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segunda-feira, julho 11, 2016

Das Tribos Indígenas às Danças do Cacetinho


Os estilistas Bosco Fonseca (“Arroz”) e Luiz Gaudêncio (“Mococa”), como destaques da Tribo dos Andirás, em meados dos anos 60

Para os índios, a floresta é o único mundo que conta, o seu verdadeiro habitat natural. Da floresta, eles obtêm tudo o que precisam para suas vidas, desde material para a construção de suas ocas, utensílios básicos, ferramentas, implementos de caça, até alimentos e remédios. Eles sabem que compartilham esse habitat com outros seres vivos, animais de muitas espécies diferentes, que, às vezes, podem ser caçados para alimentar seu povo.

Desde pequenas, as crianças aprendem o essencial sobre a floresta. Ainda jovens, adentram na mata com seus pais, tios e avôs para incursões de caça ou coleta de frutos, sementes, mel, cipós e ervas medicinais. A floresta é como uma grande enciclopédia viva para o conhecimento indígena.

O contato dos povos indígenas com comunidades próximas tornou algumas de suas lendas conhecidas, de modo que foram absorvidas pela cultura regional brasileira, como a lenda amazônica do boto tucuxi, que gosta de seduzir e namorar as moças incautas às margens dos igarapés. Outras lendas são específicas de cada tribo.

É o que explica a pesquisadora e curadora do Museu do Índio do Rio de Janeiro, Chang Whang. “Geralmente cada povo indígena tem seus mitos de origem, de como seu povo veio a ser. São os mitos cosmogônicos. Esses mitos, transmitidos oralmente, de geração a geração, são muito importantes na formação do indivíduo social, pois fornecem coesão simbólica à percepção do indivíduo como parte de um corpo social, reforçando sua identidade étnica. Desde tempos imemoriais, os mitos descrevem eventos que se dão no mundo indígena, e a floresta é o elemento concreto, visível e tangível desse mundo”, diz ela.


Em Manaus, o cordão folclórico intitulado “Tribo Indígena” consistia de um agrupamento de homens, mulheres, jovens e crianças usando as vestimentas tradicionais (tangas ou saiotes feitos de penas de animais, folhas de plantas, entrecasca de árvores, sementes ou miçangas), cocares, pinturas corporais e adornos plumários de uma determinada nação indígena.

Para dar maior veracidade ao conjunto, as tribos costumavam fazer suas apresentações exibindo a presença de pequenos animais vivos, tais como macacos, papagaios, tucanos, araras, quatis, tatus, cobras jiboias, camaleões, jabutis, etc.

De um modo geral, as tribos recontavam cenicamente as lendas indígenas mais conhecidas (vitória-régia, mandioca, guaraná, uirapuru, jurupari, cobra-grande, festa da tucandeira, lagarta-de-fogo, etc), mas tinham uma especial predileção por encenar a “Lenda da Menina Moça”.

Nessa lenda específica, os principais personagens do enredo são o tuxaua, o pajé, a cunhan poranga (a “moça bonita”, considerada a índia mais bela da tribo), o seringueiro e o caraíba (o apresentador do auto, quase sempre vestido de coronel de barranco).

Os cânticos e os diálogos dos índios eram sempre feitos na língua geral (“nheengatu”), com exceção do caraíba (que apresentava o enredo para a plateia) e do seringueiro, que se comunicavam em português. 


O espetáculo tinha início com a tribo chegando a um determinado local da floresta para erguer sua nova maloca. Após realizarem essa tarefa, a tribo inteira ia dormir. Já era noite alta quando o tuxaua desperta, olha para o céu e vê a lua nova. Ele então acorda o resto da tribo e ordena que comecem os preparativos para a “Festa da Moça Nova”, ou seja, da menina que menstrua pela primeira vez e se torna mulher.

Homem destemido e autoritário, o cacique bate no chão com um grande cacete de cumaru avisando aos índios que a pajelança vai começar. Uma das índias de confiança do tuxaua apanha algumas plantas e começa a benzer o terreno, secundada pela cantoria de um casal de índios.

O tuxaua chama para o centro do terreiro a cunhan poranga, sua filha caçula, que se aproxima do pai acompanhada pelas suas duas irmãs mais velhas. Ela é seguida pelas três mulheres do tuxaua, que se diferenciam das demais índias da tribo por terem o cabelo longo, liso e negro num comprimento abaixo da linha da cintura.

O pajé da tribo se aproxima da moça nova e, com o auxílio de maracás, começa a afugentar os demônios e os maus espíritos que atormentam as meninas quando entram na puberdade.

Antes de iniciar a escolha do índio da tribo que vai desposar a moça nova, o tuxaua ordena que todos eles se embrenhem na floresta para uma grande caçada, a fim de obterem alimentos que serão moqueados para a grande festa. A cunhan poranga fica sozinha na aldeia.

Nesse momento, um seringueiro que perambulava perdido na floresta se aproxima da moça nova para pedir uma informação sobre como chegar ao caminho de Itapauá, onde ficava seu tapiri, e acaba se apaixonando perdidamente pela índia.


Para conquista-la, ele oferece suas ferramentas de trabalho. A cunhan poranga, entretanto, não entende o que ele fala, pois não conhece a língua dos brancos. Ela pergunta o que ele faz no território de sua tribo. Ele não entende o que ela diz por que também não conhece a língua daquela tribo. O seringueiro tenta acariciar seu cabelo. A índia grita, aterrorizada.

Ouvindo os gritos da moça nova, os índios retornam imediatamente à aldeia e prendem o seringueiro, que deverá ser morto na manhã seguinte. O tuxaua escolhe três guerreiros para ficarem vigiando o prisioneiro e o resto da tribo vai dormir. De madrugada, os vigias acabam adormecendo.

A moça nova, que havia gostado do seringueiro e agora queria casar com ele, aproveita a oportunidade para libertar o prisioneiro e, por meio de mímica, indica o caminho de Itapauá, onde ficava seu tapiri. O seringueiro beija a cunhan poranga no rosto e vai embora.

Quando o dia amanhece, os índios dão pela falta do prisioneiro e soa o alarme.  O tuxaua, enfurecido, ordena ao pajé que os vigias relapsos sejam castigados. Após o castigo, o pajé diz que a paz voltou novamente à aldeia e o tuxaua ordena o reinício da festa. Os índios começam a dançar e o caraíba anuncia o fim do espetáculo.

É evidente que esse enredo folclórico de encenação recorrente entre quase todas as tribos existentes em Manaus (Maués, Andirás, Iurupixunas, Manaú, Amazonas, Guaranis, etc) era uma versão bastante diluída da verdadeira “Festa da Moça Nova”, praticada pelos índios ticuna, conforme relato abaixo do sertanista Sebastião Alves Pinto:


Na margem esquerda do rio Solimões, cerca de 120 quilômetros abaixo de Tabatinga, desembocam o rio Tocaná e o Igarapé do Belém. Na vasta região compreendida entre esses dois cursos de água, habita a tribo dos ticuna. São quase dois mil índios. Que vivem primitivismo interessante, com hábitos os mais estranhos. Esses aborígenes adotam a monogamia. Mas os chefes são polígamos, obrigatoriamente, sendo tolerada a bigamia dos guerreiros.

Os ticuna conservam entre os usos e costumes exóticos, alguns ritos religiosos dignos de nota. Na festa da moça nova, o ritual tem que ser cegamente observado, sob pena de morte.

Quando a mocinha, a cunhantã atinge a puberdade, esse fenômeno biológico tem que ser celebrado com estranhas práticas. Assim recolhem a indiazinha numa cabana isolada, redonda, feita de ripas de palmeira, coberta de palmas. Segredada do convívio de todos, por longos dias, a donzela aguarda as festas do ritual, cujos preparativos se fazem intensamente. O pajé, o maior poder da tribo, orienta a aprontação.

Depois de concluídos os preparativos da cerimônia, feitos pelos parentes da mocinha, marca-se a data das festividades. E sai um membro da família a fazer os convites. Curiosa é a maneira de convidar. O índio, pilotando a sua “montaria”, vai de igarapé em igarapé, corre de maloca em maloca, munido de um instrumento rústico, feito de bambu silvestre e a que dão o nome de “aricanha”. Ao atingir o porto da residência do indivíduo a ser convidado, o emissário modula alguns sons da aricanha. E segue viagem sem nada mais fazer. Pela modulação, o convidado fica sabendo o dia, o lugar e a hora da festa e mais ainda, quem é o festeiro.

Chega o grande dia. Começa a festança. Esta tem início pela recepção dos convidados. Há larga distribuição de “caxiri” e de “caiçuma”, bebidas fermentadas. A embriaguez coletiva dura três dias. E há música bárbara. E há danças típicas. Aos sons das aricanhas, tantans, japurutus e outros instrumentos primitivos, toda uma estranha coreografia é exibida e aplaudida pelos bugres. Enquanto dançam, algumas mulheres velhas, experientes, iniciam a donzela, reclusa nos segredos da vida adulta.

Ensinam-lhe coisas do amor. E dão-lhe instruções sobre as obrigações da mulher, tais como atividades domésticas, saber fazer bebidas, trançar a rede para o marido, acostumar-se ao sofrimento, obedecer cegamente ao seu homem e outras coisas mais. Depois submetem-na às provas da tentação e curiosidade. Pratica-se então, a cena do Pai de Vento, feita por mascarados vestidos grotescamente. E tudo termina com um bailado selvagem e violento representando lutas e morte.

Então terminadas as provas, vem o fecho da festa. Num ambiente de embriaguez completa, ultima-se a função. A iniciada é transportada para o terreiro da aldeia. A um sinal do chefe da tribo, algumas megeras, atiram-se sobre a mocinha. E entram a arrancar-lhes os cabelos, que tinham sido previamente pintados com pasta de jenipapo. Com uma rapidez incrível, vão arrancando os cabelos da donzela ticuna.

Coberta de sangue, descabelada, ferida, a iniciada não grita, nem geme. Num dado momento, o pai, o dono da festa, chama um guerreiro de sua simpatia e doa-lhe a filha. Para que dela faça sua esposa. Não importa que o guerreiro já seja casado. O marido escolhido, toma-a nos braços, conduzindo-a para sua maloca, onde ela vai ser a “tucunuá”. E consuma-se a noite de núpcias, bárbara e original, sob a ação da “caiçuma” e debaixo do estrondar dos tantans. E a selva continua a viver em pleno regime de pajelança.

A Dança do Cacetinho


Também conhecida como “Dança dos Tarianos” ou “Cacetinhos de Tefé”, trata-se de uma dança de origem indígena, exclusivamente masculina, consistindo de um combate coreografado entre duas parelhas de rapazes com vestimentas indígenas e portando um pequeno bastão de madeira (daí o nome cacetinho), que representam a luta entre tribos ou clãs rivais.

As duas tribos inimigas são caracterizadas pela predominância das cores vermelho e azul em suas vestimentas. Durante o combate, eles tanto realizam desenhos coreográficos lineares (somente com sua parelha) quanto em dupla (com a linha de rapazes que dançam a sua frente), utilizando os seus bastões contra os bastões da linha rival.

Durante a apresentação, as tribos realizam uma série de coreografias específicas de acordo com a denominação de cada ato e obedecendo as ordens do apitador/marcador: Ritual (com a entrada da índia branca), Entrada dos Guerreiros, Cacetão, Palma, Cacete Manso, Queda, Lodum, Anta, Lenço, Cacete Doido e Despedida.

A dança apresenta alguns destaques típicos (índia branca, pajé e índias guerreiras), cujo papel secundário consiste apenas em proporcionar uma maior beleza plástica e visual ao cordão folclórico. Um pequeno grupo de músicos faz a trilha sonora da apresentação.


Originária do município de Tefé, a dança foi trazida para Manaus pelo pesquisador Gaudêncio Gil, no ano de 1958, sendo montada pelos alunos da Escola Técnica de Manaus (depois ETFA, CEFET e atual IFAM), na época um educandário exclusivo para homens.

Por exigir um sincronismo quase perfeito (qualquer descuido na hora do Cacete Doido pode se transformar em um acidente perigoso), a Dança do Cacetinho só foi exibida para o grande público, pela primeira vez, em 1962, no 6º Festival Folclórico do Amazonas, tendo arrebatado de emoção as 30 mil pessoas presentes ao campo do Estádio General Osório.

Com o passar dos anos, a Dança do Cacetinho acabou se transformando em uma atração especial do evento muito aguardada pelo público, principalmente depois que introduziu nas suas apresentações uma impressionante coreografia em que os cacetinhos foram substituídos por terçados. As faíscas que se soltavam das lâminas do terçado se chocando com violência eram um espetáculo à parte, de tirar o fôlego da assistência.

A partir dos anos 90, diversos cordões folclóricos semelhantes começaram a surgir na cidade, mostrando que a dança está cada vez mais enraizada na cultura local.

Das tribos pioneiras de Manaus, merece destaque a Tribo dos Maués, fundada em 25 de julho de 1952, no bairro de São Raimundo, pelo sr. Francisco Martins da Silva, que depois de ensaiar nos bairros de Santo Antônio, Vila da Prata e Francisca Mendes, tem sua maloca, hoje, na Compensa e costuma participar do festival com 150 brincantes.



Entre as tribos que ainda hoje participam ativamente do Festival Folclórico do Amazonas merecem destaque os seguintes grupos: Cacetinho Tribo dos Tarianos do IFAM, Cacetinho Tribo dos Katukinas Pidá D´Japá, Tribo dos Ianomanis, Tribo dos Barés, Tribo Tukano Dessana, Cacetinho Ajuricaba, Cacetinho da Belo Horizonte, Cacetinho Manaós, Cacetinho Tribo dos Kaiapós, Tribo Clamor de um Povo, Cacetinho Tribo Baniwa, Cacetinho Kamayurá, Cacetinho Manaú, Tribo Tikuna Belezas Naturais, Tribo dos Manaú, Tribo Tukano do Alto Rio Negro, Cacetinho Tribo Jurupixunas, Tribo Raízes Indígenas, Cacetinho Waimiri Atroari, Tribo Saterê Maué, Cacetinho Tribo Makuxi e Tribo dos  Muras.

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