Pesquisar este blog

quinta-feira, julho 13, 2017

Palmério Dória 11: As invasões bárbaras


Santarém ficou pequena para as duas. Mamãe ainda procurou sondar junto aos parentes de Ismênia se ela pretendia ficar na cidade depois do escândalo todo. Ao saber que sim, não pensou duas vezes, já que estava com a faca e o queijo na mão:

– Vamos voltar para Belém!!!

Uma operação de certa maneira fácil. Não tínhamos o que o periquito roesse. Eram as tralhas da cozinha, as redes que seriam atadas no convés da gaiola Aquidaban, durante o retorno, uma gravura do Sagrado Coração de Jesus, caprichosamente emoldurada, um retrato do papai e da mamãe colorizados, dois retratos de meus avós maternos, o ferro de passar, a carvão, as fotos e jornais dos tempos de jogador do papai, a máquina Singer movida a pedal, a vitrola do irmão do seu Elias e uma coleção dos livros de Jorge Amado, capa dura, vermelha, que eu ainda não lera.

A pior parte da história: Ita não podia ir, a família dela não deixava, talvez por causa de todo aquele bafafá com status de rififi, religiosa como era.

Nessa época, cansei de ouvir histórias de garimpeiros que cortavam o “mal pela raiz”, após perder tudo em noitadas com as prostituas no rendez-vous Vai Quem Quer.

O ouro tinha aparecido no Alto Tapajós, Santarém saiu da modorra, uma legião estrangeira começou a circular pela cidade, que deixou de ser um ponto perdido no mapa – tudo rebate falso, o ouro era de aluvião, nem a história de garimpeiros se auto-mutilando era verdadeira.

Associação de idéias inevitável: sexo podia ser muito bom, mas causava um barulho danado.

No entanto, continuei usando com relativa frequência em Belém, todas as possibilidades infanto-infantis, apesar da implacável perseguição de dona Tita, uma megera que mamãe trouxe de Santarém, marcada por uma tragédia: o filho dela foi o único morto do Tapajós, durante a rebelião comandada em 1956 pelo major da Aeronáutica Haroldo Veloso, contra JK, que reclamava lá no Palácio do Catete:

– Eu ainda nem tive tempo de errar.

(Olhe esse emaranhado: décadas depois, Haroldo Veloso, que provocou a mobilização de cerca de quatrocentos homens das três armas para sufocar sua revolta, que tinha a adesão velada de grande parte da oficialidade brasileira, morreu em consequência de um tiro na perna defendendo como deputado federal, o mandato do prefeito de Santarém, Elias Pinto, aquele homem de Getúlio no Baixo Amazonas, do PTB, que com militares golpistas como ele tentaram liquidar desde 1954, com a República do Galeão, e só conseguiram em 1964. Antes desses acontecimentos, já deputado, era figura de destaque no Café Central, na avenida Presidente Vargas, em Belém.)

Mas eu não podia ir com a minha irmã para o porão, brincar de papi-e-mamãe, que dona Tita, brandindo uma vassoura, saía correndo atrás da gente, aos berros:

– É por isso que o peito dela tá crescendo!!!

Nenhum comentário: