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sábado, julho 15, 2017

Palmério Dória 26: O último voo do Castilho (final)


O eterno goleiro Castilho, que morreu de amor

Em Belém, saiu na Província: “O Encontro com os Índios Brancos”, que não eram brancos coisa nenhuma, apenas uma tribo que vivia em mata fechada. De qualquer forma devem restar poucos para contar a história.

Como eu ia dizendo, essa matéria fechou um ciclo. Desde a vinda de Castilho, tive uma idéia clara do que não era um goleiro.

Quer dizer: com essa altura, com essas mãos, mesmo com toda a dedicação do mundo, eu nunca seria um Castilho, nem sendo filho de goleiro e sobrinho de outros dois.

Como não podia ser como meu herói, tornei-me o embusteiro mental que sou até hoje.

Além disso, Lúcia não ligava a mínima para futebol, mas gostava da minha porção repórter. Então passei a me dedicar a isso, cobrir enchente no Amazonas, fazer uma edição especial sobre o Pará junto com o Lúcio Flávio para o Liberal de Rômulo Maiorana, que tomava o lugar da Folha do Norte, esvaziada pela ditadura, entrevistar celebridades que chegavam a Belém, como a ator Paulo Autran, que levou Morte e Vida Severina no Teatro da Paz.

Nessa entrevista, Paulo Autran quase se desfez em suor. Primeiro, o ar-condicionado do hotel Vanja levou uma surra do calor, e ele pediu pra gente continuar o papo no quarto dele.

Mesmo com a temperatura mínima, sentado na cama ao meu lado, o ator não parava de suar, a roupa branca toda empapada. Volta e meia parecia perder o fio da meada e eu era obrigado a fazer uma pausa.

Paulo Autran olhava para um ponto fixo através da janela fechada, quem sabe pensando na morte da bezerra no sertão nordestino, tocava na minha perna, e retomava a conversa do ponto em que a deixara.

Não, o calor não derrotou o deus que dormiu na casa de Tônia Carrero. E ele deu uma boa entrevista.

Um dia veio a transferência do pai de Lúcia, e o céu desabou de novo sobre a minha cabeça. Só encontrei um mínimo de paz quando mudei para o Rio, com a firme decisão de me casar com ela.

Lúcia trabalhava o dia todo, eu bundava todo dia na praia ou ouvindo jazz no apartamento do jornalista José Gorayeb, que me hospedava a pedido de Ápio Campos, de quem também foi pupilo, para depois namorar no apartamento dos pais dele, na rua Gastão Bahiana, em Copacabana.

Na bica de passar fome, mudei para São Paulo, atrás de trabalho. Primeiro, numa república com umas oitos pessoas no bairro de Santa Cecília, na rua Canuto do Val, atrás do cursinho Equipe, o mais politizado da cidade, onde Serginho Groisman já fazia a festa.

Logo nos primeiros dias, desci pra tomar um café. Sem documentos, fui preso num arrastão policial. Na delegacia, um soldado me tacou a mão na bunda várias vezes, enquanto esperava na fila, porque reagi na hora da detenção:

– E aí, vai cantar de galo?

Além do meu velho amigo Lúcio Flávio, entre oito machos daquele fraterno pulguerio estava o historiador Joel Rufino dos Santos, guru dos professores de cursinho, um dos criadores da História Nova, da Civilização Brasileira.

O assunto era Marighela, Lamarca, luta armada, quem caiu, quem desapareceu, quem foi torturado e... garotas. Ficava espantado quando meus colegas recebiam suas namoradas, especialmente o Aurélio – cujo apetite parecia insaciável –, meninas de alta fidúcia, só de cueca naquele antro. Longe delas, eu perguntava:

– E elas fodem? – fazendo o clássico gesto com a mão.

Todo fim de semana pegava um ônibus da Cometa para ver a Lúcia no Rio. Quando a encontrava, no apartamento dos pais dela, apertava-a contra o meu peito e chorava de saudade.

Depois rolava tudo, menos transa: na sala, no corredor, na escadaria de serviço nas vindas da praia de Copacabana. Enquanto isso, em São Paulo, os meus amigos viviam a revolução sexual.

Um dia, ela me chamou pra real. Nosso amor não ia dar pé, ainda mais com a flecha negra do ciúme que me afligia. Saí vagando por Copacabana pensando em me matar.

Devo ter tentado. Mas os carros que circulavam de madrugada não aceitaram a minha provocação. Passei meses e meses assim, atarantado, me sentindo um pneu furado. Trilha sonora para essa dor-de-cotovelo, maestro!

Calado, sofrimento passei,
Calado, a ninguém reclamei,
Direito, com a alma lutei pra vencer,
Venci, consegui esquecer,
Em silêncio eu chorei noite e dia,
Minhas lágrimas ninguém via,
Rolaram incessantes no meu rosto,
Porque foi com coração que chorei,
Ninguém sabe os sofrimentos que passei.

Encontrei a Lúcia apenas uma vez, treze anos depois. Eu estava abraçado com a bailarina Márcia Albuquerque na esquina da farmácia Piauí, no Leblon, aquela aberta dia e noite.
Vinha atravessando a rua com (suponho) o marido, me viu e disse com toda naturalidade:

– Olha o Palmério.

Engoli seco, não consegui dizer palavra, e ela passou.

Durante esses anos todos, acompanhava o sucesso de Castilho como treinador de vários clubes nacionais.

A conquista do Campeonato Paulista de 1984, por exemplo, tirando o Santos de um jejum de títulos, e o que é melhor, contra o Corinthians, 1 a 0, no Morumbi, dia 2 de dezembro, gol de Serginho Chulapa, que rasgou elogios a Castilho no final do jogo: “Foi o melhor técnico que tive na vida”.

Esta foi, também, a última grande conquista do time de Vila Belmiro, que entrou em campo com: Rodolfo Rodrigues, Chiquinho, Márcio, Toninho Carlos e Toninho Oliveira, Dema e Lino, Paulo Isidoro, Humberto, Serginho Chulapa e Zé Sérgio.

Mesmo coberto de glórias, em fevereiro de 1987, aos 60 anos, Castilho chegou no apartamento da ex-mulher, e perguntou se ela queria voltar.

Ao ouvir um não, Castilho correu para a janela e deu o mais fantástico de seus saltos, num edifício no bairro de Inhaúma, no Rio.

Fiquei chocado, mas não exatamente surpreso.   

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