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terça-feira, maio 23, 2017

Sérgio Sampaio não morreu!


Anjo torto de carreira enviesada, curta e contundente, Sérgio Sampaio brilhou nos anos 70 como compositor de uma só canção (o que era injusto com ele): a marcha Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua foi o grande sucesso (embora não tenha ficado entre as premiadas) do sétimo Festival Internacional da Canção, em 1972, e virou hino, grito de desabafo. Era uma marcha de estrutura musical muito simples e letra direta. Mas deixava margem para dupla interpretação: eram os anos mais rígidos do regime militar, com a censura podando músicas, livros, filmes, peças de teatro – e veio o desabusado cantando que ia pôr o bloco na rua.
                             
É a história desse capixaba irreverente que se conta em – claro – “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua – A Biografia de Sérgio Sampaio”, livro de estréia do violonista e pesquisador musical carioca Rodrigo Moreira (Editora Muiraquitã, 188 páginas, 2000). A biografia fechou um ciclo de homenagens ao compositor, que mereceu um disco-tributo, em 1998 – “O Balaio do Sampaio”, do qual participam alguns de seus fãs declarados e famosos: Chico César, João Bosco, Zeca Baleiro, Lenine, João Nogueira, Jards Macalé, Luiz Melodia, Elba Ramalho, Erasmo Carlos, Zizi Possi, Eduardo Dusek, Renato Piau.

Foi outro fã declarado, o compositor Sérgio Natureza – parceiro de Sérgio em Velho Bode – quem tomou a pulso a idéia de produzir o Balaio do Sampaio (MZA). Começou a trabalhar em 1996, para, dois anos depois, levar o disco à rua. “Reputo Sérgio Sampaio um dos grandes compositores de nossa recente música, indubitavelmente um artista único, melodista, poeta e intérprete de qualidades raras e grandes tiradas, de originalidade e talento que sobressaem a cada nova audição, cada canção registrada, cada nova composição gravada”, escreve Sérgio Natureza, no prefácio do livro.

Sérgio Sampaio, diz o xará Natureza, foi o diretor de harmonia do Bloco dos Descontentes, mas foi, também, uma espécie de Garrincha da MPB: “Driblando os percalços, entortando a defesa dos insensíveis e marcando gols de placa com suas canções.” Infelizmente, lembra ainda o parceiro, o fim de Sérgio Sampaio, inglório, foi parecido com o do jogador do Botafogo. O compositor, aliás, era botafoguense. A biografia é enxuta, objetiva, mas de observações por vezes discutíveis.

Rodrigo Moreira começa o texto lembrando que, na virada da década de 60 para a de 70, com a censura ou o exílio, eventualmente voluntário, de parte do primeiro time da MPB – Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil estavam fora, idem Geraldo Vandré –, havia falta de lideranças no cenário musical.

As atenções voltaram-se, então, para um time um pouco mais jovem, que, na visão do autor, era beneficiário das conquistas tropicalistas. De um lado, havia o Movimento Artístico Universitário (MAU), em que se destacavam Ivan Lins, Gonzaguinha, Aldir Blanc, César Costa Filho; veio a invasão nordestina, com os Novos Baianos e mais os cearenses Raimundo Fagner, Belchior, Ednardo, e ainda vieram os pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo; a turma de Milton Nascimento estava no auge da criatividade e a lista do autor ainda agrega Jards Macalé, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Walter Franco, Tim Maia, Raul Seixas no bolo de beneficiários da iconoclastia do Tropicalismo.

No entanto, entende Rodrigo Moreira, nenhum desses músicos foi tão estigmatizado pela herança como Sérgio Sampaio. É um dos pontos que seu livro trata de esmiuçar.

O biógrafo comete alguns equívocos e o mais grave deles diz respeito à destituição do júri do Festival Internacional da Canção em que Sérgio Sampaio se tornou conhecido, ao apresentar Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua.

Escreve ele: “Em 16 e 17 de setembro de 1972, realizaram-se as eliminatórias do festival – a exemplo da edição anterior, desacreditado, combatido e cerceado. Corriam fortes rumores da presença de membros do DOI-Codi e do SNI (Serviço Nacional de Informações) nos bastidores” – e, até aí, está certo.

Mesmo desacreditada, aquela edição do festival trouxe números importantes: Quatro Graus, de Fagner, Cabeça, de Walter Franco, Serearei, de Hermeto Pascoal, Viva Zapátria, com Sirlan, Papagaio do Futuro, com Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Jackson do Pandeiro. E ainda: Mande um Abraço pra Velha, com os Mutantes, Let me Sing, Let me Sing, de e com Raul Seixas. E o Bloco de Sampaio. Mas o Bloco, que foi a grande sensação das eliminatórias não estava entre as dez classificadas para a final nacional (a parte nacional era realizada antes da internacional).

“Foi aí que Nara Leão resolveu virar a mesa”, escreve Rodrigo Moreira. “Esse festival será lembrado por essa canção”, teria dito a cantora, que tratou de “pressionar” os outros jurados a rever seus votos. De fato, mudou-se o regulamento: em vez de dez, passaram a ser 12 as finalistas, de modo a incluir o Bloco e Nó na Cana, de Ari do Cavaco e César Augusto.

Conta Rodrigo, e aí está o seu equívoco: “Ao terminarem as apresentações, enquanto anunciava os vencedores da final nacional (Cabeça e Nó na Cana), o júri, composto por Roberto Freire, João Carlos Martins, Rogério Duprat e Sérgio Cabral e pressionado desde o início para alijar da disputa as canções de algum teor político, foi sumariamente deposto pela direção do festival, motivando irados protestos de Nara Leão e Roberto Freire. Em seu lugar, assumiu, às pressas, um júri internacional, que escolheu duas outras vencedoras, Fio Maravilha (de Jorge Ben, com Maria Alcina) e Diálogo (de Baden Poweel e Paulo César Pinheiro, com Tobias e Márcia) para representar o Brasil ao lado das medíocres concorrentes da final internacional.”

Essa versão da história, que é muito repetida, não é verdadeira. Houve pressão sobre o júri, sim, mas para que Nara Leão, de quem os militares não gostavam, não participasse do júri. Organizador do festival, Solano Ribeiro disse, então, que, se Nara tivesse de sair, sairiam todos os brasileiros – a ideia era expor a estupidez da manobra. E foi o que de fato se deu.

Rodrigo Moreira conta que Sérgio Sampaio estava tuberculoso, na época do festival, e tão magro que era chamado de “transparente” – consequência da vida desregrada. Estava pronto para gravar seu primeiro elepê-solo: já tinha, em 1971, lançado um compacto simples e participado, com Raul Seixas, Míriam Batucada e Edy Star, do célebre elepê Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez. Agora, a gravadora queria que ele fizesse vários Blocos – é uma velha prática.

Seja como for, o Bloco foi o maior sucesso do ano. Vendeu 500 mil compactos, um recorde para a época. Deu nome ao carnaval de 1973: aquele foi o carnaval do “Bloco na Rua”. Rodrigo conta uma história curiosa: Sérgio Sampaio disse uma vez a Waly Salomão que não entendia como uma música triste como Bloco poderia fazer sucesso no carnaval. “E quem disse que carnaval é alegre?”, perguntou o compositor Waly. Seja como for, a carreira de Sérgio acabou quase resumida a esse sucesso.

Ele gravou três elepês: o Bloco, que saiu em 1973 (era Philips, hoje Universal), Tem de Acontecer, de 1976 (pela Continental) e Sinceramente, de 1982, independente. E o capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, nascido em abril de 1944, morreu de pancreatite, em maio de 1994 sem conseguir voltar à cena.

Nos últimos tempos, coisa que Rodrigo Moreira não conta, estava delirante, convencido de que as músicas eram sempre as mesmas, as mesmas, as mesmas. Para prová-lo, gostava de cantar a letra de Águas de Março, de Tom Jobim, sobre a melodia do roquinho O Caminhoneiro, de Roberto Carlos.

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