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terça-feira, julho 11, 2017

Palmério Dória 9: Intercâmbio sexual


No começo das férias de julho, soube que estava perdoado no Dom Amando, por obra e graça da minha querida professora Maria de Lourdes. Então fui liberado para todos os folguedos.

É o chamado verão, época de vazantes, estação em que chove menos, as águas de todos os rios da Amazônia ficam pela metade. E abriam-se praias que pareciam nevadas no Tapajós.

Aí, a gente pegava um motor todos os fins de semana e ia para a Ponta da Maria José e Salvação. Em noites de luau, dormíamos nessas areias quase virgens, tomávamos água ali na beira – água de beber, camará! –, daí meu espanto quando um dia vi água engarrafada.

Ainda não conhecíamos Alter do Chão, hoje o cartão-postal de Santarém, com a Serra Piroca e tudo, que deixa os gays em estado de pura excitação. As praias fora da cidade nunca me deram grande margem para a saudável prática da sacanagem, por causa do olho vivo e faro fino dos mais velhos. Gostava mais daquelas que ficavam na frente da cidade.

Nessa época chegava o pessoal de Belém, meninas irresistíveis, saltitantes e alegres, com pique da cidade grande. Minha prima Conceição veio pelo menos duas vezes. O barato era vê-la fazer xixi de porta aberta, o vestido levantado, a calcinha abaixada.

Tinha também uma certa Lúcia Pamponet, prima da Ilka, que vinha todo ano. Essa me balançou um bocado nesse verão. Nossa especialidade era beijinhos sem ter fim atrás da porta.

Mas a novidade mesmo veio do Acre, nas formas esculturais de uma jambete chamada Ismênia. Acho que não tinha nem 18 anos, mas passou a ser a presença sedutora da cidade para os mais velhos e – why not? – para nós também.

De cara, tornou-se amiga de mamãe. Acreana, era como todos a chamavam. As acreanas, é bom que se diga, tinham fama de atiradas. Vamos ser mais explícitos: em Manaus, acreana é sinônimo de galinha.

Mamãe, contudo, não dava ouvidos para as outras amigas que, um tanto enciumadas, punham em xeque o comportamento liberado daquele novo animal na floresta. Em matéria de palavrões, por exemplo, ela só era batida pelo falecido Craveiro Lopes. Mas em pouco tempo Ismênia já era parte da família.

Cuidava de mim, do Valdemar e da Betina com um desvelo de mãe. Fazia todas as nossas vontades. Ninguém preparava uma goiabada como a Ismênia, ali ao pé do fogão a lenha.

Nós três ficávamos ali extasiados, vendo-a mexer a colher de pau, experimentar um bocado com o indicador, aprovar com uma bela estalada de língua, que nos deixava com mais água na boca.

E assim, ano vai, vem, íamos vivendo de amor. Eu, mamãe, papai, Ita, Betina, Valdemar e Ismênia, que não morava com a gente, mas era como se morasse. Aquilo ali era um casulo de felicidades! O que vinha de fora – respeito – me atingia muito pouco.

Teve a passagem de Jânio Quadros, já em campanha presidencial, que fez um discurso de uns dez minutos de manhã cedinho, sem microfone nem nada, na escadaria da igreja matriz, administrada pelos padres franciscanos e cuja lateral dava para a minha casa.

Ouvi o discurso de cabeça erguida praticamente na cintura dele, abismado com a loquacidade daquela figura de terno azul-marinho e sem gravata.

Pelo visto, as campanhas eram no gogó, e os políticos tinham de se virar que nem cobra em areia quante para conquistar os eleitores do general Magalhães Barata – os baratistas, quase uma religião baseada no PSD, “a voz do Brasil unido”, que fazia dobradinha com PTB – ou do marechal Zacarias de Assumpção – que se aglutinavam na UDN e no PSP.

Nos comícios noturnos, estes agitavam carros alegóricos em forma de gigantescos chinelos:

– Assumpção! Barata, não!

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