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quarta-feira, fevereiro 21, 2018

A pajelança de João da Mata


Luiz Lobão e Áureo Petita no Canto do Fuxico

Abril de 1976. Fazia dez anos que o time do Maués, da Cachoeirinha, não ganhava do time do Náutico, do Beco do Macedo, em partidas oficiais pelo campeonato amador, quando Áureo Petita e Luiz Lobão vestiram pela primeira vez a camisa do Maués, na época dirigido pelo técnico Luiz Calango.

Jogando ao lado de Gilberto, Ernâni, Vivaldo, Erasmo, Mário Rato e Alcides, os dois ex-craques do Murrinhas do Egito fizeram uma exibição de gala e o Maués enfiou 4 a zero no Náutico, com três gols de Luiz Lobão e um do endiabrado Áureo Petita, depois de ele ter driblado a zaga inteira da equipe adversária.

Assim que o jogo terminou, João Zaranza, dono do Náutico, chamou Luiz Lobão e Áureo Petita para uma conversa reservada. Se os dois topassem jogar pelo seu time, ele empregaria ambos na Fogás, onde exercia o cargo de gerente da Manutenção. Os dois toparam.

Luiz Lobão foi trabalhar como estoquista e Áureo, como frentista da bomba de gasolina dos veículos da manutenção. Puto da vida, o técnico do Maués, Luiz Calango, passou uma semana inteira andando pelo bairro disposto a enfiar uma peixeira cega no bucho dos dois “traíras”.

Na véspera do jogo de estreia dos novos reforços do time, João Zaranza chamou Luiz Lobão e Áureo Petita para uma nova conversa reservada. Os dois teriam de participar de uma sessão de descarrego no Centro de Umbanda Caboco Sete Flexas, em Petropólis, que tinha como babalorixá um outro funcionário da Fogás, João da Mata, empregado de João Zaranza e um dos mais fiéis torcedores do Náutico. Os dois toparam.

A pajelança transcorreu normalmente. Áureo Petita e Luiz Lobão ficaram apenas de cueca em um círculo de pólvora, próximo do congá. Depois de uma sequência de cânticos, o babalorixá João da Mata incorporou o exu Tranca Ruas, que retirou sete moedas de um alguidar e passou as moedas pelo corpo dos atletas.

Depois, de um segundo alguidar, Tranca Ruas retirou uma mistura de mel de abelha, azeite de dendê e gergelim e “engraxou” os pés dos atletas. Finalmente, Tranca Ruas colocou fogo na pólvora e, enquanto recitava um “ponto”, despejou sobre a cabeça dos dois atletas uma cuia contendo “banho de cheiro”, à base de alfazema, erva doce e manjericão. Feito isso, Tranca Ruas foi embora.

Na sequência, o babalorixá João da Mata deu um toque para João Zaranza, única testemunha ocular da sessão de descarrego, sem esconder a sensação de dever cumprido:

– Pronto, meu padrinho, tá tudo amarrado! Tá tudo amarrado! Só vai dar nóis!

João Zaranza se despediu do babalorixá, colocou os dois atletas no seu carro e foi deixa-los em casa.

No dia seguinte, durante o jogo de estreia dos novos reforços, nada parecia dar certo. Luiz Lobão perdeu quatro gols cara a cara com o goleiro, chutando a bola bisonhamente pra fora. Áureo Petita não conseguia dar um único drible, que tropeçava na bola e desabava de cara no chão. Não conseguiu fazer um lançamento decente nem se manter em pé em campo por mais de cinco minutos. Um vexame. O Náutico perdeu de 1 a zero. Puto da vida, João Zaranza foi tomar satisfações com o babalorixá:

– Que porra de feitiço foi aquele, João da Mata, que porra de feitiço foi aquele? O Áureo Petita e o Luiz Lobão apanharam da bola o tempo todo...

– Ué? Eles não são os fodões da Vila Mamão do time do Maués?... – reagiu o babalorixá. – Pois, o exu Tranca Ruas amarrou eles com um nó-de-cachorro da gota serena, que nunca mais aquelas duas pestes vão fazer porra nenhuma dentro de campo...

Foi um parto para João Zaranza desfazer o equívoco. Luiz Lobão e Áureo Petita tiveram que ser conduzidos às pressas para uma nova sessão de descarrego, a fim de reverter a pajelança anterior.

Deu certo. Naquele ano, o Náutico se sagrou campeão, Luiz Lobão foi o artilheiro da competição com 27 gols e Áureo Petita foi eleito o craque do ano. O babalorixá João da Mata era danado.

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