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sexta-feira, julho 08, 2016

O garrote Luz de Guerra


Mestre Maranhão e o garrote mais famoso da história

Em junho de 1985, os tambores do garrote Luz de Guerra silenciaram. Os vaqueiros despiram seus casacos de veludo. Os índios esconderam suas plumas. Mãe Catirina e Pai Francisco pararam com as pavulagens. Havia uma explicação. Principal incentivadora do boizinho, dona Laura, esposa do Mestre Maranhão, acabara de falecer. Desmotivado, Mestre Maranhão pôs “o garrote para dormir”. Era o fim de uma saga que, de tão maravilhosa, havia ganhado contornos de lenda.

Animador cultural, compositor e carnavalesco por convicção, Antônio Soares de Oliveira, o Mestre Maranhão, nasceu em Caxias (MA), em 1929, e veio para o Amazonas, em 1944, com apenas 15 anos. Depois de servir na Aeronáutica, em Belém (PA), por dois anos, retornou a Manaus, em 1948, e se casou com dona Laura, com quem teve cinco filhos: Xerxes, Rosângela, Artarxerxes, Iracema e Beethoven. Também criou como se fosse seu filho o enteado Edson Lameiras.

Em 1949, Maranhão criou a inesquecível Batucada Baré, que costumava animar o carnaval de rua amazonense nos palanques montados pelas rádios Baré, Difusora e Rio Mar. Para se ter uma ideia da importância da batucada, basta dizer que, em 1980, ela se transformou no GRES Barelândia, com sede no Parque Dez de Novembro, além de ter inspirado a criação da batucada Balaku-Blaku (também hoje escola de samba).

Na infância, Maranhão havia brincado de “bumba-meu-boi” na sua terra natal. Em Manaus, ficou fascinado pelo bumbá Mina de Ouro, criado no Seringal-Mirim pelo seu conterrâneo Cipriano Vieira. O grito de guerra do bumbá (“Hei, ferro, hei aço, eu te procuro, mas não acho!”), cantado pelos vaqueiros durante a procura que precede a “matança do boi”, era conhecido de todos os manauaras.


O Amo do garrote Luz de Guerra, o moleque Xerxes, filho mais velho de Mestre Maranhão

Era 1960 e outros dois bumbás poderosos agora enfrentavam o Mina de Ouro, tanto no festival folclórico realizado na Praça General Osório (hoje, Colégio Militar do Amazonas), quanto em batalhas campais, quando coincidia de se encontrarem pelas ruas: o Corre-Campo, da Cachoeirinha, e o Tira-Prosa, de Santa Luzia. Maranhão queria colocar um “boizinho” na rua, mas não queria enfrentar esses três pesos pesados. Nascia o garrote Luz de Guerra.

O primeiro curral do Luz de Guerra funcionou no quintal da casa de Mestre Maranhão, na Rua Boa Sorte, na Matinha. Como era rionegrino e botafoguense, Maranhão não teve dúvidas: escolheu para o boi as cores dos clubes alvinegros. E como a maioria dos brincantes seria de crianças e adolescentes, adotou como santos protetores São Cosme e São Damião.

O boizinho foi um sucesso instantâneo. Campeão do festival folclórico no primeiro ano em que disputou a competição de garrotes, o Luz de Guerra virou “quindim” de vários políticos, como Álvaro Maia, Gilberto Mestrinho, Plínio Coelho, Raimundo Parente e Paulo Nery. O saudoso Fábio Lucena, um apaixonado pela brincadeira, todo ano exigia a presença do garrote para brincar no terreiro de sua casa.

Em 1969, Maranhão, que era funcionário público, se mudou para a Cohab-AM do Parque Dez, mas continuou colocando o boizinho na rua, religiosamente, ano após ano. O Luz de Guerra fez uma aparição no filme “A Selva”, de Márcio Souza, e era muito requisitado para animar os eventos turísticos promovidos pela Emamtur. Transformou-se em ícone da cultura popular amazonense, tendo sido campeão na sua categoria durante doze anos consecutivos, feito jamais igualado na história do festival folclórico.


No carnaval de 2000, Mestre Maranhão foi homenageado pelo GRES A Grande Família, do bairro de São José, na Zona Leste. Com o tema “Laços e abraços... Maranhão, cultura popular”, de Kléber Paiva e Pelado Júnior, a escola levou para o Sambódromo quatro carros alegóricos, 20 alas, 250 ritmistas, cem baianas e cerca de 3 mil brincantes. Ganhar o vice-campeonato, na frente de grandes nomes como GRES Reino Unido e GRES Vitória Régia, não podia acabar em outra coisa a não ser em samba.

“Fico feliz por ter contribuído para que uma escola simples, da periferia de onde venho, do povão, tenha sido tão bem classificada diante de escolas com tanto dinheiro”, afirmou Maranhão, após conhecer o resultado. Segundo ele, a escola merecia esta classificação ou até mesmo o primeiro lugar, por ter levado pra avenida do samba um enredo objetivo, contando a história e a cultura do povo amazonense. “Poucos fizeram isso”, disse ele, lamentando que a falta de dinheiro tenha limitado a escola, que poderia ter feito mais e conquistado o título de campeã.

Alegre feito uma criança, Maranhão garantia que o GRES A Grande Família fizera um carnaval autêntico, com um enredo que mexeu com os foliões no Sambódromo. Ele, que brincava carnaval quando a avenida Eduardo Ribeiro ainda era de paralelepípedo, estava convencido de que a festa deve sempre buscar suas origens, sem fugir das tradições. “Hoje, só ganha quem tem muito dinheiro. Mas nós nos saímos muito bem e fico orgulhoso por ter contribuído para essa vitória”, disse ele.

Com cerca de quatro mil brincantes, o GRES Mocidade Independente de Aparecida levou para o sambódromo o enredo “Lua, luar – olha o boto sinhá” e homenageou o senador Gilberto Mestrinho. Aos 72 anos, o político, que inicialmente pensava em não desfilar, esbanjou vitalidade como destaque da escola do bairro onde viveu até ser governador do Estado. O primeiro lugar da escola verde-e-branca foi atribuído às injunções políticas habituais, segundo os dirigentes das demais escolas de samba, no sentido de não contrariar o ilustre homenageado...

O saudoso Mestre Maranhão faleceu no dia 15 de fevereiro de 2001. O resto, como diria Stephen Dedalus pelas mãos vertiginosas de Joyce, é “silêncio, exílio e astúcia”.

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