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quinta-feira, fevereiro 23, 2017

Proibição de marchinhas é sintoma de fascismo cultural


Algumas decisões politicamente corretas são tão absurdas, tão próximas do ridículo que até artistas consagrados são contra. É o que está acontecendo com o fascismo cultural envolvido na censura às músicas consideradas incorretas nos repertórios das bandas e blocos de rua.

A lista é considerável. Segundo o Estadão, O Cordão do Boitatá, no Rio, decidiu acatar a proibição de não tocar O Teu Cabelo Não Nega, de Lamartine Babo. Os versos “mas como a cor não pega, mulata / mulata eu quero o teu amor” seriam os vilões de um mundo que não condizia com a realidade.

Outro clássico das marchinhas de carnaval que fizeram a alegria de muitos, Ai que Saudades da Amélia, que Mario Lago e Ataulfo Alves fizeram em 1942, já está na lista das “proibidas do carnaval”.

O próprio Caetano Veloso diz: “Sou mulato e adoro a palavra mulato: é como o país é chamado em Aquarela do Brasil, que é nosso hino não oficial. Sempre detestei A Cabeleira do Zezé por causa do refrão “corta o cabelo dele”, que é repetido como incitação a um quase linchamento. Mas não tenho vontade de proibir nada”. Às vezes, até o polêmico baiano tem noção do ridículo.

A folia contra o bom-senso também chegou a São Paulo onde alguns blocos se posicionaram a favor do cuidado com o que iriam tocar para não reforçarem supostos preconceitos. A clássica Índio Quer Apito foi vetada por ser depreciativa aos costumes e hábitos dos nossos silvícolas.

O compositor João Roberto Kelly tem cerca de 100 marchinhas, todas diametralmente opostas às ideias da patrulha do mimimi: Cabeleira do Zezé, Menino Gay, Maria Sapatão e Mulata Bossa Nova são algumas.

“Nunca vi um patrulhamento tão grande, nem no tempo da ditadura. Carnaval é brincadeira, meu querido. A gente goza do careca, do barrigudo, não podemos levar as coisas ao pé da letra”, ensina ele.

Tom Zé é outro que se assusta quando ouve que sambistas estão deixando de tocar Amélia. “Puxa vida, mas ela era uma mulher tão dedicada… Carnaval é a época de fazer tudo ao contrário, mas agora querem consertar o mundo.”

“Estão querendo mostrar serviço no lugar errado”, insiste Djavan. Para ele, a discussão do reforço de estereótipos precisa passar, antes, pela educação. “O racismo está ligado à falta de formação, desde sempre.”

Ney Matogrosso reforça a opinião de que há patrulhamento desnecessário. Ele lembra que Maria Sapatão, por exemplo, não fala mal da mulher quando diz que “o sapatão está na moda, o mundo aplaudiu / É um barato, é um sucesso / dentro e fora do Brasil”.

“Estão gastando energia com coisas desnecessárias”, afirma.

O pesquisador Tárik de Souza também fala: “Ninguém pode ser obrigado a cantar o que não quer. Mas a volta da censura, mesmo que por razões consideradas nobres, é algo assustador. O carnaval tem sempre um sentido anárquico e caricatural. Já pensou se forem revisar também as chanchadas da Atlântida, vetar os personagens malvados e politicamente incorretos dos folhetins de TV? Vamos acabar num quartel ou num colégio de freiras carmelitas...”

Reforçando a hipocrisia da patrulha do mimimi, Ruy Castro, outro pesquisador, se atenta ao termo “mulata”: “Das dezenas de marchas que falam da mulata, muitas foram compostas por Assis Valente, Wilson Baptista, Haroldo Lobo, a dupla Zé e Zilda, Haroldo Barbosa, Monsueto Menezes etc. etc., e lançadas por cantores como Orlando Silva, Silvio Caldas, Aracy de Almeida, Carmen Costa, Ciro Monteiro, Moreira da Silva, Jorge Veiga, Ângela Maria etc. etc.. Todos mulatos. E não viam nenhum problema nisso.”

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