parar e voltar de repente, como um drible de Pelé. É bem possível que esteja de volta proximamente. Estamos a trabalhar com este objetivo.

Jornal dos Jornais é que se acabou mesmo, porque tínhamos apenas dois patrocinadores e a verba estava longe de nos permitir vida longa. E é preciso dizer que se não fosse o empenho pessoal do Miguel Jorge, na época diretor da Volkswagen, a revista nem teria nascido; ele conseguiu liberar uma verba, por meio da Lei Rouanet, e pediu a outro jornalista de respeito na praça, Tom Camargo, diretor do HSBC, que também nos ajudasse. Acontece que precisávamos de mais duas cotas, estas não foram conquistadas e tivemos que fechar a revista. Esclareço que pagamos todas as dívidas, inclusive com o sacrifício de uma modesta poupança doméstica. De todo modo, em sua curta vida Jornal dos Jornais nos deu muitas alegrias, entre as quais o Prêmio Esso de Contribuição à Imprensa de 1999.

LITERATURA

O que leva um jornalista a se tornar romancista?

Não sei. Creio que não se deve generalizar, embora os jornalistas tenham, quase todos, certeza de que vão escrever um livro algum dia. Na maioria das vezes é apenas um longínquo projeto, um sonho que jamais se realizará.

Falta incentivo e reconhecimento aos escritores brasileiros?

Falta, sim. Você precisa de uma grande editora, capaz de investir na publicidade do livro. Paulo Coelho, esse fenômeno editorial, disse certa vez que seus leitores só aparecem nas livrarias para comprar os livros dele e deve ser verdade, pois o brasileiro nunca foi chegado em leitura e muito menos em literatura; falta-lhe um mínimo de cultura e também não existe o hábito de se folhear um livro. Agora, com a eleição de Lula e Dilma, até sentem orgulho do analfabetismo.


Japi, com exemplar da revista Jornal dos Jornais, está se dedicando à produção de mais um livro

Você está preparando mais algum livro?

Um escritor está sempre “escrevendo” um livro; se não no computador, pelo menos na cabeça eivada de “grandes projetos”. Como meus livros não vendem, falta-me um mínimo de incentivo para criar, mas assim mesmo insisto, porque não sou vendedor de livros, sou escritor. E não sou um mau escritor, modéstia à parte. Em meio a outras obras menos desgastantes, escrevi três romances que foram bem recebidos pela crítica.

Quais as características desse novo projeto?

Atualmente, trabalho noutro romance, cujo personagem principal é um velho jornalista carioca que vive na favela em companhia de uma faxineira do hospital Souza Aguiar. Ele está, evidentemente, na miséria, porém surge uma oportunidade de ganhar dinheiro e o personagem sonha com isso. Uma, digamos, curiosidade do romance é que todos os personagens são criaturas sem caráter algum. Afinal, comecei a escrever na época do mensalão. Trabalho devagar, por causa dos outros afazeres, e sofro obrigatória influência do dia a dia. No Brasil, a realidade é tão impressionantemente sórdida, tão canalha, que já pode ser considerada ficção.

O que te irrita em relação à literatura?

Para mim, é inconcebível a “literatura pela literatura”, essa vertente do chamado vanguardismo. Estou convencido de que o leitor gosta de uma história bem contada, bem tramada. Esse negócio de tentar imitar James Joyce não me atrai. Se você tem um “enredo” interessante e capacidade para desenvolvê-lo numa boa linguagem, você estará a fazer literatura e isso me basta.


PRESENTE E FUTURO



“Nada substitui o talento”, ressalta Moacir Japiassu

Que avaliação você faz da qualidade do jornalismo brasileiro, do seu início no Correio de Minas até o momento atual?

Escrevíamos melhor, muito melhor; era bacana dar um furo, porém os colegas respeitavam mesmo aqueles que escreviam bem. E não havia muitas escolas de jornalismo, a meninada aprendia com os veteranos das Redações. Hoje, se tudo fica mais fácil com a internet, o talento continua a fazer a diferença.  “Nada substitui o talento”, diz aquele anúncio.

Como você espera ver o jornalismo daqui a dez anos? Domínio da internet, fim do impresso?

Não tenho a pretensão de “ver” o jornalismo daqui a dez anos. Posso apenas imaginar que teremos o domínio da internet, sim. Não creio que o jornalismo impresso aguente a concorrência, principalmente com a proliferação desses aparelhinhos que se leva no bolso e são conectados aos satélites, esteja o usuário onde estiver. 

Recentemente, houve críticas ao fato de você ter se referido a um lutador de boxe como “gorilão”. Faltou, na sua visão, conhecimento dos críticos que não acompanham a sua coluna para ver que você já se referiu a si próprio como “macacão”?

Também já escrevi que o maior problema da humanidade não é nenhuma doença transmissível; é a burrice. Os “politicamente corretos” são, em princípio, seres desprezíveis e de uma burrice sideral, pois ignoram o bom senso. No caso do gorilão, protestaram porque o elemento era um negão africano. Hoje em dia você não pode falar nada de alguém que seja negro. Tudo é racismo. Ora, o sujeito foi apresentado como lutador de boxe, mas era simplesmente um canalha, um sujeito nojento que agrediu o adversário com tapas e cusparadas. Ficar calado diante de uma coisa assim é covardia, é coisa de gente sem caráter, um “pomba d’água” como dizemos no sertão nordestino.



NOTA DO MOCÓ: Esse texto foi publicado no portal Comunique-se, em abril de 2012. O jornalista Moacir Japiassu faleceu no dia 4 de novembro de 2015, aos 73 anos. Para maiores detalhes, clique aqui.